27 Mai 2020
Já se cumpriram dois meses desde que Iván Duque decretou a quarentena, durante os quais o presidente, enfim, conseguiu governar sem medo de incomodar o seu partido Centro Democrático, liderado pelo padrinho político Álvaro Uribe. Paradoxalmente, durante o mesmo período a agenda não-covid ficou cada vez mais ligada aos temas centrais do uribismo tradicional.
A reportagem é de Juanita León, publicada por La Silla Vacía, 26-05-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Com essa pandemia, Iván Duque pode ser o que é”, disse o analista político Diego Corrales, uma percepção compartilhada por vários dos entrevistados.
Como analisou La Silla Vacía, em março, o coronavírus criou um espaço favorável para que Duque governe, pois é um dos poucos temas que não está polarizado na Colômbia; que não tem a ver com a agenda do Centro Democrático, e nem com o passado dos governos de Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos; e que representa um inimigo potente que todo país pode se unir contra.
Apesar de que ainda não tenha cumprido nem a metade do que anunciou, a pandemia mostrou um governo técnico, não personalista, que crê na informação científica, e que toma decisões de acordo com isso e em geral responsáveis, sobretudo quando se compara com presidentes como Trump, Bolsonaro ou López Obrador.
Ademais, Duque conseguiu uma bandeira que é central para as preocupações dos cidadãos e um norte claro para todos.
“Em termos de liderança, Duque conseguiu instalar o relato de onde estamos e para onde vamos”, disse o analista Héctor Riveros. “Posicionar o relato de que desta sairemos juntos porque somos uns javalis, é uma conquista muito importante nesse momento”.
Esse relato otimista, reiterado nas transmissões diárias do presidente, permeou muitos colombianos, segundo a última pesquisa Gallup, apesar dos difíceis momentos que vivem muitos hoje e da crise econômica que se aproxima.
O balanço de resultados concretos do Presidente frente ao manejo da pandemia é menos favorável.
Como demonstrou uma pesquisa de La Silla Vacía, na semana passada, os três objetivos prioritários em saúde, para os quais o presidente decretou o confinamento da maioria dos colombianos, ainda não foram cumpridos nem pela metade, e tampouco foi possível baixar a curva de contágio.
Hoje, há três vezes mais leitos de UTI que há dois meses, porém não é metade do que o Ministro da Saúde anunciou para estarem prontas em abril; estamos fazendo a terceira parte de testes que havia proposto o governo para essa época; e ainda que o governo tenha excedido sua meta na compra de respiradores, para o final de maio terá recebido 192 dos 2.100 que necessita.
A lentidão para chegar às metas se explica, segundo o governo, pela dificuldade de encontrar reativos, comprar respiradores e adequar leitos de UTI quando todos os países estão competindo para comprar as mesmas coisas, ao mesmo tempo.
No entanto, outros países da região, como Peru, Panamá, Equador e Chile, que em princípio enfrentam os mesmos desafios para comprar reativos, por exemplo, têm o dobro de testes diários per capita.
E, no que não depende do contexto internacional, mas também é crucial para preparar o sistema de saúde, que é o dinheiro para os hospitais, o governo também está faltando. Na semana passada, o repasse era de pouco menos da metade dos 1,1 trilhão de dólares que ofereceu aos hospitais no início da quarentena.
Esses atrasos implicam que, em 1º de junho, quando deve terminar o isolamento obrigatório para todos, exceto para aqueles com mais de 70 anos de idade, o país continuará sem cumprir as três condições que Duque impôs há dois meses para uma abertura responsável.
Nos próximos 30 dias, e com as metas estabelecidas contra as projeções iniciais, o governo terá que dobrar os leitos de UTI, triplicar os testes e desembolsar a outra metade do dinheiro para os hospitais, se quiser estar pronto para enfrentar o pico de contágio, que o Ministro da Saúde identificou para 26 de junho.
Esse panorama geral esconde certas particularidades que representam desafios reais, como o de Letícia e Cartagena. E, particularmente, o das prisões, que depende inteiramente do governo.
Nas prisões, os contágios na semana passada representavam 8% do número total de pessoas infectadas no país, como mostrou esta coluna em La Silla Llena, e os números estão crescendo rapidamente, sem que o presidente tome medidas.
Isso apesar do fato de a vida dos prisioneiros e dos guardas estar sob sua custódia e da indenização por ações judiciais que a Nação certamente terá que pagar no futuro por não ter tomado o devido cuidado.
Nesta fase, surge o desafio de revitalizar a economia, para a qual as medidas do governo durante esses dois meses foram muito menos ambiciosas do que as dos países da região, e até economistas mais ortodoxos estão pressionando o presidente a tornar as medidas econômicas muito mais agressivas.
Mesmo com esses trancos e atrasos, a crise da saúde permaneceu sob controle, além de ajuda básica para os mais pobres. E, como várias pesquisas mostraram, o presidente conseguiu ganhar mais espaço entre os colombianos durante a pandemia e se livrar da ideia de ser um mero fantoche de Álvaro Uribe. Mesmo no assunto do futebol, o governo tomou uma decisão contrária ao que Uribe estava propondo.
Paradoxalmente, enquanto nos assuntos da covid-19 Duque é mais ele próprio, fora da covid, a agenda tradicional do uribismo nos últimos dois meses recuperou seu protagonismo na mídia. Como contamos, em campanha, Duque refletiu que apesar de ser o vetor do uribismo para este voltar ao poder, tinha uma agenda mais ligada ao futuro, como as energias renováveis, a digitalização de muitos setores, o empreendedorismo e a sua “economía naranja”. Todos os temas ficaram relegados frente aos temas que ocuparam a agenda durante os governos de Uribe ou que voltam a colocar o país a falar de temas parecidos aos dessa época.
O mais recente é a decisão da Corte Constitucional concedendo ao ex-ministro de Uribe Andrés Felipe Arias o direito a impugnar sua condenação para ter na segunda instância uma luz verde também a Sabas Pretelt, María del Pilar Hurtado e Jorge Noguera.
Se assim fizerem, nos próximos meses escândalos do governo de Uribe, que já haviam sido fechados com sentenças condenatórias da Corte Suprema, como nos desvios do programa de renda de segurança aos agricultores, a propina ao deputado Yidis Medina para votar pela reeleição, os disparos ilegais e mensagens falsas, ressuscitarão para serem avaliados mais uma vez.
Nos mesmos dias da decisão, o ministro da Defesa Carlos Holmes Trujillo levantou novamente em um debate de controle político no Congresso a conveniência de fazer mudanças no Acordo de Paz com as Farc, revivendo uma questão central para o uribismo que após o desastre das objeções ao Juizado Especial de Paz já parecia ter sido superada.
Também durante esses dois meses, o governo apresentou o esboço de um decreto de submissão individual à justiça, com o qual abre a porta para que membros das guerrilhas, do ELN e dissidentes das Farc, se desmobilizem em troca de benefícios individuais.
Um esquema semelhante foi muito bem-sucedido durante o governo de Uribe para dizimar os guerrilheiros, mas ignora os direitos que as vítimas conquistaram nos últimos anos de verdade, justiça e reparação (embora muitos deles continuem a esperar pelo que foi assinado no Acordo de Havana).
Finalmente, há a situação cada vez mais tensa com a Venezuela devido à incursão contra Maduro, que foi planejada a partir do território colombiano por asilados venezuelanos e com o conhecimento da Direção Nacional de Inteligência; e o retorno da questão dos disparos ilegais contra opositores políticos, jornalistas nacionais e estrangeiros e outros soldados que denunciaram a corrupção nas Forças Militares. Ambos os escândalos ocorreram durante o governo de Duque e, embora não venham do governo de Uribe e reflitam que Duque sabia ou não controla as agências de inteligência, nem o Exército, os fatos e a resposta do governo parecem um déjà vu.
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Colômbia. Duque ganha um norte com a covid-19, enquanto o uribismo domina o resto da agenda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU