17 Julho 2021
O papa jesuíta está pavimentando o caminho para mulheres diáconas ou bloqueando a estrada?
O artigo é de Phyllis Zagano, teóloga estadunidense pesquisadora associada da Universidade Hofstra, em Hempstead, Nova York. É autora, em português, de “Mulheres diáconas: passado, presente, futuro” (Paulinas, 2019), em artigo publicado por La Croix International, 15-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Legiões de mulheres funcionárias da Igreja, a todo nível, paróquias e chancelarias, nas conferências episcopais – e até mesmo no Vaticano – acolheram e acolhem os esforços do Papa Francisco para eliminar o clericalismo.
A percepção geral de que “eles” (clérigos) não nós (mulheres) necessitam parece estar desaparecendo. Ou não?
A grande diversidade de “funcionários da Igreja”, dos quais a Igreja Católica depende, fica sob duas categorias principais: pagos e não pagos.
A grande maioria dos profissionais pagos são sustentados por clérigos. A grande maioria de voluntários, posições não pagas, sendo profissionais ou não, estão preenchidas pelas mulheres.
É claro, há um cruzamento, mas a exploração das mulheres, na qual está eufemisticamente chamada de “trabalho das mulheres”, é um escândalo que Francisco parece pronto para reparar. É claro, restaurar as mulheres para um diaconato ordenado pode ser parte da resposta, mas essa não é a única.
Vejamos três pontos: 1) A ênfase de Francisco sobre envolvimento leigo na Igreja; 2) o problema do clericalismo; 3) as possibilidades de mulheres diáconas.
A Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia em 2019 sustentou uma grande promessa para as mulheres.
Foram doze grupos de diferentes idiomas debatendo: pessoas leigas devem estar mais envolvidas na governança; a Igreja deve permitir mulheres para estar formalmente instaladas como leitoras e acólitas; e a Igreja precisa continuar a considerar a ordenação de mulheres como diáconas.
Relatou-se que nove de doze grupos pediram por mulheres diáconas, mas a linguagem foi suavizada quando foi para os rascunhos do Documento Final.
As respostas de Francisco vieram rapidamente. Sim, ele disse à Assembleia Sinodal, que ele assumiria o desafio vindo debaixo sobre as mulheres diáconas.
Mas Querida Amazônia, sua resposta ao Documento Final do Sínodo, tocou em uma nota diferente. Na exortação apostólica pós-sinodal, o Papa enfatizou o fato de que paróquias poderiam de fato ser lideradas por pessoas leigas, e que de fato muitas já o são.
Então, em vez de mencionar os ministérios leigos instalados ou mulheres diáconas em sua resposta ao Documento Final, ele enfatizou Coordenadores de Vida Paroquial, como descrito no Código de Direito Canônico (can. 517§2).
O chamado de Francisco pediu que o Documento Final e Querida Amazônia fossem lidos em conjunto, nós podemos ver que sua ênfase sobre a laicidade é realmente ênfase sobre as mulheres. Além disso, dois terços das paróquias na Amazônia são lideradas e administradas por mulheres, principalmente religiosas.
Em Querida Amazônia, Francisco pediu para que elas fossem reconhecidas como coordenadoras paroquiais. Ele pediu que elas tivessem certos termos do ofício. Ele pediu que elas sejam profissionalizadas. Ele implicou que esse serviço deveria ser pago.
Por quê? Lembre-se do outro pedido importante do Sínodo da Amazônia: ordenar viri probati (homens casados de virtude comprovada) ao sacerdócio, muito provavelmente aqueles já diáconos permanentes.
Agora imagine a paróquia amazônica liderada por uma mulher, que inclui um diácono casado. Se o diácono casado se torna sacerdote, a maneira atual de pensar sobre a Igreja não o vê automaticamente como o pastor?
Com Querida Amazônia, Francisco desviou a questão dos diáconos casados se tornarem padres, ao mesmo tempo em que enfatizava o ponto da comunidade. E, ao enfatizar o ponto da comunidade, ele chamou especificamente os coordenadores de vida paroquial (cân. 517§2).
Ou seja, pediu a ampliação desse cargo, que pode ser preenchido por leigos e leigas, religiosos ou seculares, além de diáconos. Ao fazer isso, ele cortou o vínculo entre a liderança paroquial e o clericalismo. Ou pelo menos ele cortou aquele nós em teoria.
O problema do clericalismo é real.
Dentre suas múltiplas facetas, o que nos preocupa hoje é a conexão entre o clericalismo e o direito. Ou seja, o Código de Direito Canônico coloca os clérigos ordenados, predominantemente padres e bispos, acima dos leigos e, ao que parece, acima da lei.
Não há virtualmente nenhuma maneira, pelo menos nenhuma forma legal, para qualquer pessoa leiga ter governo e jurisdição na Igreja em nível paroquial ou diocesano.
Mesmo o Livro VI do Código de Direito Canônico, recentemente reformulado, embora pesado em penalidades, é igualmente pesado em sigilo e autopoliciamento clerical (leia-se episcopal).
Quinhentos anos atrás, Martinho Lutero chamou o clericalismo de destruidor do Cristianismo. Lutero escreveu:
“Sim, os sacerdotes e monges são inimigos mortais, discutindo sobre seus modos e métodos concebidos por si mesmos como tolos e loucos, não apenas para obstáculo, mas para a própria destruição do amor cristão e da unidade.
Cada um se apega à sua seita e despreza as outras; e consideram os leigos como se não fossem cristãos. Esta lamentável condição é apenas um resultado das leis”. (Martin Luther, Works of Martin Luther, Philadelphia: A.J. Holman, 1915, p. 295)
Como o clericalismo afeta as mulheres e o trabalho da Igreja?
As mulheres, e qualquer outra pessoa não ordenada sacerdote, são automaticamente membros de classificação inferior da Igreja Católica. Os membros de escalão inferior – sejam seculares ou religiosos, homens ou mulheres – não são as primeiras a encontrar respeito ou apoio profissional nas paróquias e chancelarias católicas.
Lembre-se da proposição da assembleia sinodal da Amazônia a respeito da ordenação sacerdotal de diáconos casados. Não é a maneira da Igreja chamar o padre ordenado de pastor, não importando suas qualificações?
E, se o ex-diácono agora é o pastor, a maneira atual de pensar sobre a Igreja automaticamente lhe garantiria salário, moradia, férias, retiro, empregada doméstica, cozinheira, transporte e alimentação? Não mereceria um sacristão, uma secretária, um ou dois dias de “folga” por semana?
Claro, esse cenário pinta o clericalismo em traços mais amplos, e podemos supor que as paróquias e comunidades na região amazônica não podem aceitar um clericalismo bem pago.
Mas se transferirmos esse cenário para outras paróquias de outros países, não é esse o caso? Em algumas paróquias, a maior parte das doações paroquiais vai para apoiar o pastor e suas necessidades pessoais e equipe.
As mulheres, onde aparecem, são catequistas e sacristãs voluntárias, e talvez cozinheiras e secretárias em meio período.
Eu nem estou discutindo a questão de qual quantia de doações paroquiais vão para os pobres. Se houver apoio paroquial para os pobres, pelo menos nos Estados Unidos, uma parte substancial do financiamento vem de fontes governamentais e doações em espécie.
E os ministérios paroquiais para os pobres são compostos predominantemente por mulheres. E, em geral, essas mulheres são voluntárias ou, na melhor das hipóteses, funcionárias em meio período sem benefícios.
Então, qual é o problema do voluntariado?
Muitos anos atrás, quando comecei a trabalhar seriamente para restaurar a tradição das mulheres diáconas ordenadas, um amigo, monsenhor da minha arquidiocese, disse-me: “Ah, então você quer ser voluntária?”.
Na verdade, a maior parte dos diáconos na Igreja dos Estados Unidos são voluntários, agora aposentados de seus “empregos diurnos”, que são voluntários nos mesmos ministérios em que pensamos quando pensamos em “Igreja”.
Eles visitam os doentes, enterram os mortos, administram cozinhas populares e bancos de alimentos, ensinam catecismo, dão aulas de casamento. Mas em muitos lugares, o bispo ou pastor prefere contratar um diácono (em tempo integral ou parcial) para cargos de coordenador da instrução religiosa a chanceler de uma diocese.
Assim, as mulheres são efetivamente excluídas dos empregos para os quais são eminentemente qualificadas, exceto por seu gênero, o que restringe sua capacidade de serem ordenadas diáconas.
O fato é que, na festa do Batismo do Senhor neste ano, Papa Francisco mudou a lei canônica para permitir que tanto mulheres quanto homens fossem instalados como acólitos e leitores, que em 1972 substituiu efetivamente as ordens menores suprimidas de leitor, porteiro, exorcista e acólito, e a ordem maior de subdiácono.
Experiências que em todo lugar são requisitos para ordenação como diácono. Até então a maiores dos bispos conservadores havia instalado homens como leitores ou acólitos, principalmente – ao que parece – para eliminar a possibilidade de mulheres servirem e lerem no altar durante a missa.
Mais recentemente, o papa também estabeleceu o ministério permanente do catequista. Isso parece, em parte, para profissionalizar o ministério catequético.
Esses eventos podem tanto ajudar quanto ferir as pretensões das mulheres conseguirem emprego pago, profissionalização ou algo do tipo nas paróquias. Esses perfis tem sido tradicionalmente preenchidos por leigas voluntárias, então não parece acrescentar nada, exceto os requisitos de treinamento prévio para o ministério instalado.
O “mas”, e é um grande “mas”, é que cada um desses três ministérios instalados está conectado com a ordenação diaconal.
A instalação como acólito e leitor é, como eu disse, requisito para a ordenação diaconal. O ministério do catequista tem ainda mais uma relação com o diaconato.
Uma razão, ou justificativa, para a restauração do diaconato como vocação permanente veio do Concílio Vaticano II, era para fortalecer o ministério dos catequistas com o carisma da ordem.
Isso acontecia porque os catequistas nas nações em desenvolvimento frequentemente serviam como Coordenadores da Vida Paroquial e desempenhavam outros ministérios diaconais.
A trajetória recente dos acontecimentos parece aproximar as mulheres do diaconato e, portanto, do tratamento preferencial para emprego.
O diácono pode ser o único juiz em um julgamento eclesiástico. O diácono pode testemunhar casamentos. O diácono pode batizar solenemente.
As mudanças no direito canônico e a criação do ministério de acólito instalado significam que o Papa Francisco está prestes a ordenar mulheres como diáconos? Provavelmente não.
Ao mesmo tempo que mudou o direito canônico relativo aos leitores e acólitos com um simples motu proprio e fez o mesmo ao criar o novo ministério de catequista instalado, ele também recentemente promulgou um novo Livro VI do Código de Direito Canônico.
O novo livro repete a linguagem apresentada pela primeira vez em 2007 pelo cardeal William Levada, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Repetido pelo papa Bento XVI em 2010, impõe a excomunhão latae sententiae a quem “tenta conferir uma ordem sagrada a uma mulher”, bem como à mulher ordenada (cân. 1379 §3).
Embora o papa pudesse mudar esse cânone – na verdade, o bispo que apresentou o novo livro à imprensa disse isso – não é provável que haja muito movimento antes da assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade, que foi adiada até outubro de 2023.
O que nos traz de volta às mulheres e ao trabalho. Que diferença faz se uma mulher for instalada como leitora, acólita ou catequista, ou nomeada como coordenadora paroquial? Que diferença há, de fato, se uma mulher é ordenada diácona?
Nos Estados Unidos, a Igreja depende principalmente de mulheres “funcionárias” – em cargos pastorais, de serviço e de apoio – em sua missão de proclamar e viver o Evangelho.
No entanto, as funcionárias são exploradas. Elas são consideradas voluntárias, não importa sua formação profissional para o ministério ou serviço de pastoral. Onde elas encontram emprego na Igreja, geralmente é em tempo parcial e sem benefícios, é o serviço ou trabalho de apoio que apoia o clericalismo.
Os desafios éticos para as maneiras como o “trabalho da Igreja” é organizado são reais e expostos quando a exploração institucional de tais trabalhadores – especialmente mulheres – é examinada.
Uma resposta, alguns podem dizer uma resposta impulsionada pelo Evangelho, faz com que tanto religiosos quanto leigos seculares trabalhem fora ou pelo menos em torno das estruturas tradicionais para fornecer ministério.
Esses profissionais treinados atuam como diretores espirituais, remunerados por centros de retiro e diretamente por seus dirigentes.
Eles conseguem emprego como capelães em prisões, hospitais e outras instituições seculares.
Mais indiretamente, eles trabalham em organizações comunitárias e grupos de advocacy, ou escrevem, falam e ensinam fora de qualquer estrutura afiliada e relacionada à Igreja.
O fato de levarem o Evangelho ao povo é motivo de aplausos. É triste que isso seja tão difícil de fazer dentro das estruturas da Igreja.
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Papa Francisco e o trabalho das mulheres (da Igreja). Artigo de Phyllis Zagano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU