Coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”
“Pensar um programa econômico para as cidades no século XXI implica em imaginar processos econômicos interligados com os ciclos da vida, em que os processos econômicos servem à Vida, jamais o contrário. Não é a vida que deve servir às cidades, são as cidades que devem servir à vida. Para cada planilha com números frios, há vidas quentes. Por isso, realmar a Economia e pensar as cidades para o Bem Viver”, escrevem Silvana Bragatto e Célio Turino, em artigo para a Coluna Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco.
Em 11 de maio de 2019 o papa Francisco divulga uma carta convidando rapazes e moças de boa vontade, estudantes de economia, jovens empresários e empreendedores sociais, a participarem de um “pacto comum”, inspirados por um ideal de fraternidade atenta, sobretudo aos pobres e excluídos, comprometendo-se a cultivar juntos o sonho de um novo humanismo. Foi o chamado para o encontro pela “Economia de Francisco”, que deveria ter sido realizado na cidade de Assis, Itália, entre os dias 26 e 28 de março de 2020. Assumindo o nome do “Santo Homem de Assis”, disse o papa: “São Francisco nos oferece um ideal e, em certo sentido, um programa”.
Por conta da Pandemia de Covid, o encontro teve que ser transferido e terá que ser realizado de forma não presencial em novembro próximo. Mas o chamado já estava lançado, e a busca por um ideal comum, de quem pretende “responder e não dar as costas, sentindo-se parte de uma cultura nova e corajosa, sem medo de enfrentar riscos e trabalhar para construir uma nova sociedade”, conforme palavras de Francisco, o papa, seguiu adiante, unindo jovens de todo o mundo. No Brasil foi realizado o primeiro encontro brasileiro pela Economia de Francisco, em novembro de 2019 e a partir de então, centenas de jovens juntaram-se ao chamado, em uma frente intergeracional, laica e plural, formando a ABEFC – Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara. Incorporando o nome de Santa Clara de Assis, os brasileiros assumem claramente que, para a concretização de uma ecologia integral e um novo pacto de fraternidade e compromisso com o cuidado da Casa Comum, feminino e masculino têm que caminhar lado a lado.
É sob o signo deste chamado que apresentamos esses elementos para programas municipais de governo baseados nos princípios da Economia de Francisco e Clara, em propostas simples, diretas e exequíveis, abertas e disponíveis aos governantes, políticos, cidadãs e cidadãos que queiram abraçá-las em uma busca por um outro marco para Reenvolver e Realmar as cidades. Não uma alternativa de desenvolvimento, mas uma alternativa ao próprio Des-Envolvimento, em que a economia caminha separada da vida.
Um programa de Francisco e Clara propugna por uma Economia da Vida, com Alma e com a opção pelos pobres, pela gentileza, pela natureza, pela comunhão, pela bondade e colaboração. São muitas e generosas as economias que estão a desabrochar: a economia popular, a economia solidária, da reciprocidade, da dádiva, da comunhão, do cuidado, as economias feministas, a economia do Bem Viver. Essas economias não podem continuar sendo pensadas como “economias da margem”, das franjas, debatendo-se para subsistir; ao contrário, por serem economias vinculadas a processos de vida, será a partir delas que se poderá Realmar a economia das cidades, dos países e do globo. Realmar e reenvolver significa reconectar pessoas e natureza, sociedade e ambiente em unidade, em economias do cuidado com a Casa Comum. Com elas está sendo parida a Economia Viva para o século XXI e além, por isso o convite, sobretudo em tempos de eleições municipais, para que muitos municípios do Brasil se disponham à nobre função de parteiras dessas novas economias que estão por vir.
Pensar um programa econômico para as cidades no século XXI implica em imaginar processos econômicos interligados com os ciclos da vida, em que os processos econômicos servem à Vida, jamais o contrário. O Neoliberalismo levou os modos de produção a níveis de alienação a escalas nunca antes imaginadas. Tudo e todos viraram Coisa, desde as subjetividades mais íntimas; coisa para produzir; coisa para consumir; coisa para explorar; coisa para descartar. Pelo bem da humanidade é preciso afirmar em alto e bom som: não queremos ser o Homem-Coisa, ou a Mulher-Coisa! É preciso romper imediatamente com esse Sistema controlado pela Economia da morte, que coisifica a vida, suja os ares, encarde as águas, mata os bichos e as plantas, explora as pessoas, destrói as terras. Lucro e ganâncias como fim, retroalimentando um sistema baseado na exploração e acumulação infinitas, que escraviza vidas e só extrai, polui, corrompe, descarta, se valendo dos piores poderes e piores sentimentos para prevalecer. Basta! Não é a vida que deve servir às cidades, são as cidades que devem servir à vida. Para cada planilha com números frios, há vidas quentes. Por isso, realmar a Economia e pensar as cidades para o Bem Viver.
Esqueçam chaminés e linhas de montagem. Parem de pensar em “extrair, transformar e descartar”. A Economia Circular pressupõe novos paradigmas produtivos, uma indústria ecológica, limpa, apoiada na transição para as energias renováveis. Resíduos e a poluição precisam ser eliminados desde o início do processo produtivo, mantendo em uso todos os materiais extraídos. E os sistemas naturais precisam ser regenerados, urgentemente.
Não mais as grandes unidades fabris do outro lado do mundo. Isso gera um desperdício enorme de energia para levar matéria-prima e trazer manufaturados, além de agravar as desigualdades. Essa lógica produtiva só tem por objetivo a concentração do lucro via maxicirculação de produtos. O primeiro grande princípio para a Economia Circular envolve a superação da “economia linear” (recursos naturais - matéria-prima - exploração do trabalho – manufatura - distribuição - consumo - descarte). A economia circular pressupõe novas formas de produção, com remanufatura, reúso, reparo, partilha e locação de produtos como serviços. Não se trata de simples reciclagem, que resulta em perda de valor no ciclo produtivo, mas em pensar o gerenciamento de resíduos desde o início do processo, fazendo com que esses voltem ao uso econômico em plenitude e até agregando valor. Para que isso aconteça serão necessárias cadeias curtas de produção, circulação, consumo e resgate dos produtos para início de novo ciclo, como em um moto-contínuo, via unidades produtivas descentralizadas.
As cidades, sobretudo médias e grandes, reúnem todas as condições para se reindustrializarem a partir da ecologia e da circularidade. Abrangendo desde a produção de alimentos orgânicos, com agricultura urbana ou via cinturão verde, produção de adubos naturais com a compostagem, remanufatura / reparo / locação de roupas e calçados, metarreciclagem de eletrônicos e computadores. E sem que isso resulte na extração de novos recursos naturais, uma vez que a matéria-prima já está disponível –abandonada e descartada – na própria cidade.
As unidades para esse processo podem acontecer via estímulo a Galpões de reparo e reúso, os Galpões de Artes e Ofícios, também via Centros de Tecnologia 3D, permitindo que os consumidores possam buscar o produto encomendado, (de eletrodomésticos e vestuário até casas inteiras) que pode ser impresso na hora. Centros para desenvolvimento de Software livre e Incubadoras de Empresas de Tecnologia. Cooperativas de produção de placas solares e demais meios de geração de energia limpa e distribuída.
Grandes empresas já começam a se adaptar aos princípios da Economia Circular. Cabe às prefeituras criar mecanismos legais e de incentivo à aceleração desse processo, com potencial de milhões de postos de trabalho. Economia Circular é uma indústria limpa, ecológica, eficaz. O desafio está em tomar providências desde o nascedouro para que, junto a esses predicados, surja uma indústria com a justa remuneração do trabalho, incluindo significativa redução de jornada sob o lema “trabalhar menos para que todos trabalhem! Essa mudança legal e de consciência coletiva deve estar incorporada no processo educativo das novas gerações e atuais, estimulando o comércio justo e o consumo responsável.
A cidade é a nossa Casa Comum mais perceptível. Mais que o Planeta, ou mesmo o país, as pessoas se percebem como moradores de uma cidade. Cidadania vem da descoberta do sentido de morar em cidade. Mas viver em cidades segregadas, apartadas, em que governos não cuidam de sua gente, só pode resultar em cidades partidas, violentas, abandonadas e desprezadas. É o que tem acontecido no Brasil. Cidades que concentram cidades dentro de si, cidades que não se conversam, cidades que são Não-Cidades.
Até o século XIX, sob o Brasil Colônia e mesmo sob o Império, os moradores das cidades tinham por hábito jogar suas fezes e urinas pela janela de suas casas. Pouco se importavam com o odor que retornaria pelo acúmulo de dejetos na frente de suas casas. De certa forma esse hábito perdura até hoje, com a falta de cuidado com o recolhimento de esgoto e com o despejo dos dejetos, sem qualquer tratamento, nos rios e córregos que cruzam as cidades. Esse comportamento demonstra um habitus social que foi sendo formado e que determina muito as nossas maneiras de ser, enquanto povo. Nos acostumamos com violências, maus cheiros, maus tratos. As cidades são artefatos humanos que se comportam como organismos vivos. Não é natural nem moral acostumar-se com violências, poluições, injustiças e iniquidades.
A primeira medida compete aos próprios cidadãos, é necessário tomar consciência de que precisamos e merecemos ser mais bem cuidados. Gostar de nós, e de nossos filhos e netos, é gostar da cidade em que se vive. Ela é uma casa maior, vamos mantê-la limpa, com boa calçada, pavimentação adequada, eficiente zeladoria e manutenção.
Cuidado também é Economia. Uma Economia baseada nos princípios de Francisco e Clara deve colocar o cuidado com a cidade em que moramos como foco permanente. É possível oferecer serviços de zeladoria e cuidado com a cidade, com qualidade e preço justo. O principal mecanismo inicia-se pela mudança de legislação, forma dos contratos, medições e natureza dos contratados. Tudo isso deve acontecer em processo de transição, utilizando recursos já existentes.
Propostas:
a) Limpeza Urbana – (Coleta, aterros sanitários, varrição de vias e áreas públicas, jardinagem, limpeza de bueiros) – Um serviço contínuo, como na limpeza de uma casa. O atual sistema de contratos é formatado a partir da lógica da otimização dos ganhos privados e é totalmente ineficaz do ponto de vista do interesse público. Empresas são remuneradas por tonelagem de lixo recolhido, desestimulando políticas de redução e reciclagem de resíduos. Em sistemas de varrição e limpeza de vias públicas, a mesma falta de lógica, com grandes grupos de trabalhadores limpando um único local, como uma força-tarefa de limpeza, em que muita gente aparece em uma avenida, só para mostrar serviço e depois desaparecer por meses. Isso é totalmente ineficaz, vide a sujeira nas vias, poucos dias após o mutirão e as enchentes provocadas por bocas de lobo entupidas. Os contratos de coleta têm que estimular a reciclagem e a redução de resíduos, assim como os contratos de limpeza têm que ter caráter comunitário, em que pequenos grupos de trabalhadores, contratados por cooperativas, têm que ter a incumbência de cuidar de uma mesma área, varrendo, tirando o mato e a sujeira de bueiros, com resultado muito mais eficiente, incluindo vínculos comunitários e de afeto com a vizinhança (apenas na cidade de São Paulo, essa forma de contrato, via cooperativas de limpeza, tem capacidade de gerar 24 mil postos de trabalho – 300 cooperativas com média de 80 trabalhadores). Fortalecimento de Cooperativas de Catadores – fornecimento de carrinhos de coleta com design adaptado para a função, motorizados ou com bicicleta; organização de dias diferentes para coleta de recicláveis (vidro, papel, metal, orgânicos/compostagem); oferecimento de Galpões para organização e limpeza dos recicláveis; suporte na organização de cooperativas por territórios. É possível alcançar um mínimo de 50% de reciclagem no período de quatro anos.
b) Vias, ciclovias e passeios públicos de qualidade. Um ambicioso plano de renovação na pavimentação das vias e nas calçadas, na maioria das cidades, é mais que necessário. Ruas esburacadas, calçadas irregulares, isso resulta em prejuízo coletivo, poluição, sensação de desleixo. Ciclovia é transporte e lazer saudável, não poluente, rápido. Calçada é circulação na escala humana, devendo ser padronizada, executada e mantida pelo poder público, incluindo arborização, floreiras e até espaço para hortaliças. Para uma ação em escala, com padronagem de qualidade, e não simples reparos, incluindo aterramento de fiação. Sobretudo no momento de pós-pandemia, em que o Brasil terá a mais alta taxa de desemprego da história, faz-se necessária a urgente abertura de frentes massivas de trabalho via serviços públicos distribuídos.
c) Cuidado com a População de Rua – a prolongada crise econômica do país está levando a uma explosão na quantidade de pessoas obrigadas a viver em condição de rua. Há que oferecer condições adequadas para que as pessoas reorganizem suas vidas. Não grandes albergues amontoando gente, separando famílias, mas unidades menores de abrigo, com privacidade para famílias, grupos de amigos, casais, com moradia provisória em edifícios recuperados. Também espaços transitórios de acolhida, com armário, lavanderia, chuveiro, corte de cabelo, área de convivência e biblioteca. Preferencialmente os trabalhadores desses espaços devem ser contratados entre os próprios moradores de rua, em contratos temporários, seja um dia, uma semana ou mês.
d) Cuidado com as pessoas. As pessoas estão envelhecendo, muitas morando sozinhas, há pessoas com deficiências necessitando de cuidado, crianças também, necessitando de quem lhes conte histórias, monitores em ruas e praças de lazer. Viver em cidade é se cuidar, gerar gentilezas, afetos. Isso também é economia. Realmar a administração das cidades, pressupõe cuidar das pessoas, deve-se capacitar, cadastrar e contratar cuidadores.
Os orçamentos municipais podem ser grandes impulsionadores das economias locais. São recursos públicos que, se bem distribuídos, se multiplicam em bem estar e prosperidade. As compras concentradas só têm eficiência em casos muito específicos. Tudo que puder ser comprado das cooperativas, micro, pequenas e médias empresas, assim deve ser feito. Há tecnologia para acompanhamento de preços e qualidade, há meios ágeis para compras, que devem prever redução de estoques e pulverização nas compras, melhor ser atendido por vários fornecedores, com equivalência em preço e qualidade, que por um só. Exemplos:
a) Aplicativo para zeladoria e pequenos reparos em equipamentos públicos – São milhares de equipamentos públicos, Repartições Públicas, Praças, Escolas, Postos de Saúde todos necessitando de manutenção, por vezes uma troca de torneira, fiação elétrica, goteiras no telhado, uma pintura. Como as atuais formas de contratação exigem uma burocracia exagerada e não condizente com a agilidade requerida por pequenos serviços de reparo, o espaço público vai sendo degradado, acumulando problemas e sensação de descaso. A tecnologia permite que prefeituras utilizem um sistema de aplicativo, cadastrando fornecedores de pequenos serviços de manutenção e materiais de construção, preferencialmente fornecidos na região em que o serviço será executado, com preço e especificações padronizados. E com segurança de pontualidade no pagamento, pois não é justo que esses pequenos prestadores de serviço tenham remuneração atrasada (essa garantia resulta, inclusive, em redução de custo). É o descuido na manutenção que cria custos elevados no futuro. Esses pequenos serviços, via aplicativo, poderão ser acionados pelos administradores de cada equipamento, reduzindo custos e processos burocráticos.
b) Cooperativas para Alimentação Escolar, com produção na Escola e compra direta de alimentos / Cooperativas de costureiras para confecção de uniforme escolar – Cultura alimentar é coisa séria, as crianças e jovens precisam comer alimentos frescos orgânicos, sucos naturais e, ao menos um dia na semana, cardápio vegetariano ou vegano. Alimento produzido na Escola, adquirido no comércio local, hortaliças da vizinhança ou da agricultura familiar. Comida e roupa feitas com carinho. Distribuindo recursos, com produção descentralizada, e facilitando a formação de cooperativas por escolas, ou juntando escolas próximas, será possível ativar a economia dos bairros.
Na cidade de São Paulo é possível gerar 80 mil postos de trabalho direto apenas com a Economia do Cuidado e zeladoria, nas demais cidades, na mesma proporção, e isso resulta em mais 160 mil postos de trabalho indiretos, totalizando 240 mil postos de trabalho. E partindo do princípio “Trabalhar menos para que todos trabalhem”, contratos de 30 horas de trabalho semanal, efetivando a redução da jornada de trabalho nos municípios. Esses exemplos de medidas, assim como outras, são perfeitamente alcançáveis pelos orçamentos municipais, inclusive porque resultam em redução de custos sobre grandes e concentrados contratos (limpeza pública, zeladoria, merenda industrial, compra de uniformes escolares...). São propostas calcadas na vida tal qual é vivida. Para além do efeito no emprego, essas ações espraiam qualidade de vida pela cidade, humanidade, alma. Levando em conta a referência da cidade de São Paulo, o custo do conjunto dessas ações seria de R$ 5 bilhões/ano, ou 7% do orçamento municipal, é muito pouco, mediante o mínimo cuidado que toda cidadã e cidadão merece.
Administrar as cidades na escala humana pressupõe compreender as pessoas como os principais agentes da própria transformação. Não há mudança sustentável que não seja provocada de “dentro para fora”, a partir da consciência, da autonomia e do protagonismo das pessoas. Exemplos:
a) Agentes de Economia Comunitária e Agricultura Urbana – Estímulo a mobilizadores locais, agentes de transformação, com fomento a moedas sociais, economia solidária, trabalho de hortelãs e hortelãos urbanos. Esses Agentes devem atuar em articulação com outras medidas de Ação Comunitária e Permacultura, incentivando a desempermeabilização de quintais e frentes de casas e edifícios, utilização agrícola de terrenos baldios, até mesmo áreas de calçada, hortas em escolas e demais equipamentos urbanos. Fomento à economia solidária e moedas locais. O pagamento aos Agentes em forma de Bolsa, no valor de um salário mínimo, destinado a desempregados de longa duração deverão atuar lado a lado com Agentes Jovens, em um fino processo de aprendizagem intergeracional.
b) Agentes Jovens da Comunidade – Ao longo de milênios a humanidade se conformou com a ideia de deslocar jovens para um ano em formação militar, preparando-os para a guerra, em uma cultura de violência. É chegado o momento de repensar esse modelo, e fazer isso pelas cidades. No lugar de recrutas para o serviço militar, Agentes Jovens da Comunidade. Um ano de bolsa para que jovens se exercitem em atividades de cultura, artes, recreação, lazer, comunicação popular, ambiente e participação cidadã. Um serviço-aprendizagem a ser realizado a partir de organizações comunitárias, no mesmo modelo dos Pontos de Cultura. Pontos de Encontro a preparar cidadãs e cidadãos livres e solidários, promotores de transformações a partir dos recursos encontrados em suas próprias comunidades. Por exemplo, 100.000 Agentes Jovens da Comunidade na cidade de São Paulo teria um custo anual de R$ 900 milhões (1,3% do orçamento municipal). Imaginem um programa desses ao longo de 20 anos, as mudanças que provocaria no comportamento social e na cultura cidadã?
c) Mestres, Griôs e Adultos maiores – As cidades são minas de talentos e recursos, gente com tanta sabedoria, tanto conhecimento ancestral, tanta experiência e capacidade. De repente, aposentados, descartados, desprezados. Por que não estimular a troca desses conhecimentos e saberes. Idosos e aposentados como Agentes de Transformação, ensinando ofícios, orientando jovens, contando histórias, visitando escolas. São tantas as possibilidades. São tantas as pessoas dispostas a oferecer, a receber e a promover a cultura do encontro.
Mesmo submetidas a regulação nacional, há medidas adicionais, de regulamentação e conduta do poder público municipal, que podem melhorar a qualidade de serviços públicos e gerar milhares de empregos, com impacto direto na qualidade de vida na cidade e na infraestrutura produtiva:
a) Regulamentação para fiação aérea e política para aterramento – A fiação elétrica e de comunicações nas cidades brasileiras é muito ruim. Fios soltos, ao alcance das mãos, remendados, balançando com o vento. A péssima manutenção da fiação e transformadores obsoletos tem efeito direto na qualidade dos serviços, com corte de energia e internet de péssima qualidade, provocando queda de serviços a qualquer chuva ou vento. O poder público municipal, como concedente e regulador do uso do espaço urbano, pode regulamentar padrões de serviço na sua esfera. Exemplos: a) identificação da fiação pela empresa responsável; b) impedimento de “barrigas” na fiação, permanência de fios soltos ou inutilizados. Também a cobrança pelo uso de postes (empresas de eletricidade auferem lucro pela utilização dos postes por empresas de comunicação, como se os postes fossem delas e não das cidades). O efeito não é de arrecadação, mas de regulamentação, estabelecendo um honesto e eficiente plano de aterramento, melhorando em muito a qualidade dos serviços e a paisagem urbana.
b) Regulamentação e multa sobre o despejo de esgoto ‘in natura’ nos rios e córregos das cidades – Serviço de águas é concessão municipal e as empresas de saneamento, públicas ou privadas, devem assinar um Termo de Ajuste de Conduta, a fim de coibir crimes ambientais praticados por elas, como despejo in natura de esgoto em rios e córregos. Da mesma forma deve ser garantido 100% de abastecimento de água e coleta de esgoto. Essas medidas de regulação estão ao alcance das administrações municipais e terão forte impacto na saúde pública e geração local de emprego.
A transição para uma economia de baixo carbono é questão de princípio para a Economia de Francisco e Clara. Frente às emergências climáticas esse tema não deve ser tratado em capítulo à parte da Economia, mas como ação integral do pensamento e ações para a vida em cidade. As cidades precisam gerar, ao menos, parte da energia que consomem. E poluir menos, até que não poluam mais. Isso é possível. E as providências precisam ser tomadas imediatamente.
Medidas:
• Observatório Municipal para Emergências Climáticas, com preparação da Defesa Civil para o novo contexto climático;
• Energia solar em equipamentos públicos, como Escolas, Unidades de Saúde, repartições públicas, centros esportivos, espaços culturais, onde for possível;
• Iluminação pública com energia solar (placas com capacidade para uma lâmpada);
• Incentivo para que grandes consumidores (shoppings, edifícios) instalem energia solar, eólica, outras;
• Fomento a cooperativas em bairros, para produção de placas solares domésticas, e crédito subsidiado para instalação de energia solar nas casas e edifícios;
• Troca da frota de ônibus a diesel por ônibus elétricos, com carga elétrica via bateria, retroalimentação com o movimento de aceleração e frenagem e placa solar. Já existe tecnologia para tanto, cabe colocar a meta nos contratos de transporte público, assegurando aos fabricantes uma perspectiva segura para o investimento, incluindo o reaproveitamento dos atuais veículos pelo processo da economia circular. Igualmente definir prazo para transição de caminhões a diesel para elétricos, quando em circulação no perímetro urbano;
• Parques Lineares, liberando margem de córregos e rios;
• Plantio de uma árvore por habitante a cada quatro anos. Parece uma meta tímida, mas o desprezo às árvores é tão grande que uma proposta simples como essa sequer é pensada em planos de governo. E realizar esse plantio em mobilização cidadã, com viveiros públicos, entrega de mudas, novos parques, estímulo ao plantio doméstico, empresarial, escolar. Um processo contínuo e permanente a oferecer sombra, bom ar e morada para os pássaros.
E assim, a Economia de Francisco e Clara se apresenta. Primeiro um chamado, uma ideia, um sentido. Agora as propostas que expressam o sentido, uma economia na escala da vida, feita por pessoas e para as pessoas. Segue a nossa contribuição, usem as ideias à vontade, na parte ou no todo, façam com que a cidade de vocês também possa dizer: A Economia de Francisco e Clara está chegando e ela vem para ficar!
Silvana Bragatto – Engenheira, professora universitária, presidente do Instituto Casa Comum. Integra a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.
Célio Turino – Historiador, escritor e consultor em políticas públicas. Integra a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.