01 Abril 2020
Pode-se acreditar que é um desígnio de Deus, pode-se dizer que foi um animal exótico e pode-se culpar um mercado a milhares de quilômetros. E também pode-se procurar as causas das pandemias. Pesquisadores de diferentes países estabelecem uma vinculação direta entre os vírus que atormentam os seres humanos e a mão humana que devasta territórios, cria animais de forma industrial e desumana e a crise climática global. A dimensão ambiental dos vírus faz aparecer as causas, para que não se repitam.
A reportagem é de Darío Aranda, publicada por Página/12, 30-03-2020. A tradução é do Cepat.
“Destruir a natureza desencadeia novas doenças infecciosas”, destaca o doutor em biologia e especialista em mudança climática Alex Richter-Boix, da Espanha. Escreveu um artigo extenso e detalhado que analisa a malária, zika, dengue e chikungunya. “Vírus e outros patógenos são encontrados em animais selvagens. Quando as atividades humanas entram em contato com a vida selvagem, um patógeno pode saltar e infectar animais domésticos e daí saltar para os seres humanos. Ou diretamente de um animal selvagem para o homem”, explica.
Richter-Boix é um dos responsáveis do projeto Mosquito-Alert, um projeto de ciência cidadã criado para pesquisar os mosquitos vetores do zika, dengue e chikungunya, destaca a preocupação científica porque da “degradação das florestas podem surgir futuras doenças como a SARS, o ebola e a Covid-19, todos emergiram de animais selvagens”. E recorda que os mosquitos não são os únicos que transmitem patógenos da natureza para as populações humanas: “Morcegos, primatas e até caracóis podem ter doenças que em um determinado momento podem saltar para os seres humanos. A dinâmica da transmissão pode mudar quando alteramos seus habitats naturais”.
“É a destruição humana da biodiversidade que cria as condições para que novos vírus e doenças emerjam. O desmatamento, a abertura de novas rodovias, a mineração e a caça são atividades que estão envolvidas no desencadeamento de diferentes epidemias”, afirma Richter-Boix.
Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo ETC, organização referência em tudo o que está relacionado com as tecnologias e agricultura, e questiona o “perverso mecanismo do capitalismo para esconder as verdadeiras causas dos problemas”, enquanto os Estados gastam enormes recursos públicos em medidas de prevenção, contenção e tratamento, mas também não agem sobre as causas.
Parece-lhe cínico culpar os animais, neste caso os morcegos, ou o consumo nos mercados asiáticos. E ressalta: “A verdadeira fábrica sistemática de novos vírus e bactérias que são transmitidas aos seres humanos é a criação industrial de animais, principalmente aves, porcos e vacas. Mais de 70% dos antibióticos em escala global são usados para engorda e prevenção de infecções em animais não doentes, o que produziu um gravíssimo problema de resistência aos antibióticos, também para humanos”. Explicou que o fator fundamental é a destruição dos habitats de espécies silvestres e a invasão destes por assentamentos urbanos e a expansão da agricultura industrial, criando assim situações próprias para a mutação acelerada dos vírus.
Em um artigo intitulado “os latifundiários da pandemia”, no sítio Desinformémonos, Ribeiro questiona que a propagação de certos vírus não aponta para o modelo agroindustrial e suas grandes empresas. Está convencida que, caso não se aponte para essas causas, logo haverá outra pandemia e mais mortes. Também chama a atenção o silêncio sobre os ganhadores desses desastres, entre eles as empresas farmacêuticas multinacionais.
Matías Mastrangelo é doutor em biologia e pesquisador no Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (CONICET, sigla em espanhol). Escreveu em conjunto com a pesquisadora María Guillermina Ruiz, um artigo onde enumera e desenvolve cinco formas pelas quais o ser humano transforma o ambiente e cria pandemias: tráfico de fauna, destruição de ecossistemas naturais, extinção de espécies silvestres, mudança climática global e urbanização-globalização.
“O tráfico de fauna em escala global aumentou os contatos entre animais selvagens e populações humanas, o que de outra forma nunca teria ocorrido. Cada animal carrega em seu corpo uma variedade de vírus que hospeda há muito tempo. Durante essa coexistência milenar, desenvolveram imunidade contra esses vírus. Esse equilíbrio se rompe quando um vírus se transmite para outra espécie com a qual nunca conviveu, encontrando assim um hospedeiro que não desenvolveu imunidade contra ele”, explicam.
Em relação à extinção de espécies selvagens, produto em grande parte da destruição de habitats, apontam que simplificaram as cadeias alimentares e reduziram as relações entre espécies que naturalmente controlam o tamanho das populações animais. “A ausência de predadores naturais de espécies que se adaptaram para viver em ecossistemas transformados permite que suas populações cresçam sem controle, aumentando sua frequência de contato com as pessoas e com ela a probabilidade de transmissão de patógenos”, afirmam.
A mudança climática, produto da destruição de ecossistemas e do uso de combustíveis fósseis, aumentou a temperatura do planeta e faz com que as espécies tropicais encontrem um habitat apropriado nas regiões temperadas. “Espécies de insetos tipicamente tropicais que são vetores de doenças infecciosas, como os mosquitos, ampliaram sua distribuição para zonas temperadas e propagam doenças como dengue, zika e malária para áreas onde nunca haviam chegado antes”, registram.
A concentração de habitantes nas megacidades e a grande mobilidade entre continentes facilitam o contágio de maneira muita rápida. Os autores destacam que os cinco fatores apontados demonstram que as formas de produzir e consumir são em grande parte responsáveis pela pandemia, devido aos seus impactos no meio ambiente, dos quais depende a saúde humana. Enfatizam que a saúde do planeta e a dos seres humanos são apenas uma. E propõem algumas ações para mudar o presente: agroecologia (produção de alimentos saudáveis, sem transgênicos, nem agrotóxicos), reduzir viagens, evitar o consumismo e “escolher governantes que priorizem o meio ambiente”, entre outros aspectos.
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A dimensão ecológica das pandemias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU