09 Julho 2013
Francisco disse que é melhor ir às margens e cometer erros do que se tornar autoabsorvido. Francisco, o primeiro pontífice jesuíta, quer que os líderes da Igreja tenham o cheiro das suas ovelhas.
Publicamos aqui o editorial do jornal National Catholic Reporter, 02-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um dos temas mais marcantes deste ainda jovem papado é o repetido chamado do Papa Francisco para que a Igreja vá ao encontro das pessoas "na periferia" e "nas margens", especialmente os pobres. Ele compara essa Igreja evangélica a uma Igreja que é "autorreferencial", que se torna, em sua palavra, "doente". Francisco chegou a dizer que é melhor ir às margens e cometer erros do que se tornar autoabsorvido.
Francisco estava falando em termos gerais, mas se ele estivesse inclinado a selecionar um exemplo específico do que ele quis dizer, ele não poderia fazer nada melhor do que considerar a situação da Campanha Católica para o Desenvolvimento Humano nos Estados Unidos e os seus críticos. Os bispos dos Estados Unidos iniciaram a campanha em 1969, e ela continua servindo como o principal programa nacional da Igreja contra a pobreza. Desde a sua criação, ela deu uma forte ênfase ao empoderamento dos pobres através da organização comunitária – não apenas ajudá-los, mas ajudá-los a se organizar para que eles possam ajudar a si mesmos. A campanha é financiada por uma coleta anual feita em quase todas as paróquias.
Os críticos, liderados pela American Life League e por uma coalizão por ela fundada chamada Reform CCHD Now, acusaram a campanha de comprometer os ensinamentos da Igreja ao se unir em coalizões com grupos não católicos, alguns dos quais não apoiam o ensino católico sobre questões como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Alguns bispos usaram os argumentos espúrios da coalizão para justificar a sua retirada da campanha. A coalizão intimidou outros bispos a restringir os requisitos para a participação na campanha.
Na última edição, o jornal NCR escreveu sobre um recente relatório do grupo Faith in Public Life, acusando os críticos da campanha de táticas macartistas e catalogando as formas indecentes pelas quais têm tentado minar o programa contra a pobreza.
Ironicamente, e provando a tese do relatório, a Cardinal Newman Society, outro órgão autonomeado de controle da ortodoxia católica, desafiou o relatório do Faith in Public Life, não confrontando as suas provas ou argumentos, mas lançando acusações de culpa por associação. "O Faith in Public Life há muito tempo tem se aliado a grupos católicos ou de outras religiões que se opõem à Igreja com relação a questões-chave de política pública", declarou a Cardinal Newman Society em seu site.
A sociedade observou que um dos membros da diretoria do Faith in Public Life trabalha em um sindicato, e que um dos apoiadores listados no relatório, Stephen Schneck, professor de ciência política da Universidade Católica dos Estados Unidos, era membro dos Católicos por Obama – como se essas associações de alguma forma contaminassem a organização. Se isso não bastasse, a sociedade observou que jesuítas e acadêmicos de instituições jesuítas assinaram o relatório, o que, aparentemente, aos olhos da Cardinal Newman Society, é o beijo da morte ou ao menos um beijo de heresia.
Em certo sentido, é difícil decifrar por que a Catholic Campaign for Human Development gerou tanta polêmica. Para alguns, sem dúvida, é suficiente estar envolvido na organização comunitária, que se tornou um para-raios durante a bem sucedida campanha presidencial de 2008 pelo ex-organizador comunitário Barack Obama. O Tea Party logo se voltou para o ACORN, outro órgão de organização comunitária, e conseguiu fechá-lo com êxito. A simples menção do nome de Saul Alinsky, o pai intelectual da organização comunitária contemporânea, faz com que alguns setores da classe conservadora erudita espumem de raiva.
Em outro sentido, é fácil entender por que a campanha tocou um nervo tão poderoso. Quando você realmente entra na vida das pessoas que vivem nas margens, você raramente encontra situações morais imaculadas. E na sociedade pluralista norte-americana, todos os tipos de pessoas encontram-se reunidos para trabalhar em uma causa particular, mesmo quando eles diferem acentuadamente em outros assuntos não relacionados. Em suma, parafraseando Francisco, se você trabalha com ovelhas, você começa a ter o cheiro de ovelha.
Mas aqui está a diferença. Francisco, o primeiro pontífice jesuíta, quer que os líderes da Igreja tenham o cheiro das suas ovelhas. Os críticos da Catholic Campaign for Human Development parecem querer uma Igreja menor, mais pura, higienizada e inodora. Eles adotaram não a teologia, mas sim a disposição espiritual do grande inimigo dos jesuítas nos séculos XVII e XVIII, os jansenistas. Eles também queriam uma Igreja menor, mais pura. Eles também viam o pecado em todos os lugares e queriam se retirar em um mundo imaculado, totalmente sob o seu próprio controle, transformando a Igreja em uma seita.
Não devia ser naquela época e não deve ser agora. Francisco está certo, e nós elogiamos os bispos dos Estados Unidos por se pronunciarem a favor da campanha. Ajudar os pobres é tão essencial para a vida da Igreja quanto o seu culto. Como diz Dom Jaime Soto, presidente da subcomissão que fiscaliza a campanha, o programa contra a pobreza é "fazer com que a Encarnação aconteça novamente".
Se essa não é uma tarefa condizente com a Igreja de Jesus Cristo, então nós não sabemos qual é.
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''Os líderes da Igreja devem trabalhar e ter cheiro de ovelhas'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU