15 Setembro 2018
No dia 14 de setembro, terão se passado 20 anos da data de publicação da encíclica “filosófica” de João Paulo II, Fides et ratio. O filósofo italiano Luca Micelli escreve um breve texto para levantar algumas questões, publicado por Come Se Non, 13-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 14 de setembro de 1998, festa da Exaltação da Santa Cruz, João Paulo II assinou e emanou a sua 13ª encíclica, Fides et ratio, sobre a relação entre fé e razão. Nessa sexta-feira, portanto, a encíclica que, segundo alguns, foi o ápice do Magistério em matéria de filosofia, completará 20 anos.
Quanto a mim, esse evento não podia passar despercebido, até mesmo porque, para quem tem estudos filosóficos e teológicos sobre as costas, tal documento talvez seja um marco. Então, decidi marcar já há muito tempo essa data na agenda, convencido de que, enquanto isso, tanto as universidades quanto as mídias sociais (pelo menos aquilo que o algoritmo me propõe) submergiriam o debate com reflexões em torno desses 20 anos.
Mas, em vez disso, no meu pequeno círculo, parece-me que não foi assim. A uma semana de distância da data, enquanto me preparava para assumir a nova escola em que trabalharei neste ano, tentei fazer algumas buscas online. Nada, exceto alguns congressos no exterior (por exemplo, na Bulgária) ou uma jornada de estudos para professores na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, realizada há alguns meses.
Digo desde logo: não sei o quanto tudo isso corresponde plenamente à realidade, no sentido de que, para além da rede, neste momento, não tenho outro modo de verificar a presença ou não de debates em torno desses 20 anos. Por isso, a minha perspectiva é realmente muito limitada e parcial, e, portanto, espero que alguém me desminta, e que, talvez, as faculdades teológicas estejam repletas de eventos a esse respeito.
Mas, se realmente for assim, que esse aniversário esteja passando na surdina, eu me pergunto: o que aconteceu? Minha intenção aqui é justamente a de fazer interrogações, talvez para provocar um debate.
É possível que não tenha restado nada daquela atenção que estava tão próxima do coração de João Paulo II e do seu grande amigo e colaborador, primeiro, e sucessor, depois, Bento XVI? É isso? De uma hora para a outra?
Para mim, pessoalmente, sempre me chamou a atenção a “recuperação” por parte da Fides et ratio daquelas correntes de pensamento que, não se identificando totalmente com o tomismo, foram consideradas como pouco ortodoxas no passado (cf. FR 59).
Em particular, penso em Maurice Blondel, a quem estou ligado por um afeto intelectual especial, sobretudo quando João Paulo II o cita sem nomeá-lo (“houve quem tivesse elaborado uma filosofia que, partindo da análise da imanência, abria o caminho para o transcendente”, ibid.).
Blondel tinha feito da ação, que é o que de mais concreto e histórico uma pessoa pode fazer, uma categoria quase metafísica, entrevendo nela o ponto de contato entre o imanente e o transcendente, chegando a conclusões que permitem entrever uma síntese perfeita da unidade entre fé e razão.
Pergunto-me ainda: como é possível que, agora, não interessa mais a relação recíproca entre a fé e a razão? Porém, em sala de aula, nos colégios, mas não só, esse assunto sempre desperta debates acalorados e interessantes. Talvez tenhamos adormecido a partir desse ponto de vista? Em que prestamos atenção, então?
Qual a distância, hoje, entre uma atitude racional e uma adesão de fé? Talvez, tem-se medo de que a razão possa desmascarar aqueles princípios nos quais se confia cegamente sem pensar a respeito duas vezes, quase como se se quisesse constituir um álibi?
Na última parte da Fides et ratio, João Paulo II apela aos filósofos, pedindo-lhes, entre outras coisas, que aprofundem as dimensões do verdadeiro, do bom e do belo. O que resta desse apelo? Talvez tenhamos nos concentrado demais no primeiro dos transcendentais do Ser e negligenciamos os outros dois, o bom e o belo?
Provavelmente, hoje, 20 anos depois da Fides et ratio, precisamos recuperar esses dois aspectos, a partir do concreto da vivência eclesial, porque o bom e o belo, adequadamente narrados, são instrumentos racionais que contribuem para dar resposta, para dar razão daquela esperança que nos anima como pessoas que creem, para que aqueles que não compartilham o mesmo horizonte de fé não seja posto na condição de afirmar, de maneira simplista, que a fé é refúgio de quem não tem argumentos.
O verdadeiro, o bom e o belo, portanto, como elementos constantes e recorrentes de um pensamento filosófico, que “é frequentemente o único terreno comum de entendimento e diálogo com quem não partilha a nossa fé” (FR 104).
Com uma pitada de provocação, pergunto-me: neste tempo, em que assistimos a um pontificado definido como “pastoral”, depois de dois papas intelectuais que, de algum modo, nos formaram, como concretizamos agora esse anúncio que deveria partir de uma razão iluminada pela fé ?
E, para encerrar, novamente para suscitar um eventual debate, pergunto-me, de forma lapidar: o que aconteceu nesses 20 anos a ponto de entregar esse documento ao esquecimento?
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Um aniversário na surdina? Algumas perguntas sobre "Fides et ratio", 20 anos depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU