16 Junho 2021
Não sairemos com sucesso da luta contra a jaula da linguagem apenas repetindo velhas fórmulas, nem apenas injuriando rudemente as novas formulações em curso. Essa foi a tentação de todos os piores adversários do Concílio Vaticano II: reduzi-lo a palavras vazias ou enchê-lo de insultos. Mas foi em vão. Existem processos irreversíveis.
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 15-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Conhecemos bem e apreciamos muitas das palavras que o cardeal Kasper disse e escreveu durante a sua longa carreira como teólogo e ministro da Igreja. Mas ler o que ele declarou em uma longa entrevista – relatada por este artigo no sítio Cath.ch [em francês] – causa uma certa surpresa.
Embora tenha especificado que ainda não pode ser proferido um juízo definitivo sobre o Caminho Sinodal alemão, estando ele ainda em uma fase preparatória e não tendo sido tomada nenhuma decisão por parte dos bispos, o cardeal se deixa levar por algumas afirmações de uma singular dureza, que merecem ser examinadas brevemente, para identificar os argumentos que são utilizados nelas.
Tira-se o pó do mais clássico dos argumentos do antimodernismo: “Por que o Caminho Sinodal (...) não examinou as questões críticas à luz do Evangelho?”. Por mais importantes que sejam as noções das ciências humanas, “a norma é apenas Jesus Cristo, ninguém pode colocar outro fundamento”.
Pelo que eu li sobre o Caminho Sinodal, parece-me que nunca faltou a referência à “norma Jesus Cristo”. Que um argumento tão rude possa vir de um homem tão culto e tão prudente parece quase inacreditável. Se se opõe a um Sínodo, de natureza nacional, aliás, as objeções de “não seguir o Evangelho” e de não ter “Cristo como norma”, levanta-se uma questão tão visceral e pesada que desacredita todo o fenômeno, sem nenhuma possibilidade de recurso.
De fato, cai-se na lógica de uma acusação “de cisma/heresia”, baseada, porém, em um grave preconceito.
A pergunta certa a se fazer deveria ser: “Que mediação institucional” deve ser posta pela Igreja para que Jesus Cristo permaneça como a norma? Como é possível que o cardeal Kasper tenha esquecido que o “mundo”, com o seu saber e as suas formas de vida, não é apenas “perdição” para o Espírito, mas também “lugar do Espírito”? E que aquilo que poderia ser visto como “concessão ao mundo” também pode ser valorizado como um “sinal dos tempos”? Não aprendemos precisamente com o cardeal Kasper a valorizar aquilo que agora ele contrapõe rigidamente a Cristo? Por que é que deveríamos segui-lo ao ceder à linguagem do antimodernismo em uma passagem tão delicada? Por que deveríamos nos esquecer, precisamente agora, do Concílio Vaticano II e do seu estilo? Por que deveríamos falar repentinamente como a Humani generis em vez da Gaudium et spes?
A correlação entre a Alemanha e o mundo parece se basear em dois argumentos não apenas frágeis, mas até insultuosos.
O primeiro se fundamenta na consciência da justa diferença entre Igreja universal e Igreja alemã. Isso vale não só para a Alemanha, mas também para todas as Igrejas, para a Amazônia assim como para o Congo.
Mas seria curioso se disséssemos, por exemplo para a Amazônia: quem poderia pensar que é um problema da humanidade que existam comunidades nas quais a autoridade é exercida por mulheres? Ou que há povos para os quais a “terra” é formada por um “rio”? Ou que haja povos que, para dar graças, dançam principalmente? Ou que haja povos em que o casamento é sempre precedido de uma longa convivência entre os futuros cônjuges?
Nenhum problema é absolutamente decisivo sempre e em todo o lugar. Mas todos têm a sua dignidade. Até mesmo o celibato dos padres e o ministério feminino são temas com a sua dignidade própria e uma força que nenhum cardeal pode se dar ao luxo de ridicularizar.
Mas isso não basta. O segundo argumento utilizado pelo cardeal permanece no nível da particularidade do povo e se detém brevemente no “Germanentum”, ou seja, a tendência dos “germânicos” de se considerarem “os melhores”. E ele até ousa comparar esse aspecto do Caminho Sinodal a uma espécie de “herança nazista”.
Aqui, ele beira o deboche. E é constrangedor ouvir essas palavras sobre os alemães precisamente de um cardeal alemão.
Também no nível ecumênico, que foi por tanto tempo um campo de trabalho fecundo para o cardeal Kasper, o julgamento sobre a “intercomunhão”, que já suscitou contrastes entre a Igreja alemã e Roma, é ao mesmo tempo um pouco nostálgico e duramente negativo em razão de uma “perda de identidade”. Tanto os católicos quanto os protestantes “não são mais quem foram”.
Mas talvez seja precisamente a história que levou a essa mudança de identidade, que não é apenas negativa. Vivendo juntos, católicos e protestantes mudam: por que se escandalizar? Por que não correspondem mais às definições do Denzinger?
Aqui também as concessões “pessoais” à comunhão ecumênica – que o cardeal não nega privadamente – contrastam com uma espécie de “surdez institucional”. Todo passo formal é suspeito de não respeitar a tradição e de introduzir uma nova ruptura. Levar em consideração as formas efetivas de comunhão, que devem ser reconhecidas, parece impossível, porque a abordagem das questões permanece substancialmente doutrinal.
A “mudança de ritmo” que muitos observadores consideraram inevitável depois de 1999 (com o acordo sobre a Doutrina da Justificação) parece para Kasper apenas uma quimera repleta de tentações.
O difícil aprendizado de um “estilo sinodal” põe à prova sobretudo a linguagem. E faz isso com todos. Todos são postos à prova. É fácil cair em oposições viscerais. É fácil pensar que se pode reformular tudo ou que nada pode ser tocado.
Acima de tudo, a confusão, da qual todos somos vítimas, diz respeito à diferença entre “substância” e “revestimento”. O que pode ser mudado e o que, ao invés disso, é “irreformável”? O que é vital para a Igreja e o que é lastro a ser aliviado?
Tudo isso passa, principalmente, por um debate no plano da linguagem. E é fácil se deixar arrastar por forças antitéticas. Uma delas, sem dúvida alguma, é a implementação de uma “desqualificação do próprio Sínodo”. Se o defeito é “de nascimento”, o que poderá salvar a Alemanha do seu próprio Sínodo? Esse me parece ser um grave erro de julgamento, embora compartilhado, como diz Kasper, “pelos meus amigos de Santo Egídio”.
A diferença entre “estar fora da história” para que se abordem as questões e “fazer o que o chefe sempre manda” para garantir a patente de “ter os pés na história” continua sendo uma questão em aberto.
Se, além disso, a desqualificação e o descrédito se tornam acusação, mais ou menos direta, de “cisma e/ou heresia”, de “violência” ou de “perda de identidade”, é evidente que o aprendizado ainda será longo, para todos.
Mas não sairemos com sucesso da luta contra a jaula da linguagem apenas repetindo velhas fórmulas, nem apenas injuriando rudemente as novas formulações em curso.
Essa foi a tentação de todos os piores adversários do Concílio Vaticano II: reduzi-lo a palavras vazias ou enchê-lo de insultos. Mas foi em vão. Existem processos irreversíveis.
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O cardeal Kasper e a degeneração da linguagem sobre o Sínodo. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU