10 Agosto 2020
Dom Robert Carlson, arcebispo de Saint Louis, no estado americano do Missouri, é um entre os poucos bispos e outras lideranças católicas dos EUA que publicaram comunicados ou reflexões sobre a ideologia de gênero.
A reportagem é publicada por Catholic News Agency, 08-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Cristo se aproxima com amor e compaixão, bem com um desafio, às pessoas que experienciam uma discordância entre a própria identidade de gênero e o sexo biológico, disse Dom Robert Carlson, da Arquidiocese de Saint Louis, em uma reflexão datada de 1º de junho.
“Se você se sente desconfortável com o seu sexo biológico, ou se acha que tem uma identidade de gênero em desacordo com o seu sexo biológico, aqui vai a primeira coisa que quero que saiba: Deus ama você. Ele o ama exatamente assim. Ele tem um plano para você”, disse Carlson.
“Somos filhas e filhos queridos de Deus em nossos melhores e piores momentos. E quando Jesus vem a nós com uma palavra de compaixão, ele sempre vem com uma palavra desafiadora também”, acrescentou. “Sim, ele nos ama exatamente assim; isto não significa que ele simplesmente reafirme ou celebre onde nos encontramos na vida”.
A reflexão, de doze páginas, observa que as pessoas que experienciam uma disforia de gênero são “singularmente vulneráveis” e devem ser tratadas com cuidado e compaixão. O arcebispo também nota que a Igreja tem o dever de ensinar e reafirmar uma antropologia cristã que entenda a unidade da identidade de gênero e o sexo biológico como um caminho para o florescimento humano e, em última instância, para o céu.
“Deus nos fez homem e mulher. Deus também nos fez uma união de corpo e alma. Deus tem um propósito e um plano ao nos dar o corpo masculino ou feminino que temos”, escreveu o arcebispo.
Carlson falou que a inspiração para escrever esta sua reflexão veio após a visita que foi feita ao Papa Francisco por ele e demais bispos de sua região, em janeiro de 2020. Durante a visita, Francisco incentivou os bispos a abordarem a questão da ideologia de gênero com os católicos em suas dioceses.
Carlson é um dos poucos bispos e lideranças católicos dos EUA que publicaram notas ou comunicados sobre a ideologia de gênero, bem como diretrizes para aqueles com disforia de gênero que participam das instituições ou eventos diocesanos. Recentemente, o Vaticano emitiu documentos sobre o tema, entre eles um livro lançado em junho pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, bem como o documento, de 2019, intitulado “Homens e Mulheres os criou”, emitido pela Congregação para a Educação Católica.
Dom Robert Carlson afirmou que esta sua reflexão não faz um “tratamento completo” do problema, mas aborda um pouco dos seus “aspectos principais”.
O arcebispo disse que queria que a sua reflexão começasse e acabasse com pensamentos de compaixão e cuidado pelos que convivem com a disforia de gênero, o que, observou o religioso, é uma condição que põe as pessoas “a correrem sérios riscos de saúde”. Esta população é marcada por um índice maior de ansiedade, depressão e abuso de substâncias, além de cometerem muito mais tentativas de suicídio do que a população em geral. “São singularmente vulneráveis”.
Os indivíduos que sofrem de disforia de gênero são sofredoras, afirmou o prelado. Quer as pessoas que acreditam que o gênero delas não combina com o sexo biológico façam uma escolha livre, quer estas pessoas acham se tratar de uma condição que experienciam sem a livre vontade, Cristo aproxima-se dos que sofrem, notou o arcebispo.
Alguns exemplos da aproximação de Cristo aos que sofrem, extraídos dos Evangelhos e trazidos no texto de Carlson, incluem Zaqueu, o cobrador de impostos, a quem Cristo visita em sua casa, e a mulher com hemorragia, a qual Cristo curou quando ela tocou em seu manto por causa da fé que ela tinha.
“Quer falemos dos pecados que livremente escolhemos, quer falemos das condições as quais os Evangelhos não esclarecem o suficiente: não importa qual seja o nosso sofrimento, Jesus veio pelos que sofrem. Ele não se afasta, ele se aproxima”.
Mas Cristo também desafia as pessoas a viverem de acordo com o seu desígnio, acrescentou o prelado.
“Quando o homem rico veio para perguntar sobre a vida eterna, Jesus o acolheu e o desafiou. Ele fez o mesmo a vários outros com quem se encontrou nos Evangelhos. Esperamos que ele faça o mesmo conosco. Tanto a acolhida quanto o desafio são expressões de seu amor”, escreve Dom Robert Carlson.
No citado relato evangélico, um homem rico se aproxima de Cristo e pergunta o que deve fazer para ter a vida eterna. Cristo lhe diz para seguir os mandamentos, vender tudo e dar o dinheiro aos pobres e segui-lo. O homem “foi embora cheio de tristeza, porque ele tinha muitas propriedades”.
“Alguma vez você já se perguntou se ele voltou? Acho que parte da razão pela qual nós nunca ouvimos é que o objetivo ulterior desse relato não é o que lhe aconteceu. O objetivo é: Eu sou o homem rico, Jesus pede algo de mim e eu tenho que decidir como responder. Posso ir embora cheio de tristeza, ou posso acolher este desfio”, disse o arcebispo.
O desafio às pessoas com disforia de gênero, então, é viver de acordo com os desígnios divinos para a sexualidade, que não separa sexo do gênero, notou Carlson.
“Com base na unidade da pessoa humana, o desafio básico neste assunto está articulado no Catecismo da Igreja Católica quando diz: ‘Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a sua identidade sexual’. Muito antes de a ideologia de gênero ser um tópico cultural, o Catecismo já nomeava a questão central: trata-se de uma questão de reconciliarmos com os fatos físicos da identidade sexual, não tentar mudar os fatos segundo a forma como pensamos e sentimos”, disse.
Isso não significa que devemos viver de acordo com estereótipos rígidos, concluiu.
“A forma como vivemos a nossa identidade masculina e feminina certamente é diversa, e precisa haver espaço para que assim seja. Há uma grande variedade de personalidades, e elas nem sempre se encaixam em estereótipos de gênero. O que não significa que ser homem ou mulher é negociável, ou que podemos separar o sexo e o gênero. Ser homem ou mulher está escrito em cada célula do nosso organismo e faz parte da unidade corpo-alma que somos”.
Uma compreensão católica da antropologia sustenta essa unidade da pessoa, observou Dom Robert Carlson, inclusive a unidade entre sexo e gênero.
“A compreensão católica da pessoa humana sustenta que o sexo e o gênero não podem se separar, e que existem limites na forma como devemos manipular o nosso corpo. Segundo a compreensão católica, há, e deve haver, uma unidade profunda da pessoa humana: ‘É do sexo, efetivamente, que a pessoa humana recebe aqueles caracteres que, no plano biológico, psicológico e espiritual, a fazem homem e mulher, condicionando por isso, em grande escala, a sua consecução da maturidade e a sua inserção na sociedade’”, escreveu o bispo citando Persona Humana, declaração sobre alguns pontos de ética sexual emitida pela Congregação para a Doutrina da Fé, em 1975.
Para que os seres humanos experimentem a verdadeira liberdade, a Igreja ensina que eles devem ser tanto capaz de escolher livremente quanto escolher livremente o que é bom.
“Podemos todos nomear exemplos de pessoas escolhendo livremente algo que é mau para elas e mau para os demais. A liberdade aperfeiçoa-se na combinação da escolha livre com a escolha do que é bom”, disse.
“Uma simples analogia podemos extrair de quem toca um instrumento musical. Não temos mais liberdade só porque nunca tivemos aulas de música. Temos mais liberdade para fazermos boa música quando tivermos alguma formação e disciplina. O mesmo é verdade para a excelência na vida humana”.
Em aplicações práticas deste ensinamento, Carlson falou que as pessoas com disforia de gênero devem ser acolhidas nas instituições e nos eventos católicos da arquidiocese, mas com a compreensão de que a unidade do gênero e sexo será respeitada, incluindo o emprego de pronomes, bem como banheiros e vestiários, que combinam o sexo biológico, “desse modo proporcionando ao nosso corpo o pudor saudável e a dignidade merecida sob tais circunstâncias”.
“Aqueles que experienciam uma discordância com o seu sexo biológico não devem ter negada a admissão em escolas católicas nem a participação em eventos arquidiocesanos ou paroquiais, desde que concordem em seguir estas diretrizes”, acrescentou. “É importante que estejamos dispostos a ajudar as pessoas nas lutas e nos problemas por quais passam. A nossa solução não pode ser abandoná-las e só acolhê-las depois que resolveram as suas questões por conta própria. Queremos estar com as pessoas, precisamos estar lá para elas e com elas, em meio a seus problemas e suas lutas”.
Na sua reflexão, Dom Robert Carlson também conta com as palavras do Papa Francisco, quem, inúmeras vezes, falou ou escreveu sobre o problema da ideologia de gênero.
Na encíclica de 2015, Laudato Si’, Francisco escreve que a aceitação do sexo biológico de alguém como um dom divino e como a fundação da identidade da pessoa é central para uma “verdadeira ecologia humana”.
“A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes sutil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana”, escreveu o Papa Francisco.
“Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente. Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda ‘cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela’”, acrescentou o papa.
No fim de sua reflexão, o religioso americano declarou que a Igreja e seus membros devem sempre falar a verdade a respeito do gênero e do sexo com “caridade e clareza”. Ele nota que a Igreja sempre deve rejeitar a violência e a discriminação injusta para com os que experienciam a disforia de gênero, e que estes devem ser tratados como “irmãos e irmãs”. O religioso igualmente acrescentou que a Igreja precisa estar lá para cuidar dos que sofrem após escolherem intervenções médicas ou hormonais, da mesma forma que a Igreja acompanha as mulheres que sofrem após a realização de um aborto.
“Já que experimentamos o amor misericordioso de Jesus, então que levemos este amor misericordioso ao mundo”, concluiu o prelado. “E lembremos que o seu amor sempre tem duas partes: compaixão e a verdade desafiadora sobre os desígnios divinos. Se deixarmos de lado uma delas – a compaixão ou o desafio –, o nosso amor não será plenamente cristão”.
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Jesus acolhe e desafia aqueles que lidam com a identidade de gênero, afirma arcebispo norte-americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU