11 Março 2020
A crise sanitária global desencadeada pelo Covid-19 (ou novo coronavírus) é, na sua origem, uma crise ambiental: esse vírus – como antes o SARS, o Mers, o ebola e, em certa medida, o vírus da Aids – é uma patologia da fronteira homem-animal. É porque os humanos foram longe demais na destruição dos ecossistemas, na conquista da biodiversidade e na mercantilização dos vivos que hoje são afetados, estão em pânico e paralisados, em suma, conquistados.
A reportagem é de Eloi Laurent, economista, professor da Sciences Po e da Stanford University, e publicada por Alternatives Économiques, 10-03-2020. A tradução é de André Langer.
A questão agora é se as instituições humanas são capazes de resistir e mitigar esse choque ecológico ou, pelo contrário, se a sua vulnerabilidade levará à ampliação. A urbanização agora universal é uma faca de dois gumes: a aglomeração urbana mundializada é fonte de prosperidade e de fragilidade, uma vez que os sistemas urbanos contemporâneos são, em conjunto, poderosos aceleradores de bem-estar e formidáveis máquinas de propagação viral.
As atitudes observadas e as políticas implementadas até o momento sugerem que as instituições sociais de muitos países não estão prontas para enfrentar os choques ambientais do século XXI de maneira democrática.
Primeiro, há a crescente crise de confiança, tanto entre os indivíduos quanto entre eles e suas instituições. A discriminação, às vezes a violência, da qual são vítimas de certa indiferença pessoas de origem asiática, na França como em outros lugares do mundo (por exemplo, em San Francisco, onde Chinatown tornou-se um distrito fantasma), é um sintoma preocupante da necessidade antropológica de bodes expiatórios. Nesse contexto, as instituições devem assumir o controle para conter medos, reduzir a incerteza e criar confiança.
Em seguida, medimos o preço da redução das proteções coletivas em um país como a França, onde o hospital público, que continua sendo um dos melhores do mundo, é martirizado há anos pela lógica contábil da tabela Excel, mesmo quando é a instituição mais confiável (80%) entre os franceses. Da mesma forma, como podemos confiar plenamente nas informações e ações de um governo que cobre o contrato intergeracional que os franceses assinaram entre si após a Segunda Guerra Mundial – o sistema de pensões por repartição – com uma nuvem tóxica de incerteza desigualitária?
Ao contrário do que poderia ser uma resposta humanista e democrática, é o autoritarismo que substitui a política de saúde, tanto na Itália como no Japão. A crescente influência geopolítica do “modelo chinês” revela-se nesta maneira, como em outras, temível, a máscara protetora que também age como uma mordaça sobre as liberdades civis em nome da eficiência econômica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está absolutamente errada quando felicita o governo italiano por seu “sacrifício” econômico: pelo contrário, é em nome da corrida de velocidade para tornar-se economicamente atraente que são sacrificadas as liberdades e os direitos na Lombardia, Vêneto e Emília-Romanha, assim como é a perspectiva dos Jogos Olímpicos de Verão que justifica a ânsia brutal do governo japonês.
Além disso, essas medidas de contenção ignoram a desigualdade social que criam. O teletrabalho faz sentido apenas para uma parte da força de trabalho. Os trabalhadores da restauração, da construção ou dos transportes, para falar apenas destes, que, geralmente, se encontram entre os mais precários, é que arcarão com o peso das perdas de renda que eles simplesmente não podem suportar.
O Covid-19 é muito mais que um agente infeccioso: é um revelador implacável de nossas falhas coletivas. Deste ponto de vista, a crise sanitária está se transformando, diante dos nossos olhos, em alerta democrático.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O vírus do autoritarismo e da desigualdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU