24 Fevereiro 2021
Edith Bruck e o novo romance “Il Pane perduto”, agora candidato ao Prêmio Strega. “Francisco me disse que aprova minhas palavras sobre a solidão e as dúvidas daquele que tem fé”.
Edith Bruck conta sua história desde sempre. Ela faz isso em escolas onde os meninos ouvem esta elegante senhora de 88 anos que viu sua família desaparecer na poeira de Auschwitz, levando embora o mundo de ontem e lhe perguntam se ela perdoou, se acredita em Deus, se odeia seus algozes.
Ela o faz nos muitos livros escritos para lembrar, palavras, versos, a crônica da ressurreição à qual os sobreviventes estão condenados.
Fez isso com o Papa Francisco, que se sentou neste sofá em frente ao bolo preparado pela fiel Olga na tarde de sábado e a abraçou, agradecendo pelo último romance, Il pane perduto, que acaba de ser nomeado para o Prêmio Strega. No entanto, ainda ruborizada com a ideia da visita, não se vangloria: mostra a encíclica que Bergoglio lhe deu com uma dedicação à coragem. Ela prometeu, conta, que terá coragem por todo o pão perdido.
A entrevista é de Francesca Paci, publicada por La Stampa, 23-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A senhora contou ao Papa que quando criança, queria recitar as orações aprendidas a duras penas na aula, o sacerdote a silenciava, porque, como judia, isso não lhe dizia respeito?
Bergoglio leu meu livro, ele conhecia a minha vida. No sábado também conversamos sobre a Igreja Católica, ele me disse que o antissemitismo histórico tem raízes no Cristianismo. Fiquei sem fôlego ao ouvi-lo, ele tinha pedido para me ver depois da minha entrevista com o L'Osservatore Romano, mas não quis que eu fosse até ele, ele veio prestar homenagem à vítima, à escritora, à testemunha da memória , à mulher, a uma representante do povo judeu.
É por isso que ele veio no Shabat, o dia de descanso?
Foi uma escolha deliberada, sua, não uma falta de respeito, mas uma homenagem.
O testemunho da memória é uma garantia de que o que aconteceu nunca mais aconteça?
O Holocausto não vai voltar. Mas aquele horror nunca acabou porque não serviu para nada, não aprendemos nada. Há quarenta anos surgiram os primeiros negacionistas, agora o fascismo volta a florescer, o ódio se multiplica, se não imediatamente contra os judeus contra os migrantes, os diferentes. Por enquanto, o Islã é o culpado pelo ressurgimento do antissemitismo, mas é um álibi: a repressão ao Ocidente está toda lá, sob o tapete. Também sobre isso me confrontei com o Papa, ele sente tanto quanto eu a ameaça do racismo, o fascismo, o soberanismo e o antissemitismo. Sempre é assim quando há uma crise econômica, se procura o bode expiatório. O mundo mudou, a Itália mudou: quando cheguei, nos anos 1950, morava em um quartinho ao lado de um tipógrafo e ele dividia comigo sua sopa de repolho. Agora nem nos cumprimentamos mais.
Um ano de Covid-19 nos tornou piores ou melhores?
Muito piores. A história de escolher os jovens às custas dos idosos, improdutivos e, portanto, dispensáveis, foi alucinante. O Papa disse que tratamos nossos avós como sobras. Tenho a impressão de que o mundo caminha para o seu fim e este é o preço a pagar por não ter devidamente acertado as contas com a história: não o fizeram a Hungria, nem a Polónia, a República Checa, a França e a Itália.
O Vaticano o fez?
Cresci entre os padres que me acusavam de matar Jesus e a mãe que dizia ‘roubaram-nos Yeshua’. Eu estava cercada de antissemitismo, mas tinha amigas cristãs, porque os judeus ortodoxos não mandavam seus filhos brincar com uma criança pouco religiosa como eu. E, mesmo quando as coisas pioraram e me obrigaram a sentar na urtiga com o traseiro nu, uma família cristã nos trouxe pão no gueto. A história é feita de claro-escuro. Acho que vai ser difícil fazer do Papa Pio XII um santo. Nós, judeus, não temos santos e acho que como ele era um homem, tinha medo de prejudicar a sua comunidade denunciando as deportações que se multiplicavam mas, ao mesmo tempo, muitos cristãos esconderam judeus.
Seu livro termina com uma carta para Deus, ele lhe respondeu?
Não. Ou talvez a resposta seja a visita do Papa que me diz aprovar aquela carta em que escrevo sobre a solidão de quem tem fé, as dúvidas, o vazio. Talvez a resposta de Deus seja também o fato de ainda estar aqui para alimentar a memória depois de ter sobrevivido tantas vezes, desde quando durante as seleções fechava os olhos na esperança de que assim Mengele não me visse.
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“Escrevi uma carta a Deus e o Papa veio a mim”. Entrevista com Edith Bruck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU