23 Março 2021
"Há necessidade de uma Igreja que saia das igrejas. De uma experiência cristã estruturada em vários níveis, que sem deixar de oferecer alguns serviços essenciais para a transmissão da fé, consiga interceptar os lugares e os ritmos da vida cotidiana. A celebração diária ou "ir à igreja" deveria ser o ponto de chegada e de síntese de uma experiência vivida antes e em outro lugar", escreve Francesco Cosentino, padre italiano, teólogo e professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 20-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Alguns dias atrás, o economista e jornalista Pier Giorgio Gawronski ofereceu nas colunas deste jornal uma interessante reflexão sobre a secularização europeia e seus efeitos com um impacto, no mínimo traumático, sobre o Cristianismo e as Igrejas.
Estamos perante um termo - secularização - que evoluiu ao longo do tempo e que, como afirma o filósofo Marramao, sofreu uma contínua metamorfose de significado, incluindo hoje uma certa multiplicidade de aspectos. Dito isso, a análise de Gawronski toca em um aspecto importante: não se trata de um fenômeno "externo" ao Cristianismo, isto é, que diz respeito simplesmente à sua relação com o mundo e com a modernidade, mas de algo que permeia o modo de ser do Cristianismo e sua tradução na práxis eclesial. Devemos nos perguntar, com base no que afirmava Ítalo Mancini, "com qual cristianismo" podemos enfrentar a onda irrefreável da secularização europeia. Gawronski retoma a imagem da primeira comunidade cristã, cujo principal ponto de ligação da prática religiosa era a relação de amizade e fraternidade entre os seus membros. A análise contribui para deslocar o eixo de reflexão sobre a secularização de um aspecto puramente sociológico para o que diz respeito à vida afetiva e interior das pessoas. A secularização, de fato, não tem a ver apenas com um dado empírico, com os números e a relevância social e política das religiões e suas instituições, mas com os significados mais profundos que carregamos dentro de nós, os símbolos internos de nossa vida, os valores que nós cultivamos. Parafraseando o nunca esquecido prof. Gallagher: o combate se deslocou hoje para âmbitos mais profundos, de fora para dentro, das ideias às disposições interiores, das mudanças visíveis das instituições sociais aos movimentos mais profundos da sensibilidade espiritual. Gallagher analisava assim a contribuição oferecida por Charles Taylor sobre o tema, afirmando que a indiferença ao problema de Deus e o abandono cada vez mais maciço da prática religiosa dizem respeito a uma "ferida" da imaginação: a secularização restringe nosso desejo, encolhe o nosso eu e os nossos desejos, condicionando o nosso modo de imaginar a vida.
Nem mesmo a sociedade em que os apóstolos atuavam era cristã, mas aquela foi a melhor época de evangelização. Aquilo sobre o que devemos nos deter, antes, diz respeito às condições da possibilidade do crer, isto é, aquela disposição interior de partida com a qual nos colocamos diante da proposta de fé. Para colocá-lo em uma parábola evangélica: o terreno onde é semeada a semente do Evangelho, que pode estar, mesmo antes da semeadura, "disponível" ou pedregoso e espinhoso. Hoje esse terreno passa pelo que o teólogo alemão Metz chamou de secularização da consciência, ou seja, a superficialidade das visões da vida, a compulsividade do consumismo, a insatisfação perene causada por uma vida fragmentada, a aceleração impetuosa de nossos ritmos de vida, o critério da mercadoria de troca que já esvaziou o homem de sonhos, desejos e esperanças.
Há, portanto, necessidade de uma experiência e prática cristã que - como afirma Gawronski - quebre este círculo e gere uma nova qualidade das relações de amizade e fraternas, mas isso não pode ser realizado "dentro" da forma, do modelo e do estilo atual de Igreja, de paróquia e de pastoral. Para citar um dos últimos livros de Armando Matteo: não se pode pensar que as coisas mudam sem mudar nada nem nas nossas paróquias nem na nossa pastoral.
Para criar aquele sentido de pertença e de comunidade, que quase dá origem à experiência cristã como aquela "anterior" das relações humanas, não podemos nos limitar a reunirmo-nos na Igreja. Antes, esse gesto era a expressão dominical ou festiva de algo que já era vivido nas casas e nos bairros, como bem afirma Gawronski; hoje, as pessoas que chegam, muitas vezes não se conhecem, têm um vínculo fraco ou superficial, são na maioria turistas solitários.
É nesse contexto que, pessoalmente, penso em como deveríamos nos questionarmos mais sobre a profecia do Papa Francisco. Uma "Igreja em saída" é, de fato, uma Igreja que sai para "fazer a Igreja" nos lugares da vida. É uma Igreja que já não pretende mais organizar as formas do anúncio e da pastoral simplesmente criando ocasiões - todas a serem realizadas no edifício eclesial - em que convida os outros, mas se movimenta procurando criar "redes de relações" entre as pessoas. É uma Igreja, portanto, que procura gerar experiências de amizade, de oração comum e de partilha de bens, saindo de si mesma e "descentralizando-se", isto é, tentando reativar aquelas "pequenas aldeias" de relação humana que hoje estão se perdendo.
Nesse sentido, a própria pandemia abriu novas possibilidades para repensar o anúncio do Evangelho: é possível encaminhar de forma mais sistemática e organizada a oração e a liturgia nas famílias? É possível articular a catequese dos garotos saindo definitivamente do clássico método escolar que os encerra em salas de aula paroquiais semelhantes às da escola, e propor percursos nos quais os pais também se tornem protagonistas ativos, eventualmente nas próprias casas ou em experiências concretas vividas no bairro? É possível iniciar as pessoas numa formação bíblica e espiritual que lhes permita viver a experiência com Deus não só na multiplicação das missas ou de atos devocionais, mas na Liturgia das Horas, na escuta da Palavra e lectio divina? E o que fazer para viver experiências de cristianismo - tanto com oração como com obras de caridade – nas casas, condomínios, bairros? Podemos pensar em pequenos grupos de cristãos – inclusive, e finalmente, sem o padre - que levam adiante um caminho de partilha da Palavra de Deus e das atribulações cotidianas da vida?
Não se trata de novas ideias, mas de encontrar caminhos para iniciar propostas que possam ir além das ocasiões genéricas e muitas vezes anônimas da paróquia da cidade; propostas criativas que, com uma linguagem renovada, fomentem o relacionamento e a amizade entre pequenos grupos de pessoas, que aos poucos passam a compartilhar um bate-papo, algumas perguntas, alguma dificuldade comum, um almoço ou jantar. Não há necessidade de sistemas máximos: o Evangelho muitas vezes nos fala dessa dimensão doméstica em que Jesus, entre os aromas da cozinha, encontra as pessoas, as escuta, as toca profundamente e as cura.
Há necessidade de uma Igreja que saia das igrejas. De uma experiência cristã estruturada em vários níveis, que sem deixar de oferecer alguns serviços essenciais para a transmissão da fé, consiga interceptar os lugares e os ritmos da vida cotidiana. A celebração diária ou "ir à igreja" deveria ser o ponto de chegada e de síntese de uma experiência vivida antes e em outro lugar.
Um Sínodo da Igreja italiana, longe de se transformar em um "evento" eclesial externo, poderia iniciar uma discussão franca e serena sobre como iniciar esse repensamento pastoral.
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Uma igreja que sai das igrejas. Artigo de Francesco Cosentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU