08 Dezembro 2018
David Brown, S.J., é um astrônomo americano do Vaticano especializado em evolução estelar. Após se tornar bacharel em física pela Texas A & M University, ingressou na Companhia de Jesus em 1991. Ordenado sacerdote em 2002, padre Brown completou seu doutorado em astrofísica na Universidade de Oxford, na Inglaterra, em 2008.
Brown iniciou seu trabalho no Observatório do Vaticano em novembro de 2008, trabalhando como astrônomo e como zelador dos telescópios em Castel Gandolfo. É membro desde 2009 da American Astronomical Society, e desde 2012 da International Astronomical Union. No dia 02 de outubro, ele foi entrevistado na Rockhurst High School durante uma palestra na cidade de Kansas.
A entrevista é de Sean Salai, S.J., publicada por America, 03-12-2018. A tradução é de Victor. D. Thiesen.
Como você concilia ser padre jesuíta e cientista, duas funções contraditórias?
Elas não são. A Igreja tem uma grande tradição de ser patrona das ciências e das artes. A ciência era uma parte daquilo que a Igreja fazia. Se você olhar para as universidades medievais que a Igreja fundou na Europa, a astronomia e a matemática faziam parte do currículo.
Se você olhar para o Observatório do Vaticano, fundado pelo Papa Gregório XIII, perceberá que era composto por astrônomos e matemáticos que já eram padres, como o jesuíta Christopher Clavius, maior matemático de sua época. Dessa forma, a Igreja tem feito ciência em grande parte de sua história. Nesse sentido, ser padre e cientista não é nada excepcional. Hoje em dia, as pessoas são excepcionais devido à lacuna percebida entre os mundos da ciência e da religião. Mas qualquer olhar superficial sobre a Igreja e seu papel na cultura conta uma história muito diferente. Para mim, é uma coisa muito natural ser padre e cientista.
O que te inspirou a se tornar cientista?
Eu sempre fui fascinado com a fronteira desconhecida: o espaço sideral. Quando eu era jovem, li livros sobre o cosmos, astronautas, buracos negros, planetas, estrelas e viagens espaciais. Eu estava na idade ideal para ver “Star Wars” quando foi lançado, mais uma vez me fazendo olhar para as estrelas e seu mistério, despertando minha curiosidade e senso de aventura. Além disso, eu adorava a matemática e como ela era capaz de descrever fenômenos no Universo. A ordem do Universo me fascinou e me afetou profundamente.
O que te inspirou a se tornar padre jesuíta?
O carisma é tão belo. Para usar um jargão jesuíta, acredito que “encontrar a Deus em todas as coisas” resume muito bem a capacidade da Companhia de entrar, através de seus ministérios, em muitos ambientes diferentes neste mundo. Pastores tradicionais, migrantes, refugiados, universidades, apostolados acadêmicos e astrônomos, são parte de sua tradição. Deus está presente em tudo, e isso significa que esta criação tem a impressão digital de seu criador. Portanto, constitui uma maneira peculiar pela qual podemos o conhecer e o encontrar.
Você diz que seu trabalho como cientista afirma sua fé em Deus. Você pode explicar isso?
Afirmo minha fé em Deus no sentido de que, quando olho para o céu ou para a Terra, vejo toda sua criação e sinto uma profunda sensação de respeito por tudo: sua beleza, seu mistério e sua ordem.
Quem é Deus para você?
Deus é a origem de tudo, O grande criador. Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, além de tudo, é amigo. O mesmo Deus que fez os céus e a terra, e tudo o que jaz neste vasto cosmos, onde somos uma pequena parcela, ao mesmo tempo chega a nós de uma forma muito pessoal na Encarnação através de Jesus Cristo. A partir de suas palavras, podemos vê-lo, conhecê-lo e até mesmo tocá-lo. Como diria João: “O que existia desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com nossos olhos, o que temos contemplado e nossas mãos têm apalpado”.
O que você diria às pessoas que argumentam que não se pode provar a existência de Deus?
Devemos perceber que a ciência é um método capaz de sondar e estudar uma parcela da realidade do nosso universo por meios muito precisos. Porém, de modo algum esse método precisa presumir ser a palavra definitiva sobre tudo. Obviamente, é uma maneira muito poderosa de conhecer a verdade e de fato uma maneira interessante. Mas não cabe à ciência provar, do ponto de vista matemático, a existência de Deus da maneira que podemos demonstrar as coisas a partir de um viés empírico, embora, para mim, o que a ciência explica é uma profunda beleza sugestiva de Deus. Deus em sua totalidade permanece além dessas coisas.
Dito isto, nossa fé é historicamente baseada no testemunho dos apóstolos. Por isso não precisamos que as coisas sejam cientificamente comprovadas em todos os aspectos para crermos, pois nossa fé é baseada no testemunho daqueles que vieram antes de nós, com base em tudo o que eles viram e encontraram.
Como você concilia os erros científicos da Bíblia com seu status de ser a verdade revelada de Deus?
A maneira como entendemos os livros de ciência, no sentido de fornecer linguagem, métodos precisos e resultados atualizados se diferem da forma como é escrita a Bíblia. A Bíblia é a palavra inspirada de Deus, mas escrita por seres humanos que tinham limitações daquilo que eles sabiam sobre o mundo. Eles não sabiam dos mistérios do universo em sua totalidade. Aquilo que lhes foi revelado por Deus não se enquadra em dados científicos e nem nos planos divinos de salvação.
Como um padre jesuíta ensina o caminho para se fazer ciência?
Da perspectiva da fé, podemos nos alegrar com a beleza do que a ciência nos diz sobre o Universo. Além disso, ser padre jesuíta dá uma dimensão adicional para identificar como a perspectiva da fé é capaz de se integrar à perspectiva científica. Nossa posição nos dá uma maneira sacramental de olhar para o Universo. Se você pegar, por exemplo, a Encarnação, Deus se fez carne e sangue entre nós, e não não hesitou em utilizar as coisas deste mundo para ser reconhecido. Assim, poder conhecê-lo através de coisas físicas é uma bela maneira sacramental de olhar para a criação que complementa a produção científica.
De que maneira a ciência molda seu sacerdócio jesuíta?
Uma bela maneira de olhar para isso é a grande liturgia do cosmos, como tudo funciona e se move de acordo com o que foi ordenado por Deus. Isso molda muito meu sacerdócio, no sentido de que ser um sacerdote em si é uma participação na grande liturgia cósmica que gira em torno de Deus e o adora.
Por que não devemos priorizar verdades religiosas ou científicas, mas manter duas juntas em tensão?
É errado priorizar alguma porque, no final, toda a verdade vem de Deus, seja ela física ou espiritual. No final, se ambos são realmente a verdade, ambos devem existir em harmonia. Claro, chegar à harmonia pode envolver uma certa quantidade de purificação, onde pode haver uma certa tensão às vezes. Parafraseando a frase do Papa João Paulo II em "Fides et Ratio", a verdade não pode contradizer a verdade se for verdade. Ele também diz que a religião pode ajudar a guiar a ciência a ter uma perspectiva maior, ao mesmo tempo em que a ciência pode ajudar a purificar a religião da superstição.
Por que o Vaticano se preocupa tanto com a ciência a ponto de empregar jesuítas para estudar o cosmos?
A razão pela qual a Igreja se preocupa com essas questões é a mesma pela qual há uma Rockhurst High School, um Boston College e um Observatório do Vaticano. O Observatório é um exemplo de uma longa tradição da Igreja. A busca sobre a verdade de Deus nos modifica. Mas mais do que apenas saber tais coisas, diz respeito a permitir que a verdade de Deus nos transforme. Saber o que significa ser uma pessoa justa, uma pessoa moral, tem implicações tremendas na nossa abordagem sobre a justiça, economia e meio ambiente.
A astronomia é também uma daquelas ciências que sempre se prestou a suscitar questões filosóficas, teológicas e existenciais com tremenda influência sobre as pessoas. A Igreja também continua patrocinando o Observatório do Vaticano para mostrar que apoia e encoraja as ciências, e que não há conflito.
Em quais projetos científicos você está trabalhando atualmente no Observatório do Vaticano?
Um dos projetos tem a ver com estrelas subanãs quentes, sobre as quais se pensa que evoluem de estrelas num sistema binário. O outro tem a ver com estrelas pulsantes, cujas luminosidades mudam periodicamente. Nosso objetivo é entender melhor esses sistemas, o que podem nos dizer sobre a estrutura interna das estrelas. É uma tarefa muito difícil, porque quando olhamos para uma estrela como o Sol, vemos o exterior e não o interior.
Assim como os católicos medievais construíam uma catedral ao longo de muitas gerações, você faz esse trabalho na esperança de que isso beneficie as pessoas ao longo das décadas?
Sim, as catedrais medievais eram edifícios interligados que muitas vezes levavam 200 anos para serem construídos. Da mesma forma o progresso da ciência é medido dia a dia em pequenos incrementos. Claro, você tem grandes revoluções em que a ciência dá um grande salto, mas o progresso normal é tão silencioso quanto a construção de uma catedral. Depois de muito tempo, você vê o quanto realmente foi construído.
O que você espera que as pessoas aproveitem de seu trabalho?
Apenas algo útil sobre Deus e sua criação, além da noção de que vivemos em um belo cosmos.
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Encontrar a Deus no cosmos. Entrevista com David Brown, S.J., astrônomo do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU