04 Setembro 2020
Como estamos dentro de uma medusa de espaço-tempo e aqui há um tempo diferente de lá, é possível medir esse lapso com dois relógios separados por apenas alguns metros de altura. É por isso que a teoria da relatividade pode ver o passado, explica a engenheira-chefe no Centro Espacial Goddard da NASA, María Begoña Vila Costas.
Com o seu telescópio James Webb, observará como as galáxias se formaram e, entre elas, a nossa. E o que escrevo não é uma metáfora: podemos contemplar – literalmente – como nasceu nossa galáxia e ver a foto do nascimento do universo em tempo real. Desse modo, também podemos explorar exoplanetas, as outras Terras em outros sistemas solares, e deduzir, por sua composição, atmosfera e condições, se podem abrigar vida. Há tantos que é difícil negar que algum não esteja habitado.
A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 03-09-2020. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que poderemos ver com seu telescópio espacial Webb?
O Hubble deve ser familiar para você. Pois bem, o telescópio Hubble foi projetado para observar o espaço visível a nossos olhos e o Webb, além disso, poderá observar o passado.
Como será possível ver o passado com ele?
Com o infravermelho do Webb, nós, cientistas da NASA e engenheiros, poderemos olhar para trás no tempo e observar como foram formadas as primeiras estrelas e galáxias.
Observam o big bang para trás?
Sabemos que as galáxias que examinamos não são como as que temos ao nosso redor. A nossa é como uma espiral com os braços estendidos. E todas têm um buraco negro no centro.
E o que veem nele?
Vemos esse buraco, mas ninguém sabe ainda se foi a galáxia ou o buraco negro que se formou primeiro. E o telescópio James Webb nos ajudará a descobrir.
Podem ver como a Terra se formou?
E muito mais. Quando você olha nessa longitude de onda, também pode apreciar a formação de estrelas, porque é onde há muita poeira cósmica e o infravermelho permite ver a energia.
Por que o Webb pode ver o passado e o Hubble só o presente?
Porque o espelho do Webb é três vezes maior que o do Hubble.
Como conseguirão enviá-lo ao espaço?
Montamos o espelho gigante com outros dezoito espelhos menores e, uma vez em órbita, o abrimos e o reconstruímos na leveza do espaço como um imenso quebra-cabeças.
A que distância de nós compuseram esse quebra-cabeças?
O Hubble, como sabe, orbita ao redor da Terra e, ao contrário, o James Webb está a 1,5 milhões de quilômetros de nós. Encontra-se a quatro vezes a distância da Lua.
O Webb é muito maior?
O Webb é como um campo de tênis e o Hubble como um ônibus. A inovação do gênio do Webb foi projetor uma forma de dobrá-lo para poder enviá-lo ao espaço e abri-lo lá.
Como você vê a história do universo através do Hubble?
O big bang aconteceu há 13,5 bilhões de anos. Dizia-se que sua temperatura estaria muito perto do zero absoluto, mas, apesar dessa baixa temperatura, outro telescópio, o COBE (Cosmic Background Explorer) foi capaz de localizar o eco daquelas radiações e por isso deram o prêmio Nobel a um de meus colegas no Webb.
Foi uma façanha que confirma que houve um princípio de tudo: o big bang.
No princípio, gerou-se tanta energia após a explosão, que elétrons e prótons livres se fundiram no que chamamos de período escuro. Depois, na medida em que o universo se expandia, ia se esfriando e surgiam fótons, elétrons e as partículas se combinaram para formar os primeiros corpos estelares.
As estrelas?
As primeiras estrelas só tinham hidrogênio e hélio, os elementos mais abundantes no universo.
E com eles se fez a luz?
As estrelas brilham por uma reação nuclear até que se esgotam e explodem. Nestas condições tão extremas, formam-se os 8 elementos mais abundantes no universo. A geração de estrelas seguinte já incorpora alguns elementos raros, que vão evoluindo até nós.
E com o James Webb poderemos observar esse princípio de tudo?
É como se você tirasse uma foto e a enviasse para um amigo da Austrália, por um mensageiro de bicicleta. Suponhamos que demore cinco anos para vê-la, o que veria, então, é o nosso passado. É isso o que vemos agora.
Mas então podemos ver o passado?
Através do infravermelho. Você pode ir ajustando-o para ver mais longe ou mais perto no big bang, ou seja, no tempo. Essas primeiras estrelas e planetas emitiram uma luz ao se formar que viajou no espaço-tempo e sua longitude de onda vai se alongando.
E podemos ver como nasceram?
Com o infravermelho, você pode ajustar a observação e chegar a examinar como a galáxia onde vivemos se formou. Também podemos apreciar onde pode haver outras formas de vida no universo.
Como?
O telescópio nos permite discernir as condições de cada galáxia, estrela e seus sistemas e planetas e averiguar se permitiriam abrigar vida como a nossa.
Quantos planetas capazes de abrigar vida vocês já localizaram?
Tentamos descobrir água em algum e sua composição. Inicialmente, com o telescópio, eram encontrados planetas grandes, agora, refina-se e são encontrados planetas menores e parecidos com a Terra.
A muitos anos-luz... De quantos milhões falamos?
É complexo responder. Agora, temos localizados centenas destes planetas e os classificamos para ver se suas atmosferas permitiriam ser habitáveis.
Leia mais
- “Somos vibrações fugazes, entre bilhões de estrelas”. Entrevista com Carlo Rovelli
- Uma escapada em massa para Marte
- Ano Internacional da Luz. Descobertas e incertezas. Revista IHU On-Line, Nº. 474
- “Einstein amava a eternidade, não suportava a ideia de um começo”. Entrevista com Iván Agulló
- De onde viemos e por que estamos aqui? Logo a ciência responderá. Artigo de Stephen Hawking
- Previstas por Einstein há 100 anos, ondas gravitacionais detectadas pela primeira vez
- “As ondas gravitacionais nos dirão o que aconteceu uma fração de segundo depois do Big Bang”
- Do Big Bang à expansão infinita: início explosivo e fim silencioso. A ciência de Georges Lemaître
- O universo é finito, de acordo com a última pesquisa de Stephen Hawking
- “Somos vibrações fugazes, entre bilhões de estrelas”. Entrevista com Carlo Rovelli
- “A exploração do Universo pode suscitar descobertas espirituais”. Entrevista com Jacques Arnould
- “O naturalismo é a metafísica mais idiota, o pensamento mais estúpido da história e vai destruir a humanidade”. Entrevista especial com Markus Gabriel
- O universo, encarnação do Espírito. Artigo de Marcelo Barros
- Ciência e teologia
- “Não há lugar para Deus no universo”, diz o Nobel de Física Michael Mayor
- A grande beleza do Universo em expansão e a Teoria da Relatividade de Einstein. Entrevista especial com Carlo Rovelli
- Encontrar a Deus no cosmos. Entrevista com David Brown, S.J., astrônomo do Vaticano
- ''Porque Deus tanto amou o cosmos''. Artigo de Elizabeth A. Johnson
- Fé e ciência: um diálogo possível? Um debate entre Marcelo Gleiser e Michael Welker
- Deus, Einstein e os dados. Artigo de Marcelo Gleiser
- O espírito no cosmos, no ser humano e em Deus. Artigo de Leonardo Boff
- A cosmologia atual e a fé judeu-cristã
- Uma escapada em massa para Marte
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Com o nosso telescópio vemos o passado e a explosão do ‘big bang’”. Entrevista com María Begoña Vilas Costas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU