13 Julho 2020
Para o teólogo Jacques Arnould, nós observamos o espaço para aprender mais sobre nós mesmos, como em um espelho. Jacques Arnould é historiador da ciência, teólogo e especialista em ética do CNES (Centro Nacional de Estudos Espaciais). É autor, especialmente, de La Lune m'a dit... (A lua me disse, Cerf, 2019) e de Entre Terre et Ciel. Une éthique pour l'odyssée de l'espace (Entre céu e terra. Uma ética para a odisseia do espaço, ATF Press, 2020).
A entrevista é de Sixtine Chartier, publicada por La Vie, 10-07-2020. A tradução é de André Langer.
Jacques Arnould é autor do artigo Terra habitável: um desafio para a teologia e a espiritualidade cristãs, Cadernos Teologia Pública, no. 22.
Um vírus desconhecido paralisou o planeta. E, contudo, várias missões para Marte estão planejadas para acontecerem no final de julho. Não é um belo paradoxo?
Para quem acha isso impactante, deve-se notar que missões dessa natureza não são preparadas em poucas semanas, mas levam muito tempo. Se os lançamentos não forem feitos neste verão, levarão dois anos para encontrar novamente a configuração correta. Então, após esse período de isolamento – por razões de sobrevivência –, podemos nos perguntar sobre a necessidade de desvelar uma pequena parte do céu e observar outro lugar. Na minha opinião, qualquer saída da crise requer necessariamente um olhar para fora.
O planeta Marte não é o plano B da humanidade para escapar de todos os vírus e desastres imagináveis. Mas sua exploração mantém em nós essa extraordinária capacidade que o homem tem para se projetar. Portanto, para sair de situações como a que nos encontramos hoje. Entre as mil coisas que vão nos ajudar estão a arte, a ficção e a imaginação. Mas também a ciência. A curiosidade científica esconde um símbolo, no sentido original do termo: seu movimento nos conecta a algo diferente do que nós somos.
Não existe, no entanto, uma espécie de excesso no nosso desejo de ir a Marte?
O que poderia ser mais racional do que um engenheiro que elabora uma missão marciana? Enviar um veículo espacial para Marte envolve um conjunto de ações eminentemente razoáveis... mas imbuídas de uma dimensão onírica formidável. Portanto, existe uma forma de excesso. Felizmente! Caso contrário, talvez nunca tivéssemos saído das nossas cavernas. Isso faz parte da essência dos seres humanos.
A pandemia não é um sinal dos tempos que, pelo contrário, nos confronta com a nossa fragilidade?
É um sinal dos tempos no sentido mais profético. Na Bíblia, o profeta não é aquele que vê o futuro, mas aquele que tem uma visão lúcida do presente e que, a partir daí, pode eventualmente levantar um pouco o véu sobre o futuro. Nesse sentido, o tempo que vivemos carrega um sinal, um alerta, que nos convida a rever nosso comportamento individual e coletivo. Isso também se aplica à exploração espacial... Não para dizer que não devamos ir mais longe, mas para nos fazer a pergunta sobre a essência dessa exploração: o que há de bom a reter nisso para nós hoje? O aspecto “conquista” não tem grande interesse. Mas a curiosidade, a ousadia, o gosto pelo risco, o desejo de conhecer são valores que precisamos.
O que basicamente nos leva a ir a Marte?
Do ponto de vista científico, é a busca pela vida e pelas suas origens. Marte é a irmã mais nova da Terra. Os pesquisadores suspeitam que os dois planetas tenham começado da mesma maneira, de modo que eles se perguntam se não houve um começo de vida em Marte. No simbolismo humano, como, aqui, na pesquisa científica, o espaço serve como um espelho. Ao olhar para o espaço, esperamos aprender mais sobre nós mesmos. Além disso, o simbolismo mitológico mais antigo acerca do deus Marte e, mais recentemente, a ficção científica tiveram um papel importante na nossa atração pelo planeta vermelho. Marte também encarna o desconhecido espacial mais próximo em termos de distância e de símbolos culturais. A Lua já pertence ao nosso bairro próximo, é uma companhia. Marte continua sendo um desconhecido.
A conquista espacial tem raízes espirituais?
Se nos inserirmos na trilha espiritual na história da humanidade, encontraremos o fascínio pelo céu. Ela alimenta o sentimento religioso, talvez até o provoque. O céu nos deixa maravilhados, nos atrai e nos assusta – porque daí vem o melhor como o pior... E, ao mesmo tempo, é um mundo que nos é proibido, é o domínio dos deuses. A história da exploração espacial começou quando tínhamos os meios ideológicos, intelectuais e técnicos para contornar essa forma de proibição.
Quando a exploração espacial começou a se realizar a partir da década de 1960, permitiu que alguns se aproximassem de uma forma de experiência espiritual. Os astronautas costumam dizer que vivenciaram algo que ultrapassou a experiência física imediata. Isso não é necessariamente apresentado de maneira formal, por pudor ou porque faltam as palavras em um ambiente muito focado no operacional e no técnico. Não é certo que estejamos honrando suficientemente essa dimensão espiritual que o espaço pode nos proporcionar.
No entanto, existe uma verdadeira atração pelo espaço como lugar para uma busca espiritual, especialmente no cinema, por exemplo, com filmes como A Árvore da Vida ou Interestelar...
Podemos elencar também 2001 - uma Odisseia no Espaço, cuja dimensão espiritual é de tirar o fôlego. Os artistas são realmente de grande ajuda nesta área, mas ainda há um grande trabalho a ser feito, principalmente nas grandes religiões.
Os cristãos têm uma doutrina da exploração espacial?
Ela é extremamente indigente. Uma das razões é que as religiões monoteístas são muito antropocêntricas. Podemos compreender isso porque os problemas humanos são hoje primordiais. Mas tratemos de não esquecer muito este Universo que se revela, graças aos nossos telescópios, fonte de experiência espiritual renovada, porque é muito diferente das imagens que nós fazemos dele... A contemplação desse Universo, sua meditação e sua exploração poderiam desencadear descobertas espirituais e teológicas que não imaginamos ou que tememos.
Quais seriam essas descobertas teológicas?
Tomemos o exemplo de Giordano Bruno, um filósofo herético que se engajou, no século XVI, no caminho aberto por Nicolau Copérnico e foi além. Ele propôs a hipótese de que o Sol não era o centro do Universo e imaginou um mundo ilimitado. Em suma, um Universo – a palavra não existia na época – que tem proporções mais próximas daquilo que sabemos hoje do que na sua época, quando o homem estava no centro. Bruno encarna aquela pessoa que, em sua convicção filosófica e em sua fé, levou a sério o Universo ao seu redor e deixou-se questionar por ele. No nível espiritual, ele desenvolveu uma visão panteísta.
No entanto, hoje, essa questão não pode ser ignorada, porque as implicações são significativas. Devemos tentar manter o lugar central do homem na abordagem cristã, para o que João Paulo II nos convidou fartamente, e, ao mesmo tempo, levar em conta o Universo em que o homem está completamente perdido. É uma grande e terrível lacuna. Historicamente, houve menos humanos neste planeta do que estrelas na nossa galáxia, e sabemos que existem tantas galáxias quanto estrelas em nossa galáxia! Preocupar-se com cada um desses seres humanos que são irmãos e com essa visão estonteante do espaço e do tempo é uma verdadeira questão teológica para os cristãos.
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“A exploração do Universo pode suscitar descobertas espirituais”. Entrevista com Jacques Arnould - Instituto Humanitas Unisinos - IHU