06 Abril 2020
"Não sairemos da situação da pós-pandemia se não sobrevivermos como sociedade durante o período pandêmico. É urgente trazer de volta alguma razão no debate coletivo e na esfera pública e, assim, bloquear a estupidez do debate da extrema-direita, retroalimentado pela pregação de fariseus oportunistas. No Brasil é preciso, minimamente, golpear duro a dois inimigos: o delírio da extrema direita e sua manipulação de massas tratadas como o gado da canção de Zé Ramalho, e o modelo econômico sociopata e entreguista de Paulo Guedes e sua trupe de Chicago Boys", escreve Bruno Lima Rocha, pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política e professor universitário nos cursos de relações internacionais, jornalismo e direito.
O debate a respeito do isolamento social e os planos macabros da aliança entre um pensamento obtuso e a ação de desmonte na política econômica, estão levando uma parcela do país às raias do delírio. Não abordo aqui a lerda e insuficiente política de emergência econômica, pouco sendo implementada pelo ministro da Economia, o Chicago Boy de carteirinha, Paulo Guedes. Também não vou abordar o fato do enquadramento de Jair Bolsonaro pela alta cúpula das forças armadas, a partir do final de semana de 28 de março de 2020. Faço aqui um breve debate, em que estamos diante de um delírio manipulado, mas que ganhou arraigo no Brasil e grudou no bolsonarismo como uma identificação para além do eleitoral.
Primeiro é preciso reforçar que temos colegas, profissões, áreas de estudo que se debruçam sobre temas como convivência humana, relações sociais, o inconsciente, níveis de interação e reintegração social. Dito isso reconheço o estudo de especialistas e reforço apenas o que é evidência. Somos uma espécie gregária, que depende das relações sociais e se integra em distintas etapas da vida coletiva. Vivemos de forma coletiva e não individualizada, não atomizada.
Nosso espanto é saber que a ênfase nas atividades remotas, à distância, era muito elogiada pelos entusiastas do capitalismo na etapa da “acumulação flexível”, em trabalhos que podem ser realizados através de mediação cibernética. Logo, nos espantamos diante dessa situação. Precisamos ver a luz do sol, sair às ruas e até tocar nas mercadorias, cujo fetiche tanto fortalece o consumo inconsciente. Ocorre que, neste momento, estamos diante de uma situação de calamidade, precavendo-nos da maior expansão da pandemia, conforme nos orienta corretamente a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O impacto do isolamento é ainda maior nas camadas mais vulneráveis e empobrecidas da sociedade. Não é porque estamos diante do isolamento social que, tanto as diferenças sócio-econômicas como as mais variadas formas de exploração e opressão, deixam de existir. Logo, as dificuldades aumentam conforme a posição na, muito injusta, pirâmide social brasileira.
Certa vez me perguntaram: “como combater os sentimentos de solidão?”. Não estou apto para responder a uma pergunta como essa. Posso dizer, sem nenhuma sombra de dúvida, que os direitos coletivos devem ser exercidos, defendidos e protegidos. O mesmo se dá no conceito de “felicidade”. É muito importante reconhecermos os saberes que se concentram na área da psicologia social, das terapias, da área da saúde mental, saúde coletiva, educação física, fisioterapia e afins. As relações sociais são muito complexas e devemos nos debruçar também sobre a área das humanidades que estudam a temática, de modo a convivermos com algum grau de harmonia, sempre que as condições materiais e de respeito coletivo sejam preservadas. Assim, respondo que é muito importante reconhecermos o estatuto de “especialistas” para discorrer sobre temas complexos e superarmos os “achismos e senso comum”, marcados pelas notícias falsas. Uma vez que o bolo fecal simbólico foi despejado, estes conteúdos fétidos circulam pela internet.
Logo, além daquilo que pode ser alcançado pela luta auto-organizada, o mais relevante é defendermos tanto o Sistema Único de Saúde (o SUS), quanto estar de guarda alta na defesa incondicional do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Somente as políticas públicas e a organização social podem nos salvar da pressão advinda dos desesperos cotidianos do capitalismo periférico e do entreguismo pós-colonial que chafurda no Brasil.
Outra pergunta que se repete desde o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, veiculado em 13 de março, é se estão corretas as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para conter a pandemia. A resposta que posso tentar desenvolver nestas condições é OPINAR com base científica, seguindo as orientações da OMS, e repetindo experiências históricas de como os países enfrentaram e saíram de situações limite com medidas de planificação da economia e injeção de liquidez para a geração de renda das famílias, trabalhadores/trabalhadoras formais e informais e micro e pequenas empresas.
Qualquer orientação que não repita minimamente aquilo defendido pela OMS (isolamento social), na ONU (renda básica universal) e na área econômica do G20 (menos o Brasil, com ingresso de dinheiro novo e acabando com a falácia do teto de gastos), está errada. Não só errada como reflete a sociopatia de um pequeno número de brasileiros muito privilegiados e que não querem abrir mão de um modelo econômico concentrador, que fragiliza o emprego formal e aumenta a vulnerabilidade do país e das pessoas comuns.
Não sairemos da situação da pós-pandemia se não sobrevivermos como sociedade durante o período pandêmico. É urgente trazer de volta alguma razão no debate coletivo e na esfera pública e, assim, bloquear a estupidez do debate da extrema-direita, retroalimentado pela pregação de fariseus oportunistas. Não custa lembrar que, embora todos e todas queiramos ver milagres e que a fé possa realmente mover montanhas, estamos em um país onde se transmitem, de forma tóxica, a “sessões de curas” feitas por charlatães em TVs abertas, concessões públicas revendidas por mercenários do baronato das comunicações. O efeito dessa sandice é ainda maior do que as pregações absurdas do também charlatão Olavo de Carvalho e seus asseclas cibernéticos.
Longe de mim defender qualquer imposição cientificista, em geral dotadas essas imposições de um elogio velado ao eurocentrismo e ao “mérito”. Mas, diante da pandemia e como o que de menos pior foi gerado nas relações entre Estados e o sistema das Nações Unidas, é necessário seguir as orientações das agências da ONU, tanto no combate à pandemia como na urgente defesa de planos econômicos de tipo keynesianos e alguns Planos Marshall para reconstruir os sistemas produtivos e o tecido urbano mais empobrecido no momento pós-pandemia.
No Brasil é preciso, minimamente, golpear duro a dois inimigos: o delírio da extrema direita e sua manipulação de massas tratadas como o gado da canção de Zé Ramalho, e o modelo econômico sociopata e entreguista de Paulo Guedes e sua trupe de Chicago Boys.
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Entre a razão e o delírio no país em transe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU