30 Março 2020
Com o cancelamento das celebrações públicas da missa, os católicos não sabem ao certo o que fazer.
O comentário é de Robert Mickens, publicado em La Croix International, 27-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nas últimas cinco ou seis décadas, os bispos católicos em quase todas as partes do mundo permaneceram paralisados, assistindo desamparados à medida que o número e a qualidade dos candidatos ao sacerdócio continuavam diminuindo.
Nenhum papa nesse período – de Paulo VI a Francisco – ofereceu qualquer solução real para o problema. Sua única resposta à falta de padres foi instruir as pessoas a rezarem a Deus e encorajar mais rapazes a pensarem na vocação.
(Na verdade, Francisco disse explicitamente aos bispos da Amazônia que explorassem outras possibilidades, como a ordenação de homens casados, apenas para depois ignorá-las quando eles finalmente pediram permissão para fazer isso.)
De qualquer forma, está claro para todos, menos para os cegos, que a estratégia empregada até agora – ou seja, não fazer nada – não está funcionando. Quantas paróquias os bispos fecharam e quantas comunidades de fé viva – algumas envolvendo várias gerações – eles dissolveram devido a uma falta de vontade (própria e dos vários papas) de abrir os olhos para outras alternativas?
Um dos piores pesadelos para muitos bispos é o que fazer com as paróquias quando não é possível preenchê-las com um padre.
Portanto, é irônico que a pandemia do coronavírus tenha virado isso de cabeça para baixo. Agora, a questão é o que fazer com as paróquias e os padres designados a elas quando não há mais pessoas!
Não se engane. A esperança de Donald Trump de que as igrejas estejam lotadas no Domingo de Páscoa não é infundada. Infelizmente, não será nesta Páscoa – talvez em 2021.
A crise da Covid-19 não vai acabar em poucas semanas. Vai se arrastar por meses. Não sabemos se poderemos começar a nos reunir novamente. Por enquanto, não podemos celebrar a missa. E isso causou perplexidade e desorientação. Os bispos católicos e seus colaboradores, os padres, parecem estupefatos e apavorados diante desse dilema.
Eles não conseguem ver muitas alternativas, exceto continuar presidindo a eucaristia sozinhos ou na presença de poucas pessoas, enquanto todo mundo os assiste pela televisão ou pela internet.
O liturgista francês Gilles Drouin nos lembra nesta semana, em uma entrevista ao La Croix, que o Concílio Vaticano II (1962-1965) deixou claro que Jesus Cristo está presente a nós de mais maneiras do que apenas no pão e no vinho eucarísticos.
A Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium diz: “Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas” (SC 7). Durante a missa, Ele está presente no pão e no vinho, mas também na pessoa do padre e na Palavra que é proclamada. E, por fim, está presente nas orações e nos cantos da assembleia.
Mas isso não resolve o problema atual de não sermos capazes de nos reunir para a liturgia. E, como a Igreja não permite que ninguém mais presida na eucaristia exceto um padre validamente ordenado, o que podemos fazer?
Ficar sem liturgia?
“As pessoas podem ler a Palavra de Deus com membros de sua família ou com quem convivem. Ou podem rezar a Liturgia das Horas, sozinhas ou com outras pessoas”, diz o Pe. Drouin.
“Você não precisa ser monge ou freira para fazer isso! Os Salmos que compõem a Liturgia das Horas oferecem um alívio incrível nos dias de hoje”, acrescenta.
Infelizmente, a maioria dos católicos acredita que a Liturgia das Horas (também chamada de Ofício Divino e muitas vezes referida como Breviário) é exclusivamente para o clero e os religiosos. É por isso que monges e freiras são obrigados pelo direito canônico a rezarem “as horas” todos os dias. Mas, de fato, essa é a oração de toda a Igreja. E é uma oração litúrgica propriamente dita.
Embora rezar em uma assembleia ou em comunidade é a maneira ideal de celebrar a Liturgia das Horas, os padres diocesanos (especialmente) rezam há séculos o Breviário principalmente sozinhos. E não há nenhuma razão pela qual algum católico não possa fazer isso também, como sugere o Pe. Drouin.
A Sacrosanctum concilium diz que, fora da missa, é “especialmente pela recitação do Ofício Divino” que a Igreja “louva o Senhor sem cessar e intercede pela salvação de todo o mundo” (SC 83).
Além disso, diz que “como oração pública da Igreja”, o Ofício Divina é “fonte de piedade e alimento da oração pessoal” (SC 90). “Recomenda-se também aos leigos que recitem o Ofício Divino, quer juntamente com os sacerdotes, quer uns com os outros, ou mesmo particularmente” (SC 100).
Conferências Episcopais nacionais e bispos individuais, em muitos lugares, dispensaram os católicos da sua obrigação de ir à missa no domingo e em outros “dias de obrigação”, ao mesmo tempo em que oferecem recursos de oração para ajudá-los a santificar essas festas litúrgicas.
Para além da natureza legalista dessa abordagem, é também uma abordagem sem imaginação. Quantos bispos encorajaram seu povo a rezar a Liturgia das Horas – agora ou sempre?
Quantos padres introduziram a Liturgia das Horas em suas paróquias?
Em uma Igreja em que, para a maioria das pessoas, a liturgia não é realmente liturgia a menos que recebam a eucaristia, isso exigiria paciência, criatividade e catequese minuciosa.
Rezar e meditar a Palavra de Deus na Liturgia das Horas é um grande dom para o Povo de Deus, mas a maioria nunca foi apresentada a ela, muito menos foi ajudada a saboreá-la. De fato, é um gosto adquirido. Mas que começa a satisfazer.
A beleza da Liturgia das Horas é que ela também pode ser feita sem um padre ordenado, embora alguns padres e seminaristas, pelo menos em Roma, carreguem o Breviário e atuem como se apenas eles pudessem rezá-lo validamente. Mesmo em sua forma comunitária, um leigo pode liderar a Liturgia das Horas.
E, quando as pessoas começam a encontrar satisfação na oração das Horas em comunidade, elas começam a sentir o desejo de fazer isso de maneira particular e individual quando estão separadas da comunidade.
Apenas imagine como seria benéfico agora, durante este jejum eucarístico forçado, se a Liturgia das Horas já fosse um compromisso importante na vida litúrgica de cada católico e um “alimento para a oração pessoal”. É uma pena que a pandemia do coronavírus pegou a nossa Igreja tão despreparada. O jejum eucarístico não significaria fome litúrgica. Os católicos estariam confiantes em saber que, mesmo com seus padres ausentes, eles ainda poderiam fazer um banquete litúrgico com a Palavra de Deus. E, então, os católicos não ficariam tão confusos e desorientados pela suspensão temporária das celebrações públicas da missa.
Quanto aos homens que estão do outro lado do altar... essa é outra questão.
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Uma Igreja centrada no padre, confusa e despreparada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU