28 Fevereiro 2019
O pensamento ético-social de Reinhold Niebuhr o fez dialogar com o marxismo, mesmo que em forma dialética, imprimindo nos seus escritos uma atenção particular ao compromisso “político” da fé, colocando como estrela-guia da sua teologia o amor evangélico considerado como a opção moral pessoal fundamental.
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 24-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em uma entrevista, Barack Obama declarou que às vezes se inspirava no ensinamento de um teólogo, Reinhold Niebuhr. Não temos dúvidas de que o seu sucessor, ignorando que estaria repetindo um personagem célebre, reagiria com um desdenhoso: “Niebuhr, quem era ele?”.
Temendo uma resposta semelhante em muitos outros (não só nos atuais políticos), confiamo-nos a um ensaio recentemente reeditado para introduzir esse pensador, nascido no Missouri em 21 de junho de 1892 e falecido em Massachusetts em 1º de junho de 1971.
Trata-se de um texto que desejaríamos, utopicamente, que fosse lido também por alguns dos nossos políticos, mas não só. Como diz o seu sobrenome, ele era filho de um pastor protestante que emigrou da Alemanha; além disso, era o irmão mais velho de outro teólogo professor em Yale, Helmut Richard (1894-1962).
Ao longo de toda a sua vida acadêmica, Reinhold foi professor no Union Theological Seminary de Nova York, depois de ter exercido o seu ministério pastoral na comunidade operária de Detroit, a notória capital da indústria automobilística (Ford, Chrysler, General Motors). Foi justamente essa experiência que moldou o seu pensamento em sentido ético-social, que o fez dialogar com o marxismo, mesmo que em forma dialética, que imprimiu nos seus escritos, muitas vezes traduzidos também ao italiano, uma atenção particular ao compromisso “político” da fé, que colocou como estrela-guia da sua teologia o amor evangélico considerado como a opção moral pessoal fundamental.
É nesse pano de fundo temático geral que brilha o ensaio agora reproposto pela editora Jaca Book, publicado em 1932 e traduzido para o italiano pela primeira vez em 1968. O título é emblemático, Uomo morale e società immorale [Homem moral e sociedade imoral].
Deixemos a palavra ao próprio Niebuhr, que assim ilustra essa dicotomia que opõe a ética individual à ética coletiva: “Para as pessoas individuais, ser moral pode significar ser capaz de levar em consideração, para os propósitos da determinação da própria linha de conduta, interesses diferentes dos seus e ser capaz – em certos casos – de antepor aos próprios interesses os dos outros. As suas faculdades racionais as levam a um senso de justiça que a disciplina educacional pode refinar e purificar de elementos egoístas”.
Por outro lado, o dos grupos sociais, ao contrário – continua Niebuhr –, “chegar a tais resultados é mais difícil, senão impossível. Em todo grupo humano, há menos capacidade de guiar e controlar racionalmente os instintos, menos tendência a ir além dos próprios interesses, menos aptidão a compreender as necessidades dos outros e, por isso, um egoísmo mais desenfreado”.
Palavras sacrossantas, se apenas fixarmos nosso olhar nos fenômenos sociais e nos comportamentos sociais atuais também; palavras talvez otimistas, em vez disso, em relação às escolhas individuais. Estas últimas, de fato, estão cada vez mais homologando as do grupo, que já se tornou rebanho (e o comportamento juvenil atual é uma amarga confirmação disso).
Isso não descarta que o retorno à formação da consciência pessoal – embora em sujeitos minoritários em relação à tipologia dominante – possa ser um benéfico espinho no flanco da sociedade.
A investigação do teólogo norte-americano, no entanto, chega a uma constante da humanidade, já formulada no célebre lema latino “Senatores boni viri, senatus mala bestia”, de gênese desconhecida, caro a Jung, que o aplicou à política, assim como ao Gattopardo de Tomasi di Lampedusa, retomado por Gramsci, que, porém, viu-o como fruto do individualismo, e por Einstein, que o criticou, propondo uma “internacional da ciência” no seu escrito “Como vejo o mundo”.
Niebuhr desenvolve essa tese de modo muito articulado, focando antes nos recursos racionais e religiosos que o indivíduo tem à disposição para fecundar a sociedade em que vive e, depois, centrando a sua análise na “moral” que rege, por sua vez, as nações, as classes privilegiadas e o proletariado.
No vértice dessa pirâmide, cujos lados são o indivíduo e o grupo, ele põe a justiça que pode ser alcançada através da revolução ou mediante a pressão política (não há dúvida da referência ao socialismo revolucionário e ao socialismo reformista). A estrela dos valores morais, porém, tem uma incidência diferente, na opinião dele, ao longo dos dois lados do triângulo, razão pela qual a conclusão da sua longa e viva análise é a que esboçamos na abertura, ou seja, a polarização conflituosa entre “as necessidades da sociedade e os imperativos de uma consciência sensível”. Suas páginas são apaixonadas, estendidas para formar moralmente a pessoa para que saiba evitar se esbarrar com as ilusões coletivas e o fanatismo que daí pode derivar em nível de massa. Uma lição árdua, mas necessária.
Quase como díptico, colocamos ao lado outro pensador que está desfrutando de um revival inesperado, tanto que está programada uma coletânea dos seus “escritos selecionados”, com um projeto de nada menos do que 11 tomos. Estamos falando de Erik Peterson, um forasteiro da teologia, mas que conquistou personalidades como Barth, Ratzinger, Daniélou, Congar e muitos outros, entre os quais também se destaca uma figura “excêntrica” como Carl Schmitt.
Os seus trabalhos críticos sobre a teologia política e as coordenadas cronológicas podem aproximá-lo de Niebuhr, embora o seu percurso ideal foi bem diferente. A sua contribuição fundamental diz respeito à abordagem interpretativa da literatura protocristã, da qual ele tentou identificar a filigrana greco-helênica, muito mais densa do que pensava a exegese moderna, mais atenta às matrizes bíblico-judaicas.
Nascido em Hamburgo em 7 de junho de 1890, convertido ao catolicismo em 1930, mudou-se para Roma em 1934, abandonando a cátedra de Bonn para ensinar literatura cristã e história universal da religião no Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã. Morreria em 28 de outubro de 1960.
A obra que o introduziu no debate cultural, no entanto, apareceu em 1935 como réplica a Carl Schmitt e se intitulava Il monoteismo come problema politico [O monoteísmo como problema político]. Defendendo a impossibilidade de uma translação da teologia cristã em uma forma política, ele mostrava que, na literatura eclesial dos três primeiros séculos, o monoteísmo monárquico havia sido liquidado pela ortodoxia trinitária que colocava em Deus uma pluralidade inimitável em modelos políticos humanos.
O projeto de uma seleção de textos petersonianos traduzidos e comentados, ao qual nos referimos, foi aberto agora pelas lições que ele realizou em Bonn, entre 1925 e 1928, sobre o Evangelho de Lucas. É uma leitura original e muitas vezes provocativa, que vai além dos comentários exegéticos clássicos, mas que oferece intuições afiadas e surpreendentes (por exemplo, sobre a relação entre história e escatologia, ou sobre a relação entre Escritura e Tradição).
O texto – que é introduzido por um amplo guia preparado por Reinhard von Bendemann – é imprescindível não apenas para os estudiosos de literatura cristã antiga, mas também para todos aqueles que gostam de adentrar nos caminhos ramificados das origens cristãs e da sua influência na civilização ocidental.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O teólogo de Barack Obama e o compromisso político da fé. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU