12 Novembro 2020
"O pluralismo das formas familiares é um fato adquirido e, dentro de certos limites, também positivo. Mais complexa é a questão da atual fragilidade do casal e da família; certamente, as atuais dificuldades a esse respeito não podem ser atribuídas acima de tudo – como às vezes acontece – à má vontade dos indivíduos. As razões devem ser buscadas em primeiro lugar nos processos de mutação da sociedade ainda em curso", escreve Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, em entrevista publicada por Esodo, 23-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A família está passando hoje por uma profunda crise de identidade. Multiplicam-se os tipos de famílias diferentes da tradicional: das famílias arco-íris às recompostas. Mas, acima de tudo, como uma pesquisa do Istat revelou recentemente, aumentam a cada dia os casos de separação e de divórcio; difundem-se as convivências desprovidas de qualquer pacto formal, e crescem as situações de violência doméstica e os feminicídios. O que dizer sobre tudo isso? Que avaliação pode ser feita?
A situação descrita certamente é alarmante. Mas não se deve colocar tudo dentro do mesmo saco. Os fenômenos delineados não têm a mesma relevância e a mesma gravidade. A multiplicação dos tipos de família é diferente dos casos de separação, divórcio e uniões de fato; e ainda diferente e muito mais grave é o crescimento das situações de violência doméstica e dos feminicídios. Então, é necessário fazer um discernimento correto. A multiplicação das tipologias, de fato, não é em si mesma um fato novo: o conceito de família (ao contrário do de matrimônio, que tem uma acepção homogênea nas diversas culturas, derivante da mesma raiz etimológica, matris munus) não é nada unívoco. São muitos os modelos que historicamente se sucederam: desde a família clânica à patriarcal, até a nuclear (só para lembrar os mais importantes).
As novas formas atuais – pensemos acima de tudo nas famílias arco-íris –, embora manifestem às vezes implicações problemáticas, não devem ser demonizadas; elas também nascem da aquisição de direitos pisoteados no passado, que agora são justamente reconhecidos. Mais preocupante, em vez disso, é a situação de instabilidade das famílias (separações e divórcios), que tem reflexos sociais relevantes, principalmente pelas repercussões negativas sobre a educação dos filhos. No entanto, não se pode esquecer que eram frequentes no passado situações de convivência forçada com efeitos ainda mais deletérios. Uma consideração análoga diz respeito à violência doméstica, que certamente não é um fato novo, mas que, no passado, era frequentemente encoberta por razões de respeitabilidade. Portanto, é difícil fazer uma comparação entre ontem e hoje: em ambos os casos, surgem luzes e sombras. Certamente, a desagregação da instituição familiar atingiu hoje níveis particularmente acentuados que não podem deixar de nos fazer refletir.
Quais são, na sua opinião, as motivações dessa crise? Trata-se do relaxamento do costume moral? Ou existem motivações mais profundas, ligadas às transformações socioculturais ocorridas nas últimas décadas?
Certamente, não se pode negar que, na raiz da crise, está a presença daquilo que você chama de “relaxamento moral”, mas eu acho que é preciso reconhecer que ele é mais efeito do que causa. E que a causa principal deve ser buscada, antes, nas transformações de caráter sociocultural que têm caracterizado os hábitos e costumes da Itália desde os anos 1970. A rapidez dos processos evolutivos criou condições estruturais totalmente inéditas e deu origem ao desenvolvimento de uma cultura cujas características fundamentais são o individualismo, o experimentalismo e a dinâmica do provisório: todos fatores que convergem nessa imagem espetacular e altamente representativa da “sociedade líquida” que nos foi fornecida por Bauman. O fato de que tudo isso flui de volta sobre as vivências familiares só pode ser evidente.
A busca da realização individual, o desejo de experimentar emoções sempre novas e a percepção da provisoriedade de cada escolha (também devido ao ritmo acelerado do tempo) são todos fatores que só podem ter consequências negativas sobre a estabilidade das relações de casal e familiares. Somam-se a isso (e não são motivações de pouca importância) a dilatação da área do pertencimento social, por um lado, e, por isso, a multiplicação das possibilidades de escolha, com a inevitável dificuldade de escolher – o adiamento das escolhas cada vez mais à frente nos anos deve-se também a essa condição que gera insegurança – e com a multiplicação das ocasiões que levam a questionar novamente a escolha feita; e a a privatização do casamento e da família, por outro lado, isto é, a perda do seu significado social (e institucional), tanto por causa da referida cultura individualista, quanto por causa da pouca atenção das instituições públicas – a situação italiana a esse respeito é uma das piores da Europa – para apoiar a família por meio de intervenções adequadas.
Os processos negativos em curso, na sua opinião, são contornáveis ou se trata de fenômenos irrefreáveis?
Acho que alguns esclarecimentos são necessários. É impensável (e também objetivamente errado) levantar a hipótese de um retorno tout court ao passado, isto é, ao modelo tradicional de família fundamentado no casamento entre homem e mulher, a ser considerado como um modelo exclusivo. O pluralismo das formas familiares é um fato adquirido e, dentro de certos limites, também positivo. Mais complexa é a questão da atual fragilidade do casal e da família; certamente, as atuais dificuldades a esse respeito não podem ser atribuídas acima de tudo – como às vezes acontece – à má vontade dos indivíduos. Como recordei, as razões devem ser buscadas em primeiro lugar nos processos de mutação da sociedade ainda em curso. No entanto, isso não exclui a presença de um quociente de responsabilidade pessoal, que reside na adequação passiva das famílias às lógicas dominantes.
A possibilidade de sair desse impasse, então, está ligada a uma inversão de rota, que deve ocorrer tanto em nível institucional quanto pessoal. Em relação ao primeiro nível – o institucional – é essencial, por um lado, a renúncia ao sistema consumista da atual economia de mercado, que tem como resultado o consumo (e a consumação) de tudo, inclusive dos laços humanos mais profundos; e, por outro, a adoção de políticas familiares capazes de responder às exigências das famílias de hoje. Sobre o segundo nível – o pessoal – torna-se fundamental a mudança dos estilos de vida familiar, com a aquisição e a prática de valores como a gratuidade, a capacidade de comunicação e de diálogo, o exercício da reconciliação e do perdão, a sobriedade no uso das coisas e a recuperação da dimensão social, ou seja, a abertura ao exterior, com a disponibilidade de se encarregar dos problemas que assolam as categorias socialmente menos protegidas. A crise enfrentada pelo modelo de desenvolvimento dominante pode se tornar uma ocasião propícia para essa mudança.
Ainda faz sentido planejar convivências “de longo prazo”? Existem as condições para propor uma fidelidade por toda a vida? E quais são os limites intransponíveis?
Pessoalmente, acho que sim. Estou convencido de que o valor da fidelidade é um valor fundamental na construção das relações humanas e, sobretudo, no desenvolvimento de relações exigentes e envolventes como as ligadas às escolhas de vida. E não renuncio a acreditar, graças também ao testemunho de muitos casais, que a fidelidade por toda a vida é praticável. Mas o problema é: de que fidelidade se trata? Certamente não pode ser uma fidelidade estática, repetitiva, de quem acredita ter se instalado em uma situação de definitividade graças ao casamento, seja ele civil ou religioso, e se confia passivamente a ela, confiando no poder mágico da instituição. Em vez disso, deve ser uma fidelidade evolutiva, dinâmica, criativa, que deve ser reconquistada todos os dias, por meio de um processo de constante renovação.
No seu tempo, Tomás de Aquino, ao falar das chamadas decisões irrevogáveis – as decisões por toda a vida, justamente –, já observava que, naquele caso, a pessoa decide sobre tudo em relação a si mesma, mas não totalmente (de seipso toto, sed non totaliter). E isso porque tais decisões ocorrem em um tempo e em um espaço circunscritos, e quem as toma não é capaz, naquele momento, de prever o que poderá ocorrer em tempos e espaços posteriores e é ainda menos capaz de poder controlar isso a priori: as pessoas mudam todos os dias, e as relações também se modificam substancialmente. A fidelidade verdadeira nas relações de casal e de família consistirá, então, em escolher o outro novamente, a cada dia, de um modo novo e original, no rastro da escolha que se fez de uma vez por todas; em outras palavras, em dar constantemente um sentido novo à relação, evitando os obstáculos emergentes e assumindo as solicitações positivas para favorecer um maior aprofundamento dela.
O amor não é uma realidade que se adquire de uma vez por todas; é uma realidade que deve ser conquistada e reconstruída a cada dia. Nisso consiste também o limite intransponível. A modificação do mundo interior das pessoas e das situações, mesmo onde as escolhas foram feitas originalmente do modo mais responsável, pode provocar o desaparecimento do amor e, portanto, o absurdo de uma convivência inautêntica: é melhor a separação ou o divórcio! Esse estado de coisas também deveria ser considerado com maior atenção por parte da Igreja Católica. Algo importante ocorreu, nesse sentido, com a promulgação da Amoris laetitia, do Papa Francisco. Mas o caminho ainda é longo, e muito ainda precisa ser feito para preencher a lacuna ainda existente.
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As famílias hoje, entre luzes e sombras. Entrevista com Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU