30 Julho 2020
"A partir de 2 de março, os documentos do Arquivo Apostólico do Vaticano relacionados ao pontificado de Pio XII (Eugenio Pacelli, 1876-1958) estão abertos para consulta. A emergência da Covid-19 levou ao fechamento do arquivo. A reabertura aconteceu, mais tarde, com uma série de limites para evitar os riscos de contágio. Alguns documentos encontrados no Arquivo do Vaticano mostram que a atual senadora Liliana Segre e seu pai Alberto, como outros judeus deportados pelos nazistas, foram objetos de intervenções humanitárias da Santa Sé", escreve Andrea Riccardi, em artigo publicado por Corriere della Sera, 27-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma das muitas histórias dolorosas dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial deixou um rastro no Arquivo Apostólico do Vaticano, aberto recentemente justamente para aqueles anos. Poderia ficar misturada entre a grande quantidade de textos sobre o tema, se não manifestasse a tenacidade dos afetos que lutam com as mãos nuas contra a implacável máquina do extermínio. Diz respeito a uma pessoa conhecida, a senadora vitalícia Liliana Segre, deportada com seu pai, Alberto, para Auschwitz, de uma Milão que a senadora define mergulhada na "indiferença". E a indiferença começou muito antes quando Alberto Segre e sua filha de catorze anos fossem forçados a subir, em 30 de janeiro de 1944, no desvio do trilho 21, sob a Estação Central de Milão, que agora se tornou um impressionante local da memória.
Alberto Segre havia decidido não fugir na época das leis racistas de 1938, como lembra a senadora, apesar da pressão feita pelo pai de Tullia Zevi, seu amigo, tal era sua confiança na Itália. Então, em 1943, tudo caiu, uma fuga fracassou e o destino deles foi selado. No entanto, alguém não se resignara a perdê-los no turbilhão da guerra e do extermínio. Eram os irmãos da mãe de Liliana, Lucia, que morreu quando ela ainda não tinha um ano de idade: Oscar e Dario Foligno. Oscar, interno na Suíça, enviou um pedido à nunciatura apostólica em Berna, liderada por Monsenhor Filippo Bernardini, em contato com os círculos judaicos e a Cruz Vermelha Internacional. Em 30 de junho de 1944, Foligno enviou uma mensagem ainda hoje comovente em sua simplicidade: "Penso em vocês com muito carinho, tranquilize-me sobre sua saúde, indicando se possível envio de encomendas ... Tenham fé, um abraço Oscar". O texto é sucinto: não podiam ser excedidas 25 palavras. Ele esperava que seus entes queridos pudessem ler. Ele pensava que haviam sido deportados para a Eslováquia.
Vinte dias depois, a nunciatura de Berlim, solicitada por aquela de Berna, registrou que toda informação sobre eles deveria ser pedida junto ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, porque aquela italiana se recusava. O núncio em Berlim, Cesare Orsenigo, transmitiu a informação à delegação do Comitê Internacional em Berlim em 25 de julho de 1944: gostaríamos de notícias de Alberto e Liliana Segre, "entre os judeus italianos internados". Em outubro, o Comitê respondeu, sinalizando que também havia recebido outra solicitação de Oscar Foligno e uma mensagem a ser enviada aos Segre com o seguinte teor: “Estou em excelente saúde, assim como os parentes de Roma, de quem recentemente recebi boas notícias. Beijos afetuosos”. Sentimentos e afetos familiares tentavam preencher o abismo em que os deportados haviam mergulhado, tentando superar as distâncias impostas e os arames farpados. Mas, no lado alemão, apenas o silêncio.
Para os Segre se move diretamente o Vaticano. Um telegrama datado de 23 de agosto de 1944, assinado pelo substituto da Secretaria de Estado, monsenhor Giovanni Battista Montini, o futuro Paulo VI, que então tratava da comissão de socorros (um escritório operacional sobre guerra e as consequências humanitárias), foi enviado ao núncio em Berlim : “Pedimos gentileza Vossa Excelência Reverendíssima, consiga notícias Liliana Segre, jovem que parece estar campo de concentração Pomerânia Greifswald. Por favor, V.E.R. se possível, fornecer assistência”. Não há menção a Alberto Segre. O local de destino de Liliana também mudou. Provavelmente, o interesse oficial foi solicitado pelo outro tio de Liliana, Dario Foligno. Dario, em 1937, havia se convertido ao catolicismo lendo Sant'Agostino e era advogado. Tinha passado por um momento difícil durante a perseguição aos judeus de Roma em 16 de outubro de 1943, mas fora libertado do Colégio Militar, local de concentração dos judeus arrancados de suas casas, como cônjuge de família mista com esposa "ariana" (não como convertido). Foligno então se dirigiu a Montini para se esconder, por não se sentir seguro, e tinha sido ajudado.
A solicitação encaminhada por Montini move a nunciatura em Berlim diretamente para o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, em 19 de setembro de 1944. Nenhuma resposta veio, como era costume quando se tratava de judeus, para significar que eles não poderiam ser tratados no ministério. Uma nota, sem data, mantida entre os papéis do Vaticano, mostra várias solicitações do Vaticano sobre os judeus, concluindo: "Todos os pedidos sobre não-arianos presos, feitos na embaixada alemã, não surtiram nenhum efeito". Ele descreve o muro que os diplomatas do Vaticano tinham diante de si. Pio XII deve ter conhecido a história de Liliana Segre, porque, após o final da guerra, quando a recebeu em audiência, apresentada por seu tio Dario, vendo-a de joelhos de acordo com o protocolo, disse: “Levante-se! Sou eu quem deveria estar ajoelhado diante de você".
A partir de 2 de março, os documentos do Arquivo Apostólico do Vaticano relacionados ao pontificado de Pio XII (Eugenio Pacelli, 1876-1958) estão abertos para consulta. A emergência da Covid-19 levou ao fechamento do arquivo. A reabertura aconteceu, mais tarde, com uma série de limites para evitar os riscos de contágio. Alguns documentos encontrados no Arquivo do Vaticano mostram que a atual senadora Liliana Segre e seu pai Alberto, como outros judeus deportados pelos nazistas, foram objetos de intervenções humanitárias da Santa Sé. Em agosto de 1944, houve uma solicitação junto aos alemães, através da nunciatura de Berlim, de Giovanni Battista Montini (1897-1978), o futuro Papa Paulo VI, então substituto da Secretaria de Estado do Vaticano.
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Liliana Segre, senadora italiana - quando o Vaticano tentou ajudá-la - Instituto Humanitas Unisinos - IHU