24 Junho 2021
"Uma desfeita contra o Papa". Perplexo, o padre Alberto Maggi, sacerdote e biblista, frade da Ordem dos Servos de Maria que fundou o Centro de Estudos Bíblicos "Vannucci" em Montefano, comenta a nota da Secretaria de Estado do Vaticano segundo a qual o projeto de lei Zan violaria "o acordo de revisão da Concordata". O padre Maggi, que já há quarenta anos distribuía a comunhão aos homossexuais católicos, consciente dos seus sofrimentos pela exclusão da Igreja, diz que está atônito: “Tudo parece tão surreal. Não sei se foi uma iniciativa de cima ou se foi uma manobra. É certamente surpreendente, mas não era necessária”.
A entrevista com Alberto Maggi é de Simone Alliva, publicada por L'Espresso, 22-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O senhor disse "uma manobra". Talvez para atingir a suposta abertura do Papa Francisco às questões LGBT?
Parece-me claro que colocaram um empecilho diante do Papa Francisco e este não vem de fora, mas de dentro da Igreja. Aqueles que não toleram essa abertura. Mas sempre foi assim. As Cúrias sempre foram a bola e a corrente dos papas. Não abertamente, porém, a tentativa foi de atrasar o ritmo ou abafar. Afinal, os papas passam, mas a Cúria resiste. Pode ser que seja uma desfeita contra o Papa, pode ser. Mas, olhando para a história, isso não é novidade: a Igreja sempre se opôs ao progresso. No entanto, no final, tem que ceder. Imagine que houve um Papa que também era contrário ao uso da bicicleta e excomungava os padres que a usavam. O Papa Giuseppe Sarto. Mas você percebe? A bicicleta era uma novidade escandalosa.
O senhor acredita que os fiéis estão à frente desta Igreja na questão dos direitos civis?
Acho que não. O cardeal Carlo Maria Martini disse que a Igreja estava duzentos anos atrasada. Mas Martini foi generoso. A Igreja está muito mais atrasada. Como padres, temos uma garantia: o Espírito do Senhor que abre os nossos olhos às novas necessidades da sociedade. A sociedade não é estática, mas muda. O risco é quando nos deparamos com novas situações, como essa, e ficamos amedrontados ou nos sentimos incapazes e, portanto, damos velhas respostas. Sabe, quando damos velhas respostas o as pessoas não nos escutam e isso está certo, continuam em frente. A garantia da Igreja é poder dar novas respostas e ver o bem do homem como valor absoluto.
Ouvindo o senhor, eu diria que é a favor do projeto de lei Zan. Poucos na Igreja dizem isso abertamente.
O cardeal Bassetti falou de melhorias. A abertura existe. Mas certamente nenhuma lei é perfeita. Sempre haverá pontos que precisam ser melhorados. Mas, justamente, o cardeal Bassetti não a rejeitou. Demos um suspiro de alívio. Mas então a Igreja dá um passo para frente e dois para trás, mas a sociedade sempre vai em frente. Essa de hoje e muitas outras são pedras de tropeço da Igreja. Pense bem, hoje, falando em legislação eclesiástica, se você se divorciar, não pode ter acesso à comunhão. Se mata sua esposa, basta confessar. É possível que o pecado do divórcio seja mais grave do que o do homicídio? Hoje é assim para a Igreja. Destruir um amor, que pensamento inaceitável. O bom senso das pessoas tem o mesmo valor que o Espírito Santo. A igreja deve aprender a ouvir.
O senhor disse: casas, animais, objetos são abençoados, mas duas pessoas que se amam não.
Sim, é inacreditável. O pecado é o mal que você faz aos outros. O que há de errado com as pessoas que se amam? É uma novidade? Não, nos séculos passados essas pessoas simplesmente ficavam escondidas. Hoje falam da degeneração dos tempos, mas não é verdade. Sempre existiram, só que antes eram deixados à margem, se escondiam na escuridão, enquanto hoje, felizmente, vivem sob a luz do sol. Para ver o mal em duas pessoas que se amam, quanta perversão você tem que ter em sua cabeça?
O projeto de lei Zan também diz respeito ao futuro. Estudantes, jovens LGBT. O senhor se tornou um ponto de referência para muitos jovens católicos LGBT.
Eu não sou um especialista em moral. Minha pequena competência são os evangelhos. Grupos homossexuais perceberam um tom diferente em minha mensagem e me envolveram. Certa vez participei de um programa de televisão (Uno Mattina, ndr) para falar sobre homossexualidade e Evangelho. Você sabe, desde aquela vez não me convidaram mais. Enfim, três dias depois recebi uma carta de um jovem de Lugano. Naquela manhã, esse jovem de 30 anos tinha tentado o suicídio depois de uma noite de choro. Ele decidiu subir até o telhado, e para não ser ouvido ligou a TV no volume mais alto. Estava sintonizada na Rai1. Ele me escreveu: ‘Ouvi suas palavras e desatei a chorar. Padre Maggi, aconteça o que acontecer, saiba que você salvou uma vida, a minha’. Pense em quantas pessoas sofreram, tiram suas vidas, se mortificam, para quê? Por que razão?
Salvar vidas e defender os mais frágeis deveria ser a missão central da Igreja.
As boas novas são para todos. O pecado nos Evangelhos é o mal que é feito aos outros. Jesus nos advertiu: cuidado, porque vocês colocam pesos nos ombros das pessoas e não conseguem levantá-las nem com o dedo. Hoje para os homossexuais a única solução é viver castos. Sou frade há 50 anos e escolhi o celibato e sei como é difícil. Mas não posso impô-lo aos outros, não posso dizer ‘você tem que ser celibatário, não pode ter família’, com isso coloco pesos nos ombros dessas pessoas. De qualquer forma, vamos em frente serenos. Essas manifestações são coisas que nem deveriam ser consideradas, a humanidade vai em frente. É por isso que o Papa costuma dizer: orem por mim. Oremos pelo Papa e o apoiemos.
No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.
A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O ataque do Vaticano ao projeto de lei Zan parece uma desfeita da Cúria contra o Papa. Mas não era necessária”. Entrevista com Alberto Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU