10 Outubro 2019
Em 1994, Michel Mayor fez uma descoberta histórica, de alcance mundial, por isso não disse nada a ninguém e esperou até que ela estivesse mais do que confirmada. No ano seguinte, em junho, esse astrofísico e seu aluno Didier Queloz voltaram a usar seu telescópio do observatório de Haut-Provence (França) para observar a 51 Pegasi, uma estrela a 50 anos-luz da Terra. O sinal ainda estava lá.
“Naquela época, este campo de estudo era muito menosprezado porque durante décadas tinham sido feitos muitos anúncios de exoplanetas e todos provaram ser falsos”, recorda Mayor. A luz de seu astro cintilava, indicando que havia um mundo descomunal, do tamanho de Júpiter, orbitando a estrela, mas era impossível. As leis da física previam que, para descobrir um planeta assim, eram necessários 10 anos de observação, o tempo que demoraria para tal planeta dar uma volta completa em torno de sua estrela. Este fazia isso em apenas quatro dias. Era um planeta que não podia existir, mas ali estava. “Tínhamos certeza da qualidade da nossa medição, mas nem tanto da interpretação”, admite Mayor.
A descoberta do primeiro exoplaneta foi confirmada naquele mesmo ano. Mayor e Queloz inauguraram um novo campo da astrofísica. Não só existem no universo planetas inconcebíveis fora do nosso sistema solar, como são muitos, pois desde então foram descobertos 4.057 exoplanetas, alguns deles do tamanho da Terra e com capacidade de abrigar vida.
Mayor conta que na terça-feira às 11h45 da manhã resolveu abrir o computador. Clicou em um link e ficou sabendo que tinham lhe dado o Nobel.
Começaram a chegar centenas de mensagens. Respondia uma e chegavam mais cinco. Fechei o computador e não voltei a abri-lo”, explica ao EL PAÍS o astrofísico suíço de 77 anos, ganhador do Nobel de Física de 2019 juntamente com Queloz pela descoberta do primeiro exoplaneta e com James Peebles pela contribuição deste à cosmologia.
Na própria terça-feira, recém-chegado a Madri para visitar o Centro de Astrobiologia e dar uma conferência em Almagro, Mayor, professor emérito da Universidade de Genebra, respondeu às perguntas deste jornal.
A entrevista é de Nuño Domínguez, publicada por El País, 09-10-2019.
A Real Academia de Ciências da Suécia concede-lhe o prêmio por mostrar “o lugar que a Terra ocupa no cosmos”. Que lugar é esse?
As estatísticas dizem que há bilhões de planetas em nossa galáxia, a Via Láctea. Muitos são como a Terra. Parte deles está na distância exata de sua estrela para que haja uma temperatura adequada e ocorra a química complexa necessária para que surja a vida. Com base nisso, as probabilidades de que haja vida no universo são descomunais. Agora o importante é procurar os exoplanetas que estão mais perto de nós para que possamos captar mais fótons e analisar a química de sua atmosfera.
Encontraremos vida nesses planetas?
Pelo menos sabemos como fazer isso. Podemos detectar os biomarcadores na atmosfera que demonstram que há vida neles. Mas não temos os instrumentos para analisar a luz do planeta, algo muito complicado, porque sempre há uma enorme quantidade de luz emitida pela estrela e é difícil separá-las. Estou convencido de que existe vida em muitos lugares do universo.
Os planetas extrassolares, mesmo aqueles considerados habitáveis porque podem conter água líquida, são ambientes muito expostos à radiação estelar...
Podem ser formas de vida mais simples do que nós. Os elementos químicos são sempre os mesmos, mas há muitas possibilidades de diversidade. Pense, por exemplo, na Terra, no quanto os animais que vivem sobre a terra são diferentes dos que estão no oceano, ou em um deserto, ou em uma floresta... Como é realmente a vida em outros planetas? É uma questão preciosa e enorme para a próxima geração.
Giordano Bruno, que foi queimado pela Igreja no século XVII, propôs que existem muitos outros sistemas no universo, o que não se encaixa no relato cristão da criação. Qual é o lugar de Deus no universo?
A visão religiosa diz que Deus decidiu que houvesse vida apenas aqui, na Terra, e a criou. Os fatos científicos dizem que a vida é um processo natural. Acredito que a única resposta é investigar e encontrar a resposta, mas para mim não há lugar para Deus no universo.
Qual é a possibilidade de que alguns desses milhares de planetas com vida sejam Terras como a nossa?
Encontrar vida evoluída, uma civilização, é uma pergunta completamente diferente. É muito mais difícil, por enquanto não é possível responder. Posso passar o resto da minha vida feliz tentando responder apenas à pergunta sobre se há vida além da Terra.
O primeiro exoplaneta que você descobriu estava a 50 anos-luz e é um gigante gasoso, como Júpiter. O exoplaneta terrestre mais próximo da Terra, o Proxima b, descoberto em 2016, está a 4,5 anos luz. Algum dia será possível explorar algum desses mundos?
Nunca poderemos ir. Os humanos demoram três dias para viajar até a Lua. A luz só precisou de um segundo. Imagine um planeta a 12 anos-luz. A luz demora um bilhão de segundos para chegar. Multiplique três dias por um bilhão, é muito tempo. É uma fantasia pensar que podemos ir até lá. Existe um projeto para enviar minissatélites para Proxima b, acelerados com laser até quase a velocidade da luz. É muito difícil, mas mesmo que dê, um artefato a essa velocidade que passe durante uma fração de segundo ao lado do planeta não poderá captar nada interessante. Não aprenderemos nada! Nossa única opção é desenvolver métodos de detecção remota baseados na química.
Muitos dos exoplanetas terrestres descobertos estão em torno de estrelas anãs vermelhas, diferentes de nosso Sol. Isso afeta a possibilidade de que haja vida?
Descobrimos algumas centenas de planetas usando a técnica da velocidade radial. No ano passado, minha equipe começou a operar um novo espectrógrafo, chamado Esspreso, que pode se conectar a quatro telescópios de oito metros de diâmetro em Paranal, no Chile. Com esse instrumento, já temos a capacidade de detectar um planeta de massa baixa [semelhante à Terra]. Além disso, o E-ELT nos dará uma enorme capacidade para detectar biomarcadores em planetas terrestres.
Estão em estrelas como o Sol?
A maioria dos esforços atuais se baseia em estrelas menores, porque a zona habitável está mais próxima do astro e é mais fácil analisá-la. Mas, pessoalmente, acredito que a zona habitável está tão perto da estrela que pode haver um enorme bombardeio de partículas estelares, o que pode tornar difícil a existência de vida. Eu me inclino a procurar nas estrelas anãs laranja, que são um ponto intermediário entre as anãs vermelhas e o nosso Sol, com uma massa de 0,7 sóis. Para o futuro, aposto nessas estrelas.
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“Não há lugar para Deus no universo”, diz o Nobel de Física Michael Mayor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU