26 Agosto 2020
"Frings tornou-se 'um herói' e Ratzinger, 'o mais jovem perito da maior e mais importante assembleia eclesial de todos os tempos', 'uma estrela'", escreve Anselmo Borges, professor de Filosofia, em artigo publicado por Religión Digital, 23-08-2020.
Joseph Ratzinger e Joseph Frings. (Foto: Religión Digital)
No dia 11 de outubro de 1962, foi a inauguração solene do Concílio Vaticano II, o maior acontecimento em número de participantes na História da Igreja e de consequências mais significativas também — o general De Gaulle considerou-o o maior acontecimento do século XX. De 133 países seguiram para Roma 2540 Padres conciliares; o seu número ascendia a 2908, mas muitos não puderam comparecer. Pela primeira vez, houve mulheres convidadas e também observadores protestantes e ortodoxos.
Nos Concílios anteriores, a finalidade era um tema concreto e para condenar heresias. Neste, tratava-se do aggiornamento (atualização e abertura) da Igreja, não para condenar, mas para ir ao encontro do mundo moderno, estabelecendo pontes. Como disse João XXIII, para quem o Concílio devia ser um “novo Pentecostes”, a Igreja “julga satisfazer melhor as necessidades de hoje mostrando a validade da sua doutrina do que renovando condenações”. Nos documentos conciliares, afirma-se que a Igreja é Povo de Deus, a hierarquia vem depois; afirma-se a colegialidade episcopal, promove-se o apostolado dos leigos; a revelação não é uma herança enregelada, mas viva e dinâmica; reformou-se a liturgia e introduziu-se o vernáculo; renovou-se a formação do clero; afirmou-se a liberdade religiosa; aprofundou-se o ecumenismo e o diálogo inter-religioso; a Igreja é um serviço a toda a Humanidade... Pergunto a mim mesmo muitas vezes o que seria hoje a Igreja sem o Concílio.
A festa da abertura terminou com um acontecimento “inesquecível”, segundo Ratzinger. Ao anoitecer, uma multidão de meio milhão de pessoas com tochas na mão concentrou-se na Praça de São Pedro e, com o luar, formou uma cruz imensa. João XXIII veio à janela, acenando: “Quando voltardes para casa, dai aos vossos filhos um beijo de boa noite e dizei: é um beijo de boa noite do Papa. Que saibam que o Papa sobretudo nas horas mais tristes e duras está junto dos seus filhos. Ele é um irmão que, por vontade de Nosso Senhor, se tornou pai.”
(Foto: Religión Digital)
Os trabalhos conciliares começaram, e estava tudo preparado pela Cúria para que se mudasse alguma coisa ficando tudo na mesma. À frente, o cardeal Ottaviani, o chefe da então Inquisição, que disse: “eu peço a Deus para morrer antes de o Concílio terminar, assim posso morrer católico”. Mas um conjunto de cardeais da Europa central e do norte exigiu mudanças, liberdade para discutir livremente, e começou a revolução conciliar que “mudou a Igreja para sempre”, escreve Peter Seewald, que acrescenta: “o Cardeal Frings, de Colónia, e o seu conselheiro Ratzinger viraram o Concílio”.
A revista Der Spiegel escreveu então que Frings, que era um conservador, tinha dado o tom no discurso de Genova. “Nele, pela primeira vez na sua vida, disse que a Igreja tinha de rever formas tradicionais, como o Index (dos livros proibidos), e a sua respectiva praxis, pois as pessoas são tremendamente críticas e hostis contra todos os sinais totalitários de comportamento. Exigiu também que se tinha de dar suma importância à ideia de tolerância, de atenção à liberdade dos outros. E sublinhou ainda o tema que no Concílio afirmou como central: a Igreja precisa de uma intensificação do poder episcopal.” O que a revista não sabia é que o texto completo do discurso provinha de Ratzinger.
Frings tornou-se “um herói” e Ratzinger, “o mais jovem perito da maior e mais importante assembleia eclesial de todos os tempos”, “uma estrela”. O Concílio terminou em 1965 e Ratzinger, com 38 anos, encontra-se no cume da carreira, “tinha atingido tudo o que um professor pode querer: notoriedade, reconhecimento, influência.” Em 1966, ascende à Universidade de Tubinga, “o Olimpo da Teologia alemã”, onde reencontra o seu colega e amigo Hans Küng. Mas pouco depois deixa Tubinga que troca por Regensburg (Ratisbona). Que se passou? Este é o tema da próxima crônica.
Karl Rahner e Joseph Ratzinger.
(Foto: Religión Digital)
De qualquer forma, em 1970, apontando para a Igreja do ano 2000, ainda se pronunciou de modo aberto sobre temas complexos, em relação aos quais voltaria atrás mais tarde. A “Igreja tornar-se-á pequena. Com o número dos seus membros, perderá muitos dos seus privilégios... Conhecerá também certamente novas formas do ministério e ordenará como padres cristãos que deram provas, que têm a sua profissão... Juntamente com estes é indispensável o padre oficial como até agora. O futuro da Igreja não virá daqueles que só têm receitas... O processo será longo e difícil..., mas de uma Igreja interiorizada e simples sairá uma grande força. Porque as pessoas num mundo totalmente planificado sentir-se-ão indizivelmente sós. Com o desaparecimento de Deus, experimentarão a sua total e terrível pobreza. E descobrirão então a pequena comunidade dos crentes como algo completamente novo. Como uma esperança, como uma resposta pela qual secretamente sempre suspiraram, como pátria que lhes dá vida e esperança para lá da morte.”
Também o celibato foi um tema debatido: “por um lado, a defesa do celibato, mas, por outro, deixar a questão em aberto.” Quanto era para ele importante o tema da ordenação dos chamados viri probati (homens de fé provada, casados ou não), mostra-se numa carta de 1971: “Ouço dizer que os bispos alemães se terão pronunciado contra; infelizmente, pois parecia-me ser o caminho para, com sentido e sem quebra da tradição, criar novas possibilidades.” Em 1972, Ratzinger manifestou-se também aberto a novas soluções para a possibilidade da comunhão para divorciados recasados. (Continua)
Joseph Ratzinger e Yves Congar. (Foto: Religión Digital)
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Bento XVI. Ratzinger, uma estrela no Concílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU