12 Junho 2015
Para Adriano Pilatti, política não pode ser encarada como sinônimo de consenso. É do choque de ideias de quem não se resigna que surgem as alternativas e novidades
Adriano Pilatti / Foto: João Vitor Santos |
E quem faz essa política? Na perspectiva de Pilatti, são aqueles que se insurgem contra a lógica imposta pelo capital. Ou, por outra forma, aqueles que se desacomodam com as instâncias já estabelecidas e subvertem essa lógica, desobedecendo-a e criando novos caminhos. Daí a ideia de uma outra política. “O povo não é só capaz de compreender, ele pode trazer a verdade”, diz. Povo esse que pode ser entendido como a Multidão, envolta em toda a sua singularidade e complexidade.
Materialmente falando, é possível tomar como exemplos as manifestações de junho de 2013 a partir das provocações dos coletivos. É olhando para essa forma de organização dos coletivos que se observa a política da Multidão em movimento. E, trazendo isso para Metrópole, podemos tomar o exemplo citado pelo professor, dos movimentos de ocupação pela luta de áreas urbanas de uso comum. É o caso do “Ocupa Golfe”, que aconteceu no início do ano no Rio de Janeiro, quando um desses coletivos se organizou para resistir à apropriação de uma área para construção de um campo de golfe. “As grandes e mais positivas mudanças são feitas por quem ousa desobedecer, se organiza e contesta”, completa.
Do proletariado à Multidão
Em coletivos como o “Ocupa Golfe”, a articulação vem debaixo e se organiza horizontalmente na forma de resistência. Isso, segundo Pilatti, se dá no ambiente da Metrópole e pela busca de uma melhor forma de vida, próxima da ideia do “bem comum”. “A Metrópole é, por excelência, o cenário da produção e da luta. E quem contesta não é mais o proletariado. É a Multidão. Não há mais uma uniformidade. É uma multiplicidade de formas e ainda sem a tentação de uma unidade”, explica.
O professor acredita que essa “nova cultura da revolta” que se está construindo pode dar conta de problemas que as gerações mais antigas não conseguiram resolver. Ou seja, sair da crise política em que se está. Para entender a diferença desses dois momentos entre a fábrica e a Metrópole, o professor propõe uma analogia com o Partido dos Trabalhadores - PT. Na época em que as fábricas se concentravam no ABC Paulista, os operários se reuniam e criavam suas formas de reação ao capital. De lá, surgiu um partido. No entanto, é preciso que hoje se entenda o momento. “Estamos em tempo de trabalho imaterial, a produção da indústria é descentralizada.” Logo, a articulação para reação se dá noutro ambiente, o da Metrópole. E, ao invés da organização do proletariado, é da diversidade da Multidão que emerge a resistência.
Da conciliação à anulação
Adriano Pilatti analisa o momento político. Para ele, no caso do PT (também enquanto governo), o erro foi apostar na conciliação. O resultado acaba sendo uma acomodação e padronização que destitui o diferente. “A Multidão tem toda uma multiplicidade de singularidades. Mas, diante da possibilidade de compreender as singularidades, acaba optando pela repressão”, destaca, ao referir como o partido busca a anulação dessa polifonia que emerge da Multidão. É como se tentasse correr atrás de demanda, de líderes para sanear suas necessidades e imobilizar a emergência da desordem.
Exemplo como o que ocorreu na Espanha e na Grécia, com o surgimento de partidos a partir de movimento populares, pode ser significativo. “Já que é uma crise da política mundial. Não é só uma coisa de Brasil.” Porém, o professor lembra que é preciso, mais uma vez, respeitar as diferenças e particularidades. É preciso observar os movimentos e não buscar ou copiar modelos experienciados em outros lugares. “Não somos a Espanha e nem um Podemos. Somos o Brasil com todas as nossas diferenças.”
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Provocação
Ao fim de sua exposição, Pilatti abre o espaço para discussão. Do fundo da sala, o jovem Leonardo Cora, 28 anos, mestrando em Arquitetura pela Unisinos, não esconde o desconforto. Pela mudança nos traços de seu rosto, é possível perceber que o professor o desacomodou. Depois de alguns suspiros, o aluno dispara o que entende como um desabafo. “Nós da arquitetura queremos mudar a cidade. Há quem fale, por exemplo, que Niemayer não pensou em transporte público quando planejou Brasília. Utopicamente imaginou que a empregada doméstica viveria na mesma quadra de um senador e por isso não seria necessário transporte para periferia. Só que não é o que acontece. O urbanismo não tem essa sociologia. Não conseguimos ser técnicos da sociedade”, reflete o jovem.
Do lugar de fala de quem pensa em constituir um urbanismo do Comum, mas que sabe que às vezes a compreensão do social escapa, o estudante revela seu entendimento sobre a importância da participação, da discussão e, em certa medida, da desobediência. “É triste ver que os espaços de discussão das questões da cidade são anulados. Os conselhos, por exemplo, são criados para isso. No entanto, acabam se tornando locais para referendar as decisões postas pelos dominantes”, analisa.
O que o jovem coloca é que, quem sabe, se faz necessário a constituição de outro espaço. Um espaço que emirja da Multidão, constituído pela busca de um espaço melhor para viver. Mas, seguindo com Pilatti, é importante ter em mente que é só mais uma possibilidade, uma perspectiva como tantas outras que podem ser constituídas.
Adriano Pilatti
É graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj, com Pós-Doutorado em Direito Público Romano pela Universidade de Roma I - La Sapienza. Foi assessor parlamentar da Câmara dos Deputados junto à Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Traduziu o livro Poder Constituinte – Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio Negri (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). É autor do livro A Constituinte de 1987-1988 – Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008).
Por João Vitor Santos
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A política como luta e o desobediente como agente de transformação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU