20 Fevereiro 2020
"Compreender é impossível, mas conhecer é necessário", afirma Liliana Segre*, sobrevivente do Holocausto, citando Primo Levi, no discurso proferido na Universidade La Sapienza, Roma.
"A cultura como um possível antídoto para o ódio, para o medo do diferente, para as discriminações que se movem facilmente das palavras aos fatos, "das tirinhas satíricas às leis contra os judeus". O retorno à vida não é simples nem dado como certo. O estudo "retomado com grande esforço" torna-se, assim, um percurso incessante "uma salvação para recuperar um lugar no mundo", para agarrar lembranças e momentos perdidos para quem "permaneceu, apesar de tudo, ávida por conhecimento". As palavras da senadora vão direto ao coração, traçando um caminho tortuoso de renascimento que acompanha o longo período do pós-guerra que temos às nossas costas", escreve Umberto Gentiloni, historiador italiano, professor de história contemporânea na Universidade La Sapienza de Roma, em artigo publicado por La Repubblica, 19-02-2020, comentando o discurso de Liliana Segre. A tradução é de Luisa Rabolini.
Liliana Segre coloca de lado as páginas de um texto preparado para um dia especial e fala como uma avó, levantado o olhar para os rostos dos estudantes que lotam a aula magna da Sapienza. Ela faz isso com emoção e participação, pesa as palavras, as memórias, as referências a momentos distantes da biografia de uma menina devastada pela violência da Segunda Guerra Mundial.
A inauguração do 717 ano acadêmico de fundação da Universidade é a ocasião para a concessão do Doutorado honoris causa em História da Europa à senadora Liliana Segre. No silêncio que acolhe suas palavras, a primeira referência leva à lição de Primo Levi "compreender é impossível, mas conhecer é necessário" e, a partir dessa frase, um itinerário de reflexões sobre o saber e suas extraordinárias virtudes, sobre a força do conhecimento, sobre o nexo entre liberdade e cultura.
Ela lembra com carinho e emoção um professor de história, um francês desconhecido encontrado em Auschwitz, um precioso interlocutor guardião de "instantes roubados ao horror" para falar sobre história, para aprofundar eventos do passado como se fosse possível voltar para trás, antes do final de um mundo de afetos e hábitos. Encontros entre prisioneiros para construir em um campo de concentração a comunicação possível entre um professor e uma aluna, arrancada da frequência diária de um programa da oitava série. Momentos inesquecíveis e preciosos "éramos livres como só se poder ser livres diante do conhecimento".
Uma liberdade perdida que reaparece inesperadamente. Como quando ela se encontra em uma sala na frente de uma amiga checoslovaca; "não sei que fim ela teve”, encontrada por acaso enquanto o corte de cabelo ceifava corpo e certezas de meninas inertes. Elas não sabiam se comunicar, aparentemente nenhuma língua em comum, mas depois, como que por magia, a referência ao latim, a poucas frases simples de uma civilização compartilhada que ainda podia abrir pontes e canais de comunicação: “Foi fantástico encontrar um idioma para nos comunicar, nos conhecer mesmo com poucas frases simples”. Uma descoberta inesperada, a força da razão que tenta se opor às razões da força, o saber clássico une e presenteia "duas horas de comunidade com uma garota desconhecida" marcada pelo mesmo terrível destino.
A cultura como um possível antídoto para o ódio, para o medo do diferente, para as discriminações que se movem facilmente das palavras aos fatos, "das tirinhas satíricas às leis contra os judeus". O retorno à vida não é simples nem dado como certo. O estudo "retomado com grande esforço" torna-se, assim, um percurso incessante "uma salvação para recuperar um lugar no mundo", para agarrar lembranças e momentos perdidos para quem "permaneceu, apesar de tudo, ávida por conhecimento". As palavras da senadora vão direto ao coração, traçando um caminho tortuoso de renascimento que acompanha o longo período do pós-guerra que temos às nossas costas.
A escolha pela vida na construção de uma Europa de paz, sinal de um novo tempo capaz de derrotar medos, destruição e lutos. Fazer parte de uma união de povos que caminha para a cooperação, o diálogo, o conhecimento mútuo. Não é um dado adquirido para quem veio depois. Para os mais jovens, repete insistentemente que o ódio aberto ou oculto continua sendo o principal alvo a ser derrotado: alimenta-se de medos e ignorâncias, atinge a liberdade de ciência e cultura ameaçadas por aqueles que erguem muros ou contraposições. Uma comunidade científica vai além das fronteiras de linguagens e pertencimentos, vive de trocas e encontros em busca de pistas de pesquisa, pontos de chagada comuns, verificações inspiradas no espírito crítico de quem quer conhecer para construir o futuro.
*Liliana Segre é uma sobrevivente do Holocausto italiano, nomeada Senadora para a vida pelo Presidente Sergio Mattarella em 2018 por méritos patrióticos de destaque no campo social e que tem sido violentamente atacada por grupos da extrema-direita italiana.
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Quando o saber tem cheiro de liberdade. Artigo de Umberto Gentiloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU