04 Agosto 2020
Como as Igrejas locais foram envolvidas na redação do documento sobre a renovação paroquial? A partir da reação da maioria dos bispos, pode-se deduzir que não houve nenhum envolvimento ou, pelo menos, que ele foi insuficiente.
O comentário é do teólogo alemão Erich Garhammer, professor emérito da Universidade de Würzburg, em artigo publicado em Settimana News, 03-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em todas as épocas da história da Igreja, houve tensões e conflitos em relação a novos caminhos pastorais a serem empreendidos. A mediação entre velho e novo, tradição e progresso é uma tarefa que cabe sempre de novo a cada geração de fiéis.
Nesses casos, muitas vezes há reações da autoridade eclesiástica marcada por uma perspectiva teológica unilateral, que não são capazes de dar conta da amplitude da catolicidade e buscam respostas unívocas. Por isso, é de fundamental importância saber quais são as referências teológicas às quais os bispos recorrem para obter conselhos.
Frequentemente, os conflitos no nível das Igrejas locais não são resolvíveis, e isso exige um recurso a uma instância superior para encontrar caminhos de mediação e para poder chegar a decisões efetivas. Um caminho inteligente rumo à identificação dessas soluções por parte das instâncias vaticanas pressupõe, porém, um bom conhecimento da situação das Igrejas locais.
Uma mediação da Cúria Romana pode ser uma forma de estratégia para resolver os problemas apenas no caso em que as Igrejas locais se voltem a ela como comunidade coesa. Na maioria dos casos, porém, as coisas vão exatamente no sentido oposto: determinados grupos se dirigem a Roma de modo instrumental para fazerem valer seus próprios interesses.
A aceitação das decisões romanas será tanto maior quanto mais elas não se limitarem a implementar uma conexão automática entre renovação e transgressão do Código de Direito Canônico, mas assumirem a forma de decisões tomadas por um colégio arbitral teologicamente competente.
Um pontificado age de maneira soberana não quando usa a conflitualidade no nível das Igrejas locais como apoio unilateral de uma suposta ortodoxia, mas quando contribui com a pluralidade, com a comunicação aberta e com a sinodalidade da Igreja local.
O fato de Roma ser capaz de sustentar um pluralismo no nível das Igrejas locais e dentro de cada uma delas é algo evidente, que se mostrou, por exemplo, no caso da luta entre as ordens mendicantes na Idade Média. Seria desejável que essa capacidade não permanecesse apenas como uma vaga recordação histórica, mas fosse uma realidade atual experimentável na vida do catolicismo atual.
Contrastes e conflitos não são a ruína da Igreja. Muito mais ruinoso é o fato de tentar excluir alguns caminhos tomados por outros, rotulando-os como heterodoxos, escondendo-se atrás do manto do Código de Direito Canônico – armados com o escudo do sigilo e com a lança da ortodoxia.
O teólogo Erik Peterson exigiu a máxima transparência da Igreja Católica: a disciplina do sigilo é própria de uma instituição cujo interesse é a manutenção do poder e a posse do dinheiro; a Igreja, por sua vez, é quem mantém o espaço aberto para uma dimensão pública universal e não deve duplicar as estruturas deste tempo, mas sim representar os interesses do Senhor do tempo que vem.
Nesse contexto, é possível formular algumas perguntas para a Congregação para o Clero a respeito da recente Instrução sobre a paróquia:
- Como se chegou à redação desse texto? Quem colaborou com ele? Embora o cardeal sueco L. A. Arborelius seja membro da Congregação para o Clero, ele afirmou que não sabia nada sobre a redação da Instrução e sobre o objetivo de sua publicação.
- Quem, a esse respeito, recorreu a Roma como instância de mediação? Como as Igrejas locais foram envolvidas na redação desse documento? A partir da reação da maioria dos bispos, pode-se deduzir que não houve nenhum envolvimento ou, pelo menos, que ele foi insuficiente.
- O texto é incoerente. Por um lado, assume a teologia de Francisco, enquanto, por outro, as disposições jurídicas estão imbuídas daquele clericalismo que o papa estigmatizou várias vezes. Em referência a essa Instrução, deve-se esclarecer para qual teologia Francisco realmente pende, ou se ele deve ser considerado como um adereço de interesses alheios. Não é possível que Francisco estigmatize o clericalismo de maneira tão decisiva, como fez no discurso à Cúria Romana em 2017, e, ao mesmo tempo, ele hoje o exija no nível das Igrejas locais.
- O documento é desprovido de qualquer sensibilidade à realidade concreta das Igrejas locais. A oferta da Congregação para o Clero feita aos bispos alemães de serem ouvidos mais uma vez (a primeira vez?) certamente é nobre, mas seguramente não salva a Instrução.
- O canonista Matthäus Kaiser, em casos semelhantes, costumava contar essa história: em 1972, o bispo de Regensburg, R. Graber, por ocasião de um encontro informal antes de uma ordenação, revogou a proibição para os padres de andarem de bicicleta. Desse modo, cometeu dois erros: se a proibição realmente existisse, o bispo não devia revogá-la mediante uma comunicação informal. Mas a proibição não subsistia, porque nenhum padre a cumpria. A não recepção de tal disposição jurídica a torna inválida. Nisso, o direito eclesial é extremamente moderno. Os bispos não deveriam aceitar a Instrução romana, declarando-a desde o início inválida.
Depois disso, também é possível começar a pensar juntos sobre o modo pelo qual pode ser implementada a liderança de uma comunidade paroquial de acordo com aquelas que são as condições realmente existentes de uma Igreja local hoje em dia.
De vez em quando, também se deveria exigir uma capacidade de aprendizagem por parte da instância central da Igreja.
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Perguntas à Congregação para o Clero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU