02 Abril 2021
Os protestantes sustentam um argumento exatamente oposto ao da Amoris laetitia: entre as uniões homoafetivas, as uniões hetero diferentes do matrimônio e o próprio matrimônio, subsistem significativos elementos de analogia.
A opinião é de Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado na revista Confronti, de abril de 2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nada de novo no Vaticano. Não é lícito abençoar formas de união diferentes do matrimônio.
De fato, segundo a doutrina romana, a bênção é um “sacramental”, isto é, um rito que só pode dizer respeito a situações intrinsecamente “boas”. Como as uniões fora do matrimônio não o são, elas não podem ser “coonestadas” (sic), isto é, legitimadas, por meio de um rito. Isso vale para as uniões homossexuais, mas também para as heterossexuais entre pessoas não casadas.
O Responsum da Congregação para a Doutrina da Fé de 22 de fevereiro, tornado público em meados de março, especifica que tal decisão não é uma “injusta discriminação”; que as bênçãos para as pessoas (também homossexuais, mas que se comportam segundo as indicações da Igreja Católica) continuam possíveis, que, mesmo assim, Deus abençoa os seus filhos.
Em suma, não há nenhuma economia de bênçãos, nem no céu nem na terra, mas não para os casais não casados.
O próprio pontífice havia declarado anteriormente, como a Congregação lembra agora, que não subsistem analogias, “nem sequer remotas”, entre as uniões homossexuais e o matrimônio (assim afirma a Amoris laetitia, n. 251); para as uniões heterossexuais, parece ser possível dizer, existem algumas analogias, pelo menos “remotas”, mas, justamente, isso não basta.
Enquanto eu escrevo, ainda não tenho uma resenha das repercussões, mas não é difícil imaginá-las. Na Igreja Católica, a “direita” ficará aliviada: menos mal que pelo menos alguns pontinhos nos “is” ainda são colocados.
O “centro” explicará que se trata de um gesto de misericórdia, que evita perigosas confusões, sem marginalizar ninguém.
A “centro-esquerda” dirá que, embora à primeira vista não pareça, na realidade se trata de um importante primeiro passo, já que o problema é levantado; tal promissor desenvolvimento é possibilitado, naturalmente, pela primavera do Espírito inaugurada pelo Papa Francisco. Geralmente, não se esclarece qual foi o inverno anterior e quem foi o responsável por ele: quem pede informações a respeito, recebe como resposta, na maioria das vezes, um sorrisinho que gostaria de ser cúmplice e indicar que “nós nos entendemos”.
Por fim, a “extrema esquerda”, que invoca uma decisiva mudança de rumo (uma “reforma”), para uma Igreja menos monárquica, sinodal, que ordene mulheres e homens ao ministério, e que se relacione com os desafios éticos do tempo com base em critérios diferentes. Se você disser que isso já existe e se chama Protestantismo, a extrema esquerda católica fica com raiva.
Sim, o Protestantismo. Com efeito, no ponto tocado pela Congregação, as Igrejas protestantes “clássicas”, em particular as do Norte do planeta, estão completamente isoladas.
O mundo ortodoxo, de fato, é ainda mais radical do que Roma e, em alguns casos, defende até a repressão policialesca das pessoas homossexuais (por amor, é claro, como um fraterno convite à conversão); o mundo pentecostal e, mais em geral, evangélico tende a pensar da mesma forma.
Todos juntos se lembram em voz alta que a Igreja do passado, incluindo eminentemente a protestante, também é unânime sobre o assunto. Tentem ser gay friendly na Genebra de Calvino! São os protestantes de hoje que se venderam ao “Espírito do tempo”.
Eles sustentam um argumento exatamente oposto ao da Amoris laetitia: entre as uniões homoafetivas, as uniões hetero diferentes do matrimônio e o próprio matrimônio, subsistem significativos elementos de analogia. A Igreja do passado não os viu, assim como não viu, por exemplo, a natureza problemática moral da escravidão.
Naturalmente, não se trata de abrir um processo contra as gerações passadas, mas sim de nos interrogarmos sobre como anunciar hoje a mensagem libertadora do Evangelho.
A grande maioria das Igrejas cristãs considera que a reproposição de um esquema consolidado presta um bom serviço nessa direção e que os frutos envenenados da discriminação são acidentes de percurso que não abalam o princípio: o exercício da sexualidade genital é moralmente construtivo somente dentro do matrimônio.
As Igrejas protestantes clássicas desenvolvem um discurso diferente.
Lutero, Calvino, Bonhoeffer não o desenvolveram: mas foram também a reflexão e o testemunho deles que o tornou possível hoje.
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Nada de novo no Vaticano. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU