26 Março 2021
Somente se deixarmos às palavras a sua plena riqueza é que será possível fazer uso delas para anunciar o Senhor que vem em meio aos homens e mulheres, mesmo contra as suas expectativas.
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo leigo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 25-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os pastores devem vigiar sobre as palavras: esta é antiquíssima prerrogativa deles. Mas a primeira palavra que precisa ser vigiada é precisamente o termo “vigiar”, que muitas vezes usamos em sentido redutivo e invertido.
A “vigilância” geralmente se fecha no temor de um mal imprevisto, que deve ser enfrentado com antecedência. E certamente a vida dos homens e mulheres, assim como a da Igreja, é marcada também por essa dura experiência.
Mas a referência à vigilância, no Evangelho, é, acima de tudo, um grande símbolo da espera do Senhor que vem, que irrompe, que surpreende: as virgens sábias vigiam porque o Senhor vem à noite, quando menos se espera, e vem “como um ladrão”.
Eis, então, a tarefa da “vigilância sobre as palavras”: somente se deixarmos às palavras a sua plena riqueza é que será possível fazer uso delas para anunciar o Senhor que vem em meio aos homens e mulheres, mesmo contra as suas expectativas.
Creio que esse poderia ser o modo mais correto para entender as palavras com que o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, respondeu às perguntas sobre o recente “responsum” a propósito da bênção dos casais do mesmo sexo.
Em síntese, a vigilância sobre as palavras permitiu que o cardeal realizasse três preciosas distinções, sobre as quais, há alguns dias, criou-se uma forte confusão, após a publicação do texto da Congregação [para a Doutrina da Fé]. Vejamos brevemente essas três distinções refinadas e decisivas:
a) A bênção não é a aprovação eclesial de um comportamento específico, mas o pedido de proteção e de ajuda do alto. Essa é a primeira distinção, que diz respeito ao próprio ato de abençoar, que não deve ser entendido principalmente como um “poder de ordem pública que regulariza a vida dos sujeitos”, mas como uma “invocação para que Deus proteja e ajude as vidas dos sujeitos”.
b) A bênção não é um sacramento e, portanto, não se confunde com o matrimônio. Mas o “sim” ao matrimônio e à sua lógica de amor, de geração e de estruturação social não implica necessariamente o “não” às outras formas de união, que, com as suas limitações, sempre realizam, mesmo assim, dimensões de bem.
c) A Igreja é uma forma pedagógica de vida, certamente, mas também consolação e abertura a toda vida que caminhe rumo ao bem. Nesse sentido, ela sempre continua sendo, além de Mestra, também Mãe. E uma Mãe nunca pode negar a bênção aos seus filhos.
Essa tríplice distinção – do sentido da palavra bênção, da sua relação de diferença com relação ao sacramento e da diferença entre a Igreja Mestra e a Igreja Mãe – permite que o cardeal diga que “não está feliz” com um texto que, para além das intenções com que foi escrito, feriu muitos homens e mulheres.
Uma vigilância melhor sobre as palavras é o caminho pelo qual é possível salvaguardar uma tradição mais rica e acolhedora do que comumente damos a entender, às vezes até para nós mesmos.
Um cardeal que conhece a teologia vigiou sobre as palavras e repetiu o antigo gesto da sabedoria eclesial, que sabe muito bem que “às vezes é preciso afirmar; outras vezes, negar; mas sempre é preciso distinguir”.
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Uma Mãe nunca nega a bênção: é preciso “vigiar” sobre as palavras. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU