03 Março 2021
"A Igreja ocidental vivenciou várias tentativas de "renovação evangélica": uma delas, a Reforma Protestante, gerou uma forma eclesial que, se por um lado se reporta às origens bíblicas e patrísticas, por outro é portadora de consideráveis elementos de novidade. No século XVI, eles não entendiam a ordenação de homens e mulheres ao ministério da Palavra, mas delineavam um tipo eclesiástico que, no século passado, permitia, junto a outros processos de renovação, também aquele relativo ao ministério ordenado", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense de Roma, em artigo publicado na revista Confronti, de março de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na edição de fevereiro de Confronti, Luigi Sandri relata a polêmica relacionada ao motu proprio papal em que o acesso aos ministérios do leitorado e acolitado na Igreja Romana é aberto às mulheres: o texto, como sintetiza o autor, foi interpretado por alguns/mas como a confirmação do niet à ordenação das mulheres, enquanto outros/as vislumbraram nele uma abertura. Se fosse este o caso, aponta o autor do artigo, um "árduo processo de ‘arrependimento evangélico’ seria imposto à Igreja Romana": isto é, uma reforma.
Eu sei: o que vou dizer não é ecumenicamente correto e em certo sentido pode incomodar alguns setores católicos com os quais compartilho, quase diariamente, a não simples tentativa de viver fragmentos do discipulado neste tempo; por outro lado, acredito que a eterna discussão sobre a renovação ou não do catolicismo após o Vaticano II legitima uma opinião protestante.
O "silêncio cúmplice ecumênico", a longo prazo, não ajuda.
A Igreja ocidental vivenciou várias tentativas de "renovação evangélica": uma delas, a Reforma Protestante, gerou uma forma eclesial que, se por um lado se reporta às origens bíblicas e patrísticas, por outro é portadora de consideráveis elementos de novidade. No século XVI, eles não entendiam a ordenação de homens e mulheres ao ministério da Palavra, mas delineavam um tipo eclesiástico que, no século passado, permitia, junto a outros processos de renovação, também aquele relativo ao ministério ordenado.
O Catolicismo moderno rejeita esse modelo de reforma. Não tenho nenhuma dificuldade em reconhecer que implementou outros e que, na segunda metade do século XX, o Vaticano II propôs um projeto certamente contraditório (como todo outro, obviamente inclusive aqueles protestantes), mas significativo de "atualização". No entanto, continua a considerar a forma eclesial protestante como aberrante: faz isso em termos diferentes dos anteriores, mas que seria banal considerar, por isso, menos abrangentes, coerentes e radicais. Os vários papas que se sucederam se alinham, muito naturalmente, com esse processo, com ênfases marcadamente diferentes, mas sem incertezas. Os papas são católicos e, ao que me parece, têm todo o direito de ser, com as consequências lógicas.
Francisco acredita, como seus predecessores (e também o disse recentemente), que a ordenação de mulheres exprime uma lógica eclesial diferente da sua e que ele condena.
Não concordo, mas entendo. Na sua recusa, motivada teologicamente, Roma não está só: pelo contrário, assinala constantemente que são as igrejas protestantes que estão isoladas, num ecúmeno cristão que, no tempo e no espaço, partilha a posição católica. De fato, as igrejas da Reforma que ordenam homens e mulheres acreditam que passaram por aquele processo de conversão que Sandri invoca e que Roma, coerentemente com sua identidade, rejeita.
Em todo o artigo de Luigi Sandri, as Igrejas da Reforma nem mesmo são mencionadas. Em minha modesta opinião, é sobretudo esta remoção que sugere uma reflexão crítica: a negação romana da plena eclesialidade das Igrejas filhas da Reforma não é fruto de um equívoco, mas de uma avaliação de fé. Esta excomunhão permanente (aliás é disso que se trata, como evidencia a discussão sobre a chamada “hospitalidade eucarística”) tem, no mínimo, o mérito da clareza, como a resposta protestante, e exige uma tomada de posição.
Uma eclesiologia radicalmente sinodal, um modelo não monárquico de exercício da autoridade, uma forma diferente de entender a ministerialidade eclesial (e não apenas o ministério da pregação e da celebração dos sacramentos), a busca de caminhos éticos que assumem as complexidades do presente: o que Sandri invoca no artigo em questão e em muitos outros, não estão reservados para um futuro indefinido, mas são uma realidade (complexa, contraditória, muitas vezes precária, cheia de erros, enfim: realidade humana, vivida na fé) nas igrejas da Reforma. Trata-se de reconhecê-la, o que pode acontecer de formas muito distintas: o que importa é a disponibilidade para assumir a responsabilidade pelas consequências.
de Luigi Sandri
É difícil para mim aceitar as observações, ainda que simpáticas, do prof. Ferrario: ele, de fato, arromba uma porta aberta, pois concordo plenamente com o que ele afirma sobre a Reforma; mas ele escolheu a porta errada. De fato, o meu artigo não tratava da relação entre os ministérios femininos e as Igrejas, mas com uma Igreja, a romana. Na primeira hipótese, aliás, eu também deveria ter falado da Ortodoxia ou do Anglicanismo (o que fiz em outro lugar e em Confronti).
Por essa perspectiva, a minha crônica traz notícias conhecidas, imagino, do professor, mas desconhecidas para 98% dos católicos e de 99% daqueles e daquelas que se reconhecem na Reforma. Como, por exemplo, que a própria Pontifícia Comissão Bíblica tivesse afirmado que as Escrituras Cristãs não permitem, por si só, excluir a ordenação das mulheres; e que Paulo VI ignorou essa resposta inaudita para ele e, escondendo-a, em 1976 também baseou seu "não" na Bíblia. O mesmo foi feito, em 1994, pelo Papa Wojtyla e, agora, por Francisco.
Surpreende-me, então, que o professor Ferrario subestime as perspectivas que sugiro:
1) a exclusão das mulheres dos ministérios “altos” não pode ser atribuída à vontade de Cristo;
2) o conceito de "sacerdócio" sagrado e pessoal é estranho ao pensamento de Jesus e do Novo Testamento.
Os dois enunciados demolem a doutrina católica oficial; e me parecem a tradução ... em pílulas, de alguns pilares teológicos da Reforma. Não sei se no Além veem as coisas que acontecem aqui embaixo: se sim, gosto de pensar que Martinho Lutero, emocionado, tenha me aplaudido.
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Mulheres e ministérios. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU