15 Fevereiro 2019
A exploração espacial não é um trabalho para os impacientes. Quando a sonda Rosetta conseguiu pousar no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, em 2014, já se passara uma década desde o seu lançamento na Guiana Francesa e dez anos mais desde a aprovação de sua construção. A essas duas décadas teríamos que acrescentar o tempo de projeto da missão. Há alguns dias, Günter Hasinger (Oberammergau, Alemanha, 1954), o novo diretor de ciência da Agência Espacial Europeia (ESA), apresentava em Madri as próximas Rosetta, ou seja, a visão da Europa para o futuro da exploração espacial. Em novembro, em Sevilha, será realizada a reunião de ministros dos Estados membros da agência para decidirem as metas para os próximos anos. Entre as grandes missões já aprovadas se destaca a Juice, cuja partida rumo a Júpiter está prevista para 2022 para estudar suas luas. Os oceanos que parecem existir sob a superfície da Europa, Ganimedes e Calisto estão entre os lugares onde poderia haver vida dentro do Sistema Solar. Mais adiante, já em 2030, chegarão Athena e Lisa, um observatório espacial de raios-X e outro de ondas gravitacionais que prometem ver como nunca antes as fusões de buracos negros e estrelas de nêutrons e, nesse caminho, poderão resolver dilemas da física com mais de um século de idade. Hasinger também mencionou a possibilidade de se planejar uma missão até Urano e Netuno, dois planetas que nunca receberam a atenção de uma missão espacial específica.
A entrevista é de Daniel Mediavilla, publicada por El País, 13-02-2019.
Acha provável encontrar algum tipo de vida extraterrestre nas próximas décadas?
Em primeiro lugar, temos que deixar claro o que consideramos vida. Temos de diferenciar entre as formas de vida simples, como algas e bactérias que fizeram o nosso planeta ser habitável, terraformando a Terra durante bilhões de anos e produzindo o oxigênio para que outras formas de vida pudessem existir, e a vida inteligente. Algumas centenas de milhões de anos depois da formação da Terra já existiam as primeiras formas de vida, mas o surgimento de formas mais complexas requereu mais 3 bilhões de anos, por isso, as primeiras seriam muito mais abundantes.
As luas de Júpiter são o primeiro grande objetivo
científico da ESA (Foto: Nasa)
Por outro lado, na Terra encontramos vida em muitos lugares inesperados, no gelo das geleiras ou sob o manto terrestre. Agora sabemos que a biomassa total abaixo da superfície da Terra é maior que a biomassa acima de nós. Existem bactérias e outros organismos que vivem da decomposição radioativa, por isso têm ciclos de vida completamente diferentes dos que estamos acostumados. E há outro fator: quando estudamos cometas, um grande número de moléculas orgânicas foi encontrado. Há quem diga que a atmosfera dos cometas fede como um estábulo de cavalos e para mim isso significa que os tijolos básicos da vida, os pequenos elementos necessários para criar vida, já existem em cometas e em outros lugares.
Acho que deve haver formas simples de vida lá fora, o problema é como detectá-la. Por exemplo: acreditamos que havia vida em Marte bilhões de anos atrás, que havia água líquida na superfície, mas hoje ela está esterilizada pela radiação cósmica, portanto, todas as formas de vida que podem ter existido na superfície desapareceram. Para encontrar a vida, você tem que perfurar o solo. E algo semelhante acontece quando se olha, por exemplo, para Encélado ou Europa, as luas geladas de Saturno e Júpiter. Acreditamos que poderia haver vida sob uma camada de um quilômetro de gelo, em um oceano líquido que é muito difícil de alcançar. A questão não é tanto se descobriremos a vida, mas como será difícil descobri-la.
Quando falamos de exoplanetas, a mera existência de oxigênio em uma atmosfera já indica que algum tipo de terraformação ocorreu e que deve haver bactérias que criam oxigênio porque o oxigênio não vem do espaço exterior. Nos próximos dez ou vinte anos acho que encontraremos sinais de formas de vida simples fora da Terra. A questão de saber se vamos encontrar vida inteligente é completamente diferente. Eu acredito que há vida inteligente lá fora, mas está tão longe que não há possibilidade de nos comunicarmos com ela.
Que ações específicas essas missões podem realizar?
Acho que a primeira oportunidade que teremos é a missão de recuperar amostras da Fobos [a lua de Marte] com a sonda MMX. Nos próximos anos vamos trazer material do sistema marciano. Acho que a ExoMars 2020, quando tivermos o rover, também será um começo. Outra possibilidade é analisar os jatos de vapor de luas como Encélado e Europa, que surgem através das rachaduras no gelo e os gêiseres onde a água poderia carregar algum tipo de material orgânico, embora no momento não tenhamos instrumentos para fazer essas análises.
Depois, há missões como a Ariel, que fazem espectroscopia das atmosferas de exoplanetas e que poderiam encontrar biomarcadores. Eu apostaria em que isso pode acontecer nos próximos dez ou vinte anos.
Que grandes descobertas podemos esperar da missão Lisa e do telescópio Athena?
Acho que Lisa e Atena abordam questões fascinantes sobre a natureza dos buracos negros, da matéria escura e todo o universo escuro. Agora, com o interesse despertado pelos observatórios de ondas gravitacionais terrestres, há um interesse renovado em como os buracos negros se formam e o que acontece quando eles se fundem. Isso também pode servir para se compreender a matéria escura. Sabemos que existe, mas não temos ideia de que partículas a formam. E também não entendemos de onde vêm os buracos negros, vemos os quasares primitivos, no universo primitivo, onde já existem buracos negros, e não sabemos de onde vêm. E há uma especulação que é emocionante, embora não haja acordo sobre se é plausível: se os buracos negros são realmente parte da matéria escura, se os buracos negros estão contribuindo ou até mesmo são basicamente matéria escura.
Estas são questões que podem ser estudadas pela Lisa e o Athena. Porque Lisa e Athena encontrarão bem cedo fusões de buracos negros no universo e serão capazes de estimar quantos existem e se estão conectados à luz e à matéria normal. Acho que as próximas duas décadas serão dominadas pelo estudo dos planetas extrassolares, mas nos vinte seguintes voltará a ciência gravitacional que nos ajudará a entender o que aconteceu na origem do universo.
O senhor está interessado em Oumuamua, o primeiro objeto de fora do sistema solar que foi possível observar. Concorda com os pesquisadores de Harvard que afirmam que é provavelmente um artefato construído por seres inteligentes?
Acho que, se você ler o artigo que publicaram, eles não afirmam realmente que se trata de algo artificial, mas que não se pode descartar que seja um objeto artificial. Mas, então, a imprensa pegou essa afirmação e disse que os astrofísicos de Harvard disseram isso. Do meu ponto de vista, eles se referiam a uma ideia que foi discutida há algum tempo sobre a possibilidade de viajar para outros planetas com uma vela solar. Algo relacionado à iniciativa Breakthrough Starshot, na qual Stephen Hawking, antes de morrer, também se envolveu. Consistia em enviar um artefato como um smartphone com uma grande vela solar. Quando você lhe dá impulso com um feixe de laser, pode acelerá-lo até uma fração da velocidade da luz e assim seria possível chegar à estrela mais próxima em pouco tempo. Eu sou cético sobre essa tecnologia, porque a vela tem que ser uma estrutura extremamente fina e muito grande, com centenas de metros. Você tem que impulsioná-la com um raio laser e a quantidade de energia necessária para acelerá-lo é tão grande que você basicamente fritaria a vela em vez de acelerá-la.
Mas suponha que exista uma civilização que tenha superado esse problema da vela solar e ela não queime. Então, em princípio, seria possível enviar uma sonda até outra estrela. Mas se fosse assim, Oumuamua estaria se movendo muito devagar. Mas se move a cerca de 30 quilômetros por segundo quando, com uma vela solar, estaria se movendo a cerca de 10.000 quilômetros por segundo.
Além disso, há explicações naturais bastante dignas de crédito. Não vimos uma cauda de cometa, então deve ser um tipo especial de cometa que não vimos no sistema solar. Isso pode ser explicado pelo fato de ter viajado por milhões ou centenas de milhões de anos, e talvez tenha perdido a maior parte de seu gás porque está passando por uma nova estrela a cada um milhão de anos, aproximadamente. Existem explicações naturais para o fenômeno, embora não as compreendamos completamente.
Mesmo se nos próximos anos encontrarmos sinais de vida em um planeta extrassolar, no universo tudo está tão longe que nunca poderíamos visitá-lo.
Se você pensa em uma escala humana, é impossível que ao longo de uma vida se chegue a algum lugar. Mas se você tem uma civilização inteligente capaz de construir robôs, e estes robôs vão a outro planeta, e depois estes robôs podem construir uma fábrica para construir mais robôs, você pode produzir um efeito bola de neve e em algumas centenas de milhões de anos você poderia povoar com robôs todos os planetas da galáxia. Então, há quem considere que, já que esses robôs não chegaram à Terra, podemos pensar que não há nenhuma civilização na galáxia com essa capacidade, porque se houvesse já estariam aqui. Mas, em princípio, seria possível se não se pensa em povoar a galáxia em uma geração humana, mas durante a vida de uma civilização completa. Portanto, o fator final é a longevidade de nossa civilização. Se matarmos nosso planeta de agora a mil anos, não haverá possibilidade de se comunicar com outras civilizações, particularmente se elas também não souberem cuidar de seus planetas.
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"Encontraremos sinais de formas de vida simples fora da Terra nos próximos anos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU