20 Abril 2020
Pela carta do Papa Francisco aos movimentos populares, no dia da Páscoa, "ele foi acusado pelos "acirrados" adversários, por ter feito "política ao vivo". E que escândalo seria esse? É sempre o discurso sobre "que mundo" feito por Francisco; mas não seria talvez o mesmo discurso sobre "que mundo" feito por Jesus e pelo qual deu a vida? Um mundo feito não apenas pelos gnomos das finanças ou por aqueles que vivem, mais ou menos pela sorte, acima do nível de pobreza, mas também pelos sem-teto, pelos migrantes, pelos pobres", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 18-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dessa vez o papa, que geralmente não responde aos seus críticos ("é preciso ter a coragem de ficar em silêncio, diante da fúria insistente, apenas o silêncio" disse em uma homilia em Santa Marta), se deixou questionar sobre a escolha de celebrar a Páscoa na basílica vazia de São Pedro. "Um bispo me escreveu - ele confidenciou - um bom bispo, bom, e ele me repreendeu. ‘Mas por que, por que não colocar pelo menos 30 pessoas, para que se possa ver gente? Não haveria perigo ..." Eu não entendi na hora. Mas como ele é um bom bispo, muito próximo do povo, algo ele queria me dizer ... Depois eu entendi. Ele estava me dizendo: ‘Cuidado para não viralizar a Igreja, não viralizar os sacramentos, não viralizar o povo de Deus’". Ou seja, para não os tornar impalpáveis, evanescentes. E o papa comentou: "A Igreja, os sacramentos, o povo de Deus são concretos. É verdade que neste momento devemos criar familiaridade com o Senhor dessa maneira, mas para sair do túnel, não para permanecer nele”. Porque "essa familiaridade com o Senhor, dos cristãos, é sempre comunitária. Sim, é íntima, é pessoal, mas em comunidade; uma familiaridade sem o pão, sem a Igreja, sem o povo, sem os sacramentos, é perigosa. Pode se tornar uma familiaridade gnóstica”: uma familiaridade, uma vida, uma religião sem os corpos. Parece-nos que há uma grande lição aqui.
Uma Igreja que celebra sem a comunhão dos corpos não o faz por espiritualismo, porque existe uma tradição que contrapôs o corpo à alma, pois troca o "chega um tempo e é este" por uma escatologia feita em casa. Uma Igreja que celebra sem o encontro dos corpos, sem o povo, faz isso porque o mundo também está reduzido a isso, a viver com os corpos separados e isolados, sem um povo que possa encher o deserto das ruas, praças, jardins museus e escolas. Portanto, a Igreja compartilha a condição, e faz isso "esvaziando a si mesma", como o seu Senhor, vivendo sua kenosis com dor, não por conformidade ou rendição ao mundo, mas por amor.
Mas teria sido uma hecatombe, pior que o Pio Albergo Trivulzio (e as histórias contam sobre antigas epidemias aumentadas por procissões penitenciais). Se ele tivesse colocado 30 pessoas bem espaçadas na imensa basílica, "para que se possa ver gente", teria normalizado a ausência, teria removido o drama à Páscoa, realmente teria feito uma montagem midiática apenas para transmiti-la na televisão: nem corpo, nem sacramento, nem povo, mas apenas um "Truman show", uma "celebração remota da missa", como inefavelmente pretendia dispor uma emenda apresentada por Giorgia Meloni ao decreto do governo sobre as medidas contra o vírus.
É claro que existe o perigo de acostumar-se a esse "estar juntos, mas não juntos", como o definiu Papa, a essa comunhão espiritual sem se comunicar no pão, a essa familiaridade com o Senhor "apenas para mim, separada do povo", como se não fosse uma Igreja. Mas esse perigo também existe para o mundo, especialmente para ele, o viver in vitro, sem comunicação real, trabalhadores sem companheiros, fábricas todas de robôs e poucos trabalhadores, escolas sem colegas de classe, mesas sem comensais. Tudo isso faz sentido hoje, e aliás é um dever, para que tudo não vire uma Lombardia, “mas para sair do túnel, não para ficar nele". E a Igreja não pode sair antes dos outros, ela sozinha, porque é a Igreja, existe até a Concordata. Precisamos sair todos juntos, o mundo e a Igreja, não a Igreja sem o mundo. Não igrejas abertas e casas fechadas.
Não é por acaso que o papa engatou essa reflexão em Santa Marta entre a oração pelas mulheres grávidas que se perguntam ansiosas "em que mundo vai viver” o seu filho e o pensamento da "festa" que ainda assim celebraremos porque "certamente será um mundo diferente, mas sempre será um mundo que o Senhor amará muito”.
E no domingo de Páscoa, o papa se deixou questionar novamente, e dessa vez pelos movimentos populares, com quem já havia se encontrado três vezes, a quem dirigiu uma carta de conforto, mas também de gratidão por sua atitude indômita que, ele escreveu, "me ajuda, me questiona e me ensina muito". Também por essa carta, foi acusado pelos "acirrados" adversários, por ter feito "política ao vivo". E que escândalo seria esse? É sempre o discurso sobre "que mundo" feito por Francisco; mas não seria talvez o mesmo discurso sobre "que mundo" feito por Jesus e pelo qual deu a vida? Um mundo feito não apenas pelos gnomos das finanças ou por aqueles que vivem, mais ou menos pela sorte, acima do nível de pobreza, mas também pelos sem-teto, pelos migrantes, pelos pobres. Um mundo em que os que lutam "das periferias esquecidas para criar soluções dignas para os problemas mais urgentes dos excluídos” são os vendedores ambulantes, recicladores, pessoal de circo, pequenos agricultores, trabalhadores, costureiros, aqueles que realizam atividades de assistência, trabalhadores informais, pessoas que não têm um salário estável para enfrentar esse momento e para os quais as quarentenas são insustentáveis. Então, talvez, o papa escreve, "chegou a hora de pensar em um salário universal que reconheça e dê dignidade" e transforme "em realidade esse slogan humano e tão cristão: nenhum trabalhador sem direitos". Uma política, efetivamente.
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O papa em questão. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU