Os dois concílios de Ratzinger. Artigo de Massimo Faggioli

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16 Fevereiro 2013

Eis o núcleo do pensamento ratzingeriano: uma antropologia agostiniana fundamentalmente pessimista, uma Weltanschauung que vê o mundo e a Igreja como duas forças em contraposição e irreconciliáveis senão às custas da eliminação do "caráter cristão" da Igreja.

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 15-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O bom-humor de Bento XVI que fala do Concílio Vaticano II aos padres da diocese de Roma, da qual é bispo, é típico de uma pessoa que tirou um peso enorme de cima de si. Um papa visivelmente aliviado – e aparentemente em boa saúde, falando por 50 minutos de improviso e com clareza admirável – profere aos padres romanos uma apaixonada e às vezes comovente lição sobre o Concílio.

No seu discurso, Joseph Ratzinger repropôs não só a sua visão sobre o Vaticano II, mas também anedotas pessoais, como a sua relação com João XXIII e com o cardeal Frings durante o Concílio, e referências à questão da responsabilidade da Igreja e dos cristãos no Holocausto.

Mas o centro do discurso está na contraposição entre "o Concílio dos Padres do Concílio, o da fé" e "o Concílio dos meios de comunicação".

O paradoxo é que essa lição sobre a divisão entre as duas interpretações do Vaticano II é transmitida justamente pelos meios de comunicação – pelo Centro Televisivo Vaticano, mas depois retomada por muitas outras redes e jornais. Essa contraposição entre Concílio teológico (dos bispos, dos teólogos, dos fiéis) e Concílio sociológico (dos meios de comunicação e do "mundo", na sua acepção metafísica) se reconecta à homilia da Quarta-feira de Cinzas, em que o papa renunciante apontara o dedo contra os cristãos que querem agradar "o público" e não o Senhor, que buscam o aplauso e não a verdade: ele também se referia à Cúria Romana, justamente como fez na homilia anterior ao conclave de 2005, que o levou ao pontificado.

Estamos aqui no núcleo do pensamento ratzingeriano: uma antropologia agostiniana fundamentalmente pessimista, uma Weltanschauung que vê o mundo e a Igreja como duas forças em contraposição e irreconciliáveis senão às custas da eliminação do "caráter cristão" da Igreja. O Concílio Vaticano II de Ratzinger é um Concílio ainda válido na sua teologia, especialmente naquela relativa à interpretação da Palavra de Deus nas Escrituras, a teologia da constituição Dei Verbum. Mas o Concílio foi, infelizmente, desviado pela interpretação interessada que lhe foi dada pelos meios de comunicação e – sobre isso, nessa quinta-feira, Bento XVI foi misericordioso – por aqueles teólogos e católicos convictos de que o Concílio havia finalmente reaproximado Igreja e mundo.

Essa divisão reflete a do discurso mais célebre de Bento XVI sobre a interpretação do Concílio, o do dia 22 de dezembro de 2005, em que o papa distinguia entre "hermenêutica da continuidade e da reforma" e "hermenêutica da descontinuidade e da ruptura". Aquele discurso foi logo enviesado pelos spin doctors do catolicismo tradicionalista em uma clara divisão entre "continuidade e descontinuidade" (veja-se sobre isso Interpretare il Vaticano II. Storia di un dibattito, Ed. EDB, 160 páginas, recém-chegado às livrarias). O pensamento ratzingeriano é mais refinado do que isso: mas entre os erros do pontificado também está o de não ter conseguido moderar os instintos reacionários de muitos ratzingerianos muito menos refinados do que Ratzinger.

O papa não participará do conclave, mas esse discurso e o das próximas duas semanas darão sinais importantes para o posicionamento de muitos cardeais que se preparam para o conclave. Basta ler a lectio magistralis do cardeal Scola no congresso romano sobre o Concílio, realizado em outubro de 2012: naquele discurso (otimamente editado pela revista Il Regno, de Bolonha), Scola tomava como sua a leitura ratzingeriana do Concílio, mas oferecia deslocamentos significativos da vulgata oficial do ratzingerismo dos blogs reacionários.

Os cardeais em curso devem caminhar em uma linha sutil, a linha entre a interpretação do Vaticano II de Bento XVI e a sua própria visão do Concílio: na habilidade de jogar entre o "já" de Bento XVI e o "ainda não" do seu sucessor, se decidirá boa parte do conclave de 2013 e do futuro da Igreja Católica.

Veja também:

A íntegra, em italiano, da conversa de Bento XVI com o clero romano
O vídeo da conversa de Bento XVI com o clero romano

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