08 Julho 2020
O entregador Paulo Lima, conhecido como Galo, fala sobre a greve da categoria e os caminhos em busca de melhores condições de trabalho.
A reportagem é de Ana Luiza Basílio, publicada por CartaCapital, 07-07-2020.
“Existe força de trabalho sem patrão. Não existe patrão sem força de trabalho”. A frase que define a vida de Paulo Lima, 31 anos, mais conhecido como Galo, traduz a correria que o entregador tem feito para além dos momentos que está em sua moto, percorrendo a cidade para dar conta das entregas diárias. Galo se tornou uma importante voz na luta pela melhoria das condições de trabalho dos entregadores de aplicativos e é fundador do Movimento dos Entregadores Antifascistas, presente em 11 estados brasileiros.
Embora saiba da importância da luta e de sua contribuição para o fortalecimento da agenda, prefere não ser tratado como uma liderança. “Não acho que é o caminho. Acho que as pessoas têm que saber porque amam ou odeiam as coisas. Quando as pessoas gostam de ouvir o que falo é porque já carregam aquilo no coração. Precisamos entender das coisas, sermos líderes de nós mesmos”, garante.
Galo integrou a paralisação nacional do dia 1 de julho e vê o movimento como positivo dentro de uma caminhada que ainda tem muito a ser trilhada. “Ainda tem companheiro que estava se vendo como empreendedor, sem entender a luta por direitos. Conversei com muitos deles. O que fica é uma coisa boa”, relata. Confira os principais momentos da entrevista.
Em 2015, Galo decidiu que não mais trabalhar como motoboy depois de sofrer dois graves acidentes e quase perder a vida. Ele trabalhava na profissão, registrado, desde 2012, antes de entrar para o mundo dos aplicativos. “Fui ser camelô, repositor de mercado, florista, aí consegui um trabalho registrado de técnico de telecomunicações, só que em 2017 eu fui mandado embora e minha filha ia nascer [ele tem uma filha de dois anos]. Aí em 2019 tirei uma moto, me cadastrei em um aplicativo e retomei a luta”, contra o entregador que mora com a família na zona Oeste da capital, no bairro do Butantã.
Galo atuou como entregador das plataformas Uber Eats, Ifood e Rappi, mas encontra-se bloqueado por todas as plataformas. Hoje atua com serviços por fora, “gente que me contrata como motoboy particular”, conta. Na Uber, ele conta que o bloqueio veio depois do pneu da sua moto furar e ele não conseguir finalizar uma entrega. Era dia 21 de março, dia do seu aniversário. “Avisei eles do problema e eles me bloquearam”, conta. Foi a gota d’água para que passasse a integrar os atos que denunciam as frágeis condições trabalhistas da categoria. Ifood e Rappi praticaram o que ele chama de “bloqueio branco”. “Você fica online mas não recebe pedidos, entendeu?”, conta o entregador que atrela a atitude das plataformas à sua postura questionadora frente às empresas.
Para o entregador, a paralisação do dia 1 de julho deixa uma marca positiva para a luta. “Foi a maior de todas até aqui”, afirma, embora entenda que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Tinha muito companheiro ainda iludido na ideia de ser empreendedor e tal, sem entender que a luta é pelos nossos direitos. Foi um momento que conversei com muitos deles”, conta. Galo afirma, no entanto, que por parte das empresas ainda não viu nenhuma mudança.
Galo chegou a trabalhar como entregador no contexto da pandemia, quando ainda não tinha sido bloqueado. E garante a piora nos ganhos, ainda que a demanda por pedidos tenha crescido no período. “O número de pedidos aumentou, mas o de entregadores triplicou, entendeu?”, conta ao afirmar que as empresas também não cumprem com o valor da taxa mínima de entrega.
Ele ainda rebate as empresas que afirmam terem entregue materiais sanitários, como máscaras e álcool em gel aos entregadores durante a pandemia [no dia 1 de julho, a Ifood publicou uma nota chamada “Abrindo a Cozinha” em que afirma ações de entrega dessa natureza, além da oferta de seguros aos profissionais em caso de acidentes ou emergências].
“Eles fazem uma ação de 1% e veiculam na mídia como se fosse 100%. Param um caminhão em uma localidade de São Paulo e dão como se isso atingisse todos. A Rappi, por exemplo, fez uma ação no Pacaembu com um caminhão que entregava 200 ml de álcool em gel para os entregadores. Teve gente que pegou dois fracos e foi bloqueado pela plataforma”, garante.
Galo também diz ser mentira a existência de seguros e assistência aos entregadores em caso de acidentes. “Teve caso de motoboy que se acidentou, tentou apoio e teve como resposta para procurar o SUS. E caso de entregador contaminado por covid-19 que foi abandonado também”, afirma.
Embora seja um dos protagonistas na luta por melhorias trabalhistas para a categoria, Galo diz que não quer ser uma liderança. “Não acho que seja o caminho. As pessoas têm que saber porque amam ou odeiam as coisas. Quando elas gostam de ouvir o que falo é porque já têm isso no coração. Precisamos entender das coisas, ser líder de si mesmo”, garante.
Galo prefere ser uma referência de apoio. “Tomara que as pessoas se utilizem disso para se empoderar, ser uma referência também, não se apoiar, porque ficar se apoiando em alguém é ruim pra você mesmo”.
Galo garante que sua consciência política veio cedo e atrela o início de seu entendimento ao contato que teve com a cultura hip hop por volta dos 11 anos. Isso, somado a episódios que vivenciou ao lado da família desde muito cedo. “Teve uma vez que eu estava no carro com os meus pais e sofremos uma abordagem policial. Eu tinha uns 8 anos e vi o policial tentar colocar o braço do meu pai pra trás, ao que ele resistiu, e quase teve o braço quebrado”, conta. “Ali eu entendi que o mundo tinha um problema com ‘nóis’, senti meu País como um território inimigo”.
Para o jovem é essencial ter um posicionamento político. “O ser humano é político por natureza, evoluímos porque somos seres políticos. Se você nega a política, dá espaço pro fascismo”, garante.
“Eu criei a coisa toda sim, fui o primeiro motoboy a dar a cara, pra bater. Mas o movimento é feito por trabalhadores intelectuais, tem vários ali fazendo faculdade de Arquitetura, Ciências Políticas, eu não terminei nem o colegial”, diz Galo, fundador do movimento que hoje já conta com 40 entregadores de 11 estados pelo País.
O grupo, afirma, carrega a força do movimento político de rua e pauta a auto gestão e proteção entre os integrantes. “Meu norte com os entregadores vem dos Panteras Negras [movimento norte-americano que ganhou popularidade no final da década de 1960 e que pautava a resistência contra a opressão policial nos bairros negros], dos zapatistas [movimento que nasceu no México, inspirado na luta do revolucionário Emiliano Zapata, e pregou entre suas agendas o fim da marginalização dos indígenas locais].
“A ideia é resgatar a importância dos atos de rua e seguir com um movimento que promove a auto gestão e auto cuidado entre os integrantes. Galo fala que o movimento hoje tem um fundo orçamentário, vindo de doações, que o permite direcionar ajuda aos entregadores que necessitem por questões diversas, como saúde ou aquisição ou manutenção de instrumento de trabalho.
Para Galo, a principal luta do movimento é conscientizar sobre os danos do processo mundial de uberização. “Ele vem avançando e uma hora vai pegar todo mundo. Se a Revolução Industrial suprimiu empregos, a uberização vem pra suprimir direitos”, afirma.
“Muita gente diz que a gente está por opção, sem considerar o tamanho da fila do desemprego no País. Também têm os que dizem que temos liberdade, que podemos fazer nosso horário. Quem faz meus horários são minhas dívidas”, finaliza.
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Entregadores antifascistas: “A uberização vem pra suprimir direitos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU