16 Julho 2020
"Historicamente a Igreja resiste a desenvolvimentos filosóficos, mas, em muitas áreas, acaba aceitando aqueles que defendem a dignidade da pessoa humana. É chegada a hora de a Igreja abandonar “o bicho-papão da ‘ideologia de gênero’” e seguir o conselho de Pe. Daniel P. Horan, de “aprender mais com as ciências naturais e sociais sobre a maravilhosa diversidade da criação de Deus”, escreve Madeline Foley, em artigo publicado por New Ways Ministry, 15-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A frase “ideologia de gênero” foi desenvolvida ao longo dos últimos três pontificados para demonizar e excluir pessoas LGBTQs. Em artigo publicado no sítio National Catholic Reporter, o Pe. Daniel P. Horan, OFM, franciscano e professor da cátedra Duns Scotus de Espiritualidade na Catholic Theological Union, em Chicago, analisa o uso dessa frase e observa: “Já é tempo de rejeitarmos os argumentos especiosos como os que sustentam a política de direita e pautas eclesiais que promovem o bicho-papão da ‘ideologia de gênero’”.
Todos os desenvolvimentos humanísticos e científicos do ensino católico sofreram resistências, afirma Horan. A Igreja demorou a reconhecer o direito à liberdade religiosa e a condenar a escravidão, porque tais desenvolvimentos constituíam ameaças percebidas à teologia tradicional. Horan nos lembra que as mudanças nesses ensinos, hoje indiscutíveis, na época foram consideradas “heréticas”, “ameaçadoras”, “infundadas” e “contrárias à lei natural”.
Esses desenvolvimentos, embora inicialmente vistos como ameaçadores, eram necessários para proteger a humanidade das pessoas, argumenta o teólogo. Uma dinâmica semelhante ocorre atualmente na Igreja em relação a questões de inclusão LGBTQ. Os opositores aos movimentos de direitos LGBTQs agora afirmam que esses movimentos tem motivação em uma filosofia denotada pelo título depreciativo de “ideologia de gênero”.
A frase “ideologia de gênero”, escreve Horan, “é empregada nos círculos católicos para causar graves prejuízos às pessoas que já são vulneráveis em uma sociedade injusta”.
O uso mais recente e público da frase ocorreu em junho passado, quando a Congregação para a Educação Católica publicou um documento “condenando a ascensão da ‘ideologia de gênero’” e alertando as instituições educacionais católicas a não sucumbirem ao que caracterizava como “nada mais do que um conceito confuso de liberdade no campo dos sentimentos e desejos”.
Horan observa que essa abordagem negativa à igualdade LGBTQ desenvolveu-se ao longo dos últimos três pontificados. Segundo ele, tal abordagem começou com
(…) os pronunciamentos catequéticos do Papa João Paulo II sobre a “complementaridade de gênero”, naquilo que os seus devotos chamam de “teologia do corpo”, e continuou com a identificação daquilo que o Papa Bento XVI chamou de “ditadura do relativismo”, e nas declarações ad hoc do próprio Papa Francisco, sinalizando seu descontentamento pessoal com aquilo que ele chama de “ideologia de gênero”, comparando esse conceito amorfo com a “guerra nuclear” e com o “nazismo”.
Mais recentemente, escreve Horan, os bispos americanos empregaram o termo em relação à sua recente decisão de não discriminação no ambiente de trabalho. O padre franciscano afirma:
Esta tendência é notável à luz da recente decisão da Suprema Corte, que estende as proteções no ambiente de trabalho a pessoas LGBTQs sob o Título XVIII da Lei de Direitos Civis dos EUA, porque a declaração da conferência episcopal americana sobre a determinação do tribunal alude a temas frequentemente associados com a chamada “ideologia de gênero”.
Filosoficamente, estes que resistem aos direitos LGBTQs opõem “ideologia de gênero” à antropologia aristotélico-tomista, que Horan descreve como “indesculpavelmente desatualizada”. Estas pessoas tomam essa visão tradicional como infalível, enquanto consideram a “ideologia de gênero” como “uma nova moda” recém-lançada. Ironicamente, o próprio Tomás de Aquino foi condenado, em 1277, por ser “perigoso demais” após sua inovação em redescobrir e utilizar Aristóteles, filósofo pagão.
Estes que condenam a “ideologia de gênero”, continua Horan, “bem fariam se ouvissem os principais estudiosos sobre sexo e gênero, como Judith Butler, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, em vez de atacar ela e outros especialistas”. Há décadas, sociólogos e outros cientistas têm estado envolvidos com essas complexas questões, aponta o franciscano, e este trabalho robusto que produziram não pode ser simplesmente descartado de imediato como “ideologia de gênero”, sem uma tentativa genuína de diálogo.
Historicamente a Igreja resiste a desenvolvimentos filosóficos, mas, em muitas áreas, acaba aceitando aqueles que defendem a dignidade da pessoa humana. É chegada a hora de a Igreja abandonar “o bicho-papão da ‘ideologia de gênero’” e seguir o conselho de Horan, de “aprender mais com as ciências naturais e sociais sobre a maravilhosa diversidade da criação de Deus”.
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Teólogo franciscano: a Igreja deve abandonar o “bicho-papão da ‘ideologia de gênero’” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU