07 Agosto 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 19º Domingo do Tempo Comum, 9 de agosto de 2020 (Mateus 14,22-33). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Logo depois de ter saciado a multidão numerosa (cf. Mt 14, 13-21), Jesus ordena que os discípulos o precedam até a outra margem do lago da Galileia, enquanto ele se detém para despedir aqueles que o seguiram. Jesus está atento às relações humanas, e os gestos prodigiosos por ele realizados são sempre acompanhados pelo seu cuidado pelas pessoas com as quais ele se encontra.
Ao mesmo tempo, ele enraíza o seu agir em uma profunda relação de amor e de confiança com o Pai. Por isso, ele procura com determinação espaços e tempos de solidão para estar diante de Deus em absoluta gratuidade e para discernir a sua vontade sobre a sua própria vida: também neste caso, Jesus “subiu ao monte, para orar a sós”.
À noite, ele ainda está sozinho, enquanto o barco dos discípulos está em mar aberto à mercê do vento contrário e das ondas: o evangelista já entrevê o caminho da frágil barca da Igreja na história, jogada entre adversidades e tensões comunitárias... Mas ela não é abandonada pelo Senhor Jesus, que não só reza pela sua comunidade, mas também se faz misericordiosamente presente aos seus discípulos, aquele que “está com eles todos os dias até o fim da história” (cf. Mt 28,20).
De fato, eis que, com a chegada da manhã, “Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar”. Sim, Jesus é o Emanuel, o Deus-conosco, aquele que está sempre ao lado quando as ondas se levantam no meio da tempestade (cf. Sl 46,4), aquele que passa sobre o mar com passos invisíveis para nos guiar (cf. Sl 77,20-21) e nos conduz ao porto suspirado (cf. Sl 107,23-30). Mas nós sabemos reconhecer a sua presença e pôr a nossa fé nele?
Os discípulos estavam com Jesus no meio do mar na noite em que ele aplacara a violenta tempestade com a sua palavra (cf. Mt 8,23-27); mas agora, vendo-o avançando sobre as águas, ficam perturbados e, assolados pelo medo, gritam: “É um fantasma!”. Porém, Jesus imediatamente os tranquiliza com poucas palavras extraordinárias, que querem aplacar a sua perturbação interior e infundir a confiança nos seus corações: “Coragem, Eu sou” – o Nome impronunciável de Deus revelado a Moisés (cf. Ex 3,14) – “não tenhais medo!”.
São numerosos os medos que nos habitam, todos gerados pelo “medo-mãe”, o da morte: mas Deus desde sempre exorta os fiéis a não temerem, a habitarem com segurança nele, como nos testemunham abundantemente as Escrituras, desde o Gênesis (cf. Gn 15,1) até o Apocalipse (cf. Ap 2,10).
E esse convite é particularmente frequente nos lábios de Jesus, até ser dirigido pelo Ressuscitado às mulheres na aurora da ressurreição (cf. Mt 28,10), o evento que marca a vitória definitiva do amor sobre a morte.
A nossa resposta a tal exortação deveria consistir em uma fé sólida, em uma certeza íntima do amor do Senhor por nós, sem necessidade de prova alguma. Contudo, muitas vezes cedemos à tentação de exigir de Jesus um sinal tangível, como Pedro faz aqui: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. Na sua condescendência, Jesus lhe diz: “Vem!”, e eis que o impossível se torna possível graças à sua palavra que nos faz manter o olhar fixo nele, meta do nosso caminho.
Mas, assim que Pedro volta a dirigir a sua atenção para o vento impetuoso e cai vítima do medo, inevitavelmente começa a afundar. Então, só lhe resta a invocação sincera: “Senhor, salva-me!”, à qual Jesus responde prontamente agarrando-o pela mão.
Ao fazer isso, porém, não pode deixar de repreendê-lo: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”. É uma pergunta que força Pedro a fazer as contas com a incredulidade que o habita, uma pergunta que somos chamados a deixar ressoar também no nosso coração.
Afinal, pouco antes, Jesus havia dirigido a todos os discípulos uma interrogação semelhante: “Por que tendes medo, homens de pouca fé?” (Mt 8,26).
Enfim, quando Jesus sobe no barco, o vento se aplaca. Então, os discípulos se prostram diante dele, acompanhando o seu gesto de adoração com uma solene confissão de fé: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus”. Jesus se cala por enquanto, mas, mais adiante, esclarecerá o que significa e o que envolve o fato de ele ser Filho de Deus (cf. Mt 16,16.21).
Aqui, o seu silêncio é para nós uma pergunta: estamos dispostos a aderir a ele sem medo, crendo no seu amor (cf. 1 Jo 4,16)? Essa sólida confiança é a verdade de toda confissão de fé feita de palavras...
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O Senhor sempre nos diz: “Não tenham medo!” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU