20 Mai 2020
"Algumas publicações que iniciaram com o objetivo de fazer chegar aos paroquianos conteúdos litúrgicos, com o passar dos dias, tornaram-se testemunho das carências afetivas e dos vazios formativos de numerosos presbíteros, seminaristas e consagrados que, sob o pretexto da pastoral, transbordaram a web de pobres projeções", escreve Manolo Morales, Franciscano conventual, mexicano e doutorando em filosofia na Pontifícia Faculdade Antonianum em Roma.
Há alguns meses, dada a atual crise sanitária, diz-se que é urgente estabelecer novas perspectivas e configurações no nosso modo de ser e estar no mundo. Goste-se ou não, os acontecimentos recentes abalaram e minaram os diferentes modelos econômicos, políticos, educativos e religiosos em que se estabeleceram as estruturas da sociedade.
A incidência desta calamidade permitiu-nos apreciar e reconhecer a heroica equipe de especialistas da medicina que sem descanso trabalharam nas primeiras filas desta batalha. Por sua vez, fomos testemunhas do exemplar compromisso de inúmeros leigos, consagrados e presbíteros que com inigualável ousadia atenderam à sua responsabilidade pastoral, exercendo a melhor disposição e criatividade perante as limitações que implicam a utilização reduzida dos espaços físicos.
No entanto, os efeitos do fenômeno Covid-19 não só incidem em temas de ordem pública, como subverte toda a estrutura existencial da pessoa singular, a esta carne e a estes ossos – como disse Aristóteles –, que se plasma e se reflete no agir concreto da vida cotidiana. O Papa Francisco, naquela histórica oração de 27 de março de 2020, teve o dom de nomear o caráter poliédrico da pandemia: “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades”.
Dito isto, não passa despercebido um fenômeno que se tornou evidente nas redes sociais, a saber, o aumento das taxas de participação dos “mediadores sagrados” em plataformas como Instagram, Facebook, e como se pouco fosse, também Tik Tok. Algumas publicações que iniciaram com o objetivo de fazer chegar aos paroquianos conteúdos litúrgicos, com o passar dos dias, tornaram-se testemunho das carências afetivas e dos vazios formativos de numerosos presbíteros, seminaristas e consagrados que, sob o pretexto da pastoral, transbordaram a web de pobres projeções.
Mas de onde vem tanto vazio? Os consagrados das atuais gerações tiveram que passar do mundo analógico ao universo digital e aprender com eles não foi um problema, pois a competência social e caducidade da informação não lhes dava escolha a não ser testar novos modelos de vida na realidade cibernética. No entanto, o problema grita de outras profundidades, a qual requer uma chave de leitura diversa daquela que tende ao grotesco e pretensioso desejo de responsabilizar e moralizar tais plataformas.
E esta é a grande tentação, isto é, confundir o acessório com o substancial. Vejamos através de um exemplo: no período de Agostinho de Hipona, o alto índice da população analfabeta e ignorante de literatura, obrigou os profissionais da época a se instruir na arte da retórica através do estudo dos Grammaticus. Aprender a manejar os discursos era fundamental para dominar a oralidade como via de comunicação, pois através dela se podia convencer, atrair e reter a atenção de um público com alta capacidade de escuta.
Daí que era substancial prover-se de sérios conteúdos literários para construir e enriquecer as mensagens que seriam compartilhadas nos espaços públicos. Era então urgente stalkear e tomar posse dos argumentos dos grandes escritores como Virgílio, o poeta, Cícero, o jurista, Salustio, o historiador e Terêncio, o comediógrafo.
Como se pode notar, não são as plataformas sociais as responsáveis pelos conteúdos presunçosos e vazios que vemos em toda a parte. Portanto, a atenção recai sobre aquela geração carente de uma formação religiosa integral, evidenciando um problema potencialmente sério: estamos diante de uma geração de presbíteros, religiosos e seminaristas com limitados conteúdos teóricos, despojados de qualquer ressonância psicológica, sem referência autobiográfica e com uma identidade a-histórica.
Em nome da autoafirmação, estes indivíduos imitam estilos de existência que, em vez de promovê-los à auto realização, os escravizam na frustração, na dor e na solidão. A aparente salvação que lhes oferece a participação superficial nas redes sociais, enche com ruídos e gargalhadas a voz interior que exige assumir o compromisso sério e responsável da existência.
Isolados na fantasia de que o acúmulo de likes e followers conseguirá satisfazer essas carências não resolvidas, o vazio existencial continua no mesmo lugar. E como uma bola de neve descendo, a falta de coesão entre o dizer e o fazer torna-se cada vez mais evidente. A sensação de fracasso experimentada nas vivências das redes sociais, leva-os a elaborar com mais frequência publicações como as exigências das tendências em redes sociais. Mas, o desejo de ser influencers, ao não ser satisfeito, leva-os a construir vidas abstraídas completamente da realidade, ao grau que os impede de ver e escutar os gritos de frustração e vazio que contêm suas publicações, vídeos e imagens.
Aquilo que se proclamou como "proximidade pastoral", "enviar mensagens sobre religião", "ir onde as pessoas estão", em muitos casos tornou-se a cortina pretensiosa de uma inexistente pastoral religiosa, que tão cheia de filtros e danças, pouco ou nada tem a ver com as necessidades reais das pessoas que vivem no mundo off-line. Em outras palavras, muito provavelmente essas publicações não serão, no fim de contas, mais do que um pretexto para uma sessão de elogios, e nada mais. Os nossos influencers esqueceram-se que virar as costas à experiência humana palpável da vida real do povo lhes tem assegurado o seu castigo: produzir publicações pobres e estéreis, que não deixa nada a nenhum internauta genuíno, e que estão destinadas a passar ao esquecimento muito mais rapidamente do que aquele tempo usado para carregá-los nas redes sociais.
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A “pastoral” nos tempos de Tik Tok, Instagram e outros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU