24 Abril 2020
No final do ano passado, estava muito ocupado promovendo seu trabalho como diretor em O Relatório, com Adam Driver, e como roteirista de A Lavanderia, com Antonio Banderas, Gary Oldman e Meryl Streep, quarto filme sob as ordens de Steven Soderbergh. Mas se algo o colocou subitamente na moda é seu trabalho escrevendo Contágio, em 2011, o filme de Soderbergh que todo mundo começou a assistir, assim que se tornou conhecida a existência do coronavírus, devido às semelhanças entre o que conta a história de ficção e o que estamos vivendo.
Foi o que nos contou Scott Z. Burns, em um encontro através do computador, sobre a precisão de Contágio, de sua casa em Los Angeles.
A entrevista é de Gabriel Lerman, publicada por La Vanguardia, 23-04-2020. A tradução é do Cepat.
Você ficou surpreso que seu filme subitamente entrou na moda?
Era inevitável. O que me perguntam frequentemente, desde o surgimento desse vírus, é porque o filme é tão profético e preciso. É uma pergunta que me fazem tanto os jornalistas como os que me encontram nas redes sociais, como se eu soubesse de antemão que isso iria acontecer. E a resposta é muito simples: quando propus o filme para Steven Soderbergh, disse a ele que só queria embarcar no projeto se estivesse baseado em dados científicos e concretos, porque já tinha uma certa consciência de que estávamos vivendo na era das pandemias.
Foi assim que entrei em contato com Ian Lipkin, o melhor virologista dos Estados Unidos. E ele disse a mesma coisa, que só me ajudaria se o filme fosse baseado na ciência, e não se fosse uma fantasia de conspiração sobre um vírus que surge de um laboratório ou de uma torre de telefonia móvel. Se você me perguntar se eu sabia que tudo isso iria acontecer 10 anos depois, a resposta é não. Mas todos os especialistas com quem falei me disseram que não se tratava de saber se isso poderia acontecer, mas de quando.
Ou seja, não está muito surpreso com o que estamos vivendo.
Sabia que não era impossível. Sou amigo de Ian há muito tempo, então conhecia o seu trabalho em relação à MERS. O vírus que escolhemos para Contágio é um paramixovírus, muito diferente do coronavírus. Mas lembro que conversamos com Ian sobre a necessidade de desenvolver uma vacina universal contra o coronavírus. Se me perguntar se fico surpreso toda vez que surgem novos vírus de origem animal, que entram em contato com seres humanos, minha resposta é não, de modo algum.
Isso está relacionado ao grande problema dos seres humanos invadindo os espaços que eram ocupados por animais. É por isso que é cada vez mais comum entrarmos em contato com vírus zoonóticos. Nosso comportamento como sociedade é responsável pelo que está acontecendo, e isso inclui os chineses e sua predileção cultural por esses mercados de animais vivos e como estão ajustados. Não estou surpreso, mas frustrado, porque houve pessoas muito inteligentes que alertaram que isso ia acontecer, há 20 anos.
Você se lembra de como se envolveu com o projeto para fazer o filme?
Eu costumava conversar com meu pai sobre a gripe aviária. Meu pai era cientista e era um tema que o preocupava muito. Lembro-me de ter visto ‘Epidemia’ quando eu era jovem e também que seu final me deixou desconfortável, como roteirista e pensador. Naquela época, então, pensei que gostaria de fazer um filme sobre uma pandemia, mas que fosse guiado pela ciência. Queria poder falar sobre um mundo globalizado, onde todos viajam e há uma grande disparidade social. Estava interessado em unir todas essas ideias na mesma história.
No dia em que terminamos de filmar The Informant!, Steven [Soderbergh] se aproximou de mim e perguntou o que me interessava fazer na sequência. Comecei a falar sobre Contágio e, no meio da minha proposta, me interrompeu e disse: “conte comigo”.
Por que acredita que, ao contrário do que relata Contágio, não houve fome, nem saques?
Sei que nos Estados Unidos a cadeia de suprimentos, embora esteja muito tensionada, não se rompeu, portanto, não me parece que estamos em um ponto em que precisamos nos preocupar com comida. Ainda assim, são preocupantes os surtos de coronavírus nas fábricas de processamento de carne, porque seus executivos não forneceram aos trabalhadores equipamentos adequados para se protegerem.
De qualquer forma, também devemos ter em mente que em nosso filme a doença era muito mais mortal. Isso me faz sentir que a fome não faz parte do filme que estamos vivendo. Ao menos espero que nunca seja. Quanto aos distúrbios e saques, acho que, lamentavelmente, estamos vendo o começo, porque há pessoas em posições de poder nos Estados Unidos que acreditam que não há problema que idosos morram com a finalidade de reativar a economia.
O que você considera que se parece entre o problema que enfrentamos hoje e o que apresenta em Contágio?
Enquanto pesquisava para o filme, o que mais me impressionou foram os mercados de animais vivos na China, onde foi iniciada a epidemia de Sars, mas é algo que também está acontecendo em outras partes do mundo. Uma das coisas mencionadas no filme é o perigo de invadir territórios naturais com espécies que não têm contato habitual com o homem.
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“Estava consciente de que estávamos vivendo a era das pandemias”. Entrevista com Scott Z. Burns, autor de 'O Contágio' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU