28 Agosto 2020
Uma prosperidade que inclua todos, a centralidade dos bens comuns, a mudança nas regras dos mercados financeiros, a produção de valor social. Esses são alguns pontos concretos sugeridos pelo presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, depois da forte catequese do Papa Francisco sobre desigualdade social e degradação ambiental nesta quarta-feira (26), na Audiência Geral. A família, indica Stefano Zamagni, está especialmente no centro dessa transformação porque "é a primeira economia. Se esquecermos isso, perdemos a oportunidade de entender uma das principais forças de transformação da estrutura atual".
A entrevista é de Debora Donnini, publicada por Vatican News, 27-08-2020.
As desigualdades sociais agravadas pela pandemia e pela indiferença aos danos infligidos à Criação são um teste decisivo para esta situação. Sobre a riqueza de temas da catequese do Papa, o Vatican News entrevistou o presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, o economista Stefano Zamagni:
O Papa quer curar o atual modelo econômico da sua doença. O Papa é a favor de uma ordem de mercado que, porém, não ‘sinta’ as duas principais doenças mencionadas. Esta transformação a partir de dentro é possível hoje, operando em várias frentes que, no entanto, devem ser convergentes. Até recentemente, pensava-se que seria suficiente aumentar a riqueza, aumentar a renda nacional, porque assim tudo ficaria bem. Vimos o que aconteceu: a renda aumentou em nível global, mas, ao mesmo tempo, as desigualdades aumentaram. Portanto, aqui está o primeiro ponto: a proposta do Papa é aquela da prosperidade inclusiva, que inclui todos. A segunda é garantir a harmonia entre o equilíbrio ecológico e o equilíbrio interior. No número dez da Laudato si’, o Papa fala de ‘paz interior’...
Na sua opinião, então, como essas distorções podem ser atenuadas de alguma forma?
Basta querer, porque, do ponto de vista técnico, dá para fazer. A primeira necessidade é mudar as regras de funcionamento dos mercados financeiros. As finanças estão doentes porque se baseiam em leis erradas. Precisamos que os governos se reúnam à mesa de uma vez por todas e digam: ‘Vamos reescrever os códigos’. Por exemplo, fechar os paraísos fiscais, porque hoje são uma das principais causas do aumento das desigualdades. Em segundo lugar, devemos assegurar que as finanças sejam colocadas a serviço da economia real. Hoje, o oposto é verdadeiro. Há séculos, as finanças serviam para ajudar empresas, as famílias, todos aqueles que precisavam de ferramentas, e também sobre isso precisamos escrever: basta com a autorreferencialidade. Porque as finanças não produzem valor agregado, elas o redistribuem. Isso pode até ser tolerado, mas hoje se tornou macroevidente, como as crises de 2007-2008 e a subsequente destacaram. Em terceiro lugar, basta dizer que o objetivo da empresa não é apenas a maximização do lucro; os mesmos grandes empresários americanos na sua última declaração, datada de dez dias atrás, disseram: ‘queremos uma economia que tenha como primeiro objetivo não a maximização do lucro dos diversos acionistas, mas a produção de valor social’.
O Papa também exortou as comunidades cristãs do século 21 a fazer com que os próprios bens produzissem frutificassem também para os outros, seguindo o exemplo das primeiras comunidades cristãs. Esse também é um caminho importante a ser perseguido?
Perto dos bens privados e dos bens públicos, existem os bens comuns. O meio ambiente é um bem comum; a água é um bem comum; a vacina contra o coronavírus, por exemplo, é um bem comum, ou seja, são bens que não são nem do indivíduo nem do organismo público, do Estado, mas são da comunidade. A fim de revitalizar a lógica do bem comum, há necessidade de comunidade, ou seja, grupos de pessoas que realizem concretamente, em sua vida diária, a lógica da aplicação do bem comum. É assim que o convite do Papa deveria ser visto: ‘vocês, comunidades cristãs, trabalhem duro’. Isso deve começar com testemunhos concretos, que já estão acontecendo, de realidades de pessoas que se reúnem para aplicar a lógica do bem comum. É por isso que, por exemplo, nasceram as cooperativas comunitárias.
Para as sociedades ocidentais, apoiar a família com filhos, especialmente as mães – que trabalham ou não, em realidades onde a taxa de natalidade está caindo, e também se concentrar na formação dos jovens, são formas de sair melhor da crise?
São indispensáveis porque o Papa - não ontem, mas em outras ocasiões - insistiu apropriadamente na recuperação do papel e da função da família. Mas, em todo o mundo, ‘maus professores’ pensaram que, destruindo a família como instituição e concentrando tudo no individualismo exasperado, poderíamos melhorar a situação. Esse é o maior erro porque a família é a primeira economia. Se esquecermos isso, perdemos a oportunidade de entender uma das principais forças de transformação da estrutura atual. Quem é o primeiro médico das crianças? A família. Qual é o primeiro lugar para a educação e a formação dos jovens? A família. Colocá-lo de volta ao centro significa colocar a figura da pessoa e, em particular, da mulher de volta ao centro.
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Apesar de economia doente, transformação é possível especialmente a partir da família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU