05 Mai 2021
A Colômbia atravessa um momento muito difícil – como muitos outros países – devido à pandemia de covid-19 e a pandemia de fome. Segundo os dados do Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (DANE) durante o ano de 2020 a pobreza do país chegou a 42,5% para um aumento de 6,8% frente aos indicadores de 2019. Em outras palavras, 3,6 milhões de pessoas entraram na linha pobreza.
A reportagem é de Consuelo Vélez, publicada por Religión Digital, 01-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
É possível entender a magnitude destes dados quando se registra que cada vez mais colombianos se alimentam apenas duas vezes por dia e muitos outros apenas uma vez; que o desemprego golpeia às maiorias e, entre elas, mais os jovens e as mulheres. A ironia, no entanto, é que o setor que mais cresceu foi o financeiro, o qual mostra como o capital se concentra nos interesses de poucos – muito apoiados pelo governo – enquanto a maioria não consegue encontrar resposta governamental para impulsionar a produção nacional e defender os interesses da nação frente aos depredadores internacionais.
Vivendo esta situação, o governo apresentou uma Reforma Tributária que sob um título muito chamativo – Lei de Solidariedade Sustentável – grava os interesses da classe média e pobre – sem tocar os interesses dos grandes capitais – e simplesmente segue a lógica do recolher recursos – de maneira técnica – porém “sem alma” como o expressou muito bem a Conferência Episcopal Colombiana, em seu comunicada do último 29 de abril. Esta reforma tributária foi o que “transbordou o copo” do descontentamento social – descontentamento que se vivia majoritariamente antes de começar a pandemia, mas que havia sido postergado pela gravidade da situação.
Por isto, sabendo o perigo que se corria ao sair para caminhar à rua por estar vivendo a terceira onda da pandemia, o povo já não aguentava mais e se realizou uma Greve Nacional no último 28 de abril com muitíssimas pessoas – especialmente com o clamor de retirar a Reforma Tributária – e que seguiu até hoje com diversas manifestações.
Claro, ocorreram desmandos, vandalismo, excesso de força de lado a lado. Seguramente, alguns ou muitos, podem estar infiltrados para sabotar as marchas. Também deve haver sociopatas e outros oportunistas que queriam tirar vantagem – saquear mercados, por exemplo. E lamentavelmente isso é o que destacam os titulares da imprensa e o que repetem incessantemente os noticiários de televisão. Praticamente se invisibilizam os grandes núcleos de marchas pacíficas nas quais com os cartazes e gritos se exigem as mudanças requeridas – vozes que o governo se nega a escutar.
Por isso, ainda que toda violência seja reprovável, também é violência a não escuta, a obstinação, a cegueira, a incapacidade de atender as demandas do povo que, em estados democráticos, são os que tem direito a falar, pedir, exigir que os representantes eleitos respondam a suas demandas e não vivam de costas aos que confiaram neles.
Retomando o comunicado da Conferência Episcopal Colombiana, no qual se pede “propiciar mecanismos socioeconômicos humanizantes para toda a sociedade”. Afirmam, retornando ao Papa Francisco a necessidade de buscar um “pacto” para “mudar a economia atual e dar uma alma à economia do amanhã”. De fato, a economia atual produziu “o desemprego e o subemprego, a falta de recursos básicos para a subsistência, as limitações dos serviços de saúde, a pobreza cada vez mais generalizada, a desigualdade social e a marginalização de tantos colombianos”.
Continuam os bispos: “É necessário pensar nos trabalhadores, nos camponeses, nos indígenas e afrocolombianos, nos jovens, nas famílias, nos estudantes e professores, nos que sofrem as consequências da violência que recrudesceu em quase todo o território nacional” (assim descrevem a realidade os bispos em seu comunicado).
A proposta de Reforma Tributária segue a mesma lógica capitalista que condena os países latino-americanos ao aumento da desigualdade social. Mas ainda é invocado que mais um sacrifício trará a solução. Agora, o povo colombiano não aceita mais essa lógica vigente e exige que a referida reforma seja retirada e que todas as reivindicações que não foram ouvidas sejam ouvidas.
Já são quatro dias de protestos e o governo ainda não reage positivamente. Se insiste em manter sua proposta sob o escudo de não permitir o vandalismo da população. Parece que não se vê a quantidade de pessoas marchando e exigindo o óbvio. É importante destacar que os jovens têm sido os protagonistas da linha de frente desses dias de marcha. Está crescendo a consciência dos jovens sobre sua responsabilidade cívica e o papel que desempenham na construção de uma Colômbia diferente.
Princípios como economia solidária, investimento social, ética na economia, austeridade nos gastos públicos e bem comum, são propostos pelos bispos para pensar outra economia possível que não agrave ainda mais as condições dos menos favorecidos. Essa afirmação teve algum eco na mídia, mas seria melhor se tivesse mais.
É importante que a Igreja fale nestes momentos de crise porque, se não o fizer, não se mantém numa posição neutra, mas sim numa posição de defesa do status quo ou de indiferença ao que se passa. Pena que antes de iniciar a greve no dia 28, os bispos divulgaram outro comunicado desestimulando as marchas, pois consideraram necessário “colocar o direito fundamental à vida e o dever de proteger a saúde de todos”.
Claro, lembrar esse direito primário e fundamental é muito importante e valioso, mas eu tinha duas dúvidas: primeiro, no esforço de abrir os templos, parece que esse direito não foi lembrado em todos os momentos e, segundo, os jovens a cada dia em que estão mais longe da igreja e quando os vejo marchar nesta Greve Nacional, me pergunto se, como Igreja, não é necessário estar exatamente onde estão arriscando suas vidas.
Talvez aquela verdadeira proximidade com os sentimentos das pessoas e dos jovens dê um testemunho melhor daquela “Igreja em saída”, “com cheiro de ovelha” que, na verdade, não tem medo de sofrer um acidente é se faz junto aos mais pobres, como disse o Papa Francisco. Esperançosamente, esta situação compromete-nos a todos na construção da justiça e da “vida abundante” (Jo 10, 10) para todos nesta Colômbia tão rica em valores, mas tão pobre em estruturas que permitam colocá-los em prática.
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Colômbia. Greve nacional e protestos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU