10 Março 2020
"Não devemos entrar em pânico ou cair no medo irracional; pelo contrário, podemos trabalhar desde agora para reagir prontamente, para encontrar modos criativos de responder à crise, tentar olhar para o futuro com uma esperança razoável e bem fundamentada. Isso é possível desde que reconheçamos uma das evidências mais claras que o momento histórico atual nos oferece: a extrema fragilidade de nosso modelo econômico e de nossa sociedade liberal ocidental", escreve Carlo Petrini, fundador e presidente do movimento Slow Food e da Universidade de Ciências Gastronômicas de Pollenzo, em artigo publicado por La Stampa, 08-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Se é verdade que as grandes crises marcam a transição definitiva de uma época para outra, podemos assumir que o surgimento do vírus SARS-Cov-2, com as relativas perturbações sociais e econômicas que acarreta e decorrerão dele, é um desses divisores de águas. Em nosso país, por gerações a partir do segundo pós-guerra, esse é sem dúvida o maior desafio já enfrentado. Até algumas semanas atrás, o bicho-papão da economia europeia eram as taxas que o governo dos EUA aplicava a alguns produtos alimentícios do velho continente, mas hoje a expansão do coronavírus embaralhou completamente as cartas globais.
O que torna os cenários econômicos foscos não é mais uma medida protecionista agressiva, pelo contrário, estamos diante de uma situação sem precedentes que abre cenários igualmente inéditos. O turismo parado, a mobilidade dos cidadãos limitada em todas as latitudes, as escolas fechadas e os hospitais em prontidão de emergência são condições que nunca vimos juntas e que, no momento, ninguém é capaz de circunscrever no tempo. Sem mencionar o próprio objeto da emergência, um vírus que, mesmo que no momento pareça estar sob controle, continua se espalhando e agora atingiu todas as regiões italianas e a grande maioria dos países europeus, asiáticos e norte-americanos.
A racionalidade exige que leiamos os sinais econômicos dos dias de hoje como prelúdio de uma época de contração e crise, de desaceleração forçada e de dificuldades para muitos setores e amplas categorias de cidadãos e trabalhadores. Devemos esperar que não seja uma temporada longa, mas precisamos nos equipar para enfrentá-la da melhor maneira, porque certamente será difícil. Estamos prestes a viver um período complexo e, em muitos aspectos, ainda indecifrável, no qual as categorias com as quais estamos acostumados a ler a nossa realidade social e econômica serão minadas e terão forçosamente que ser reconsideradas.
No entanto, não devemos entrar em pânico ou cair no medo irracional; pelo contrário, podemos trabalhar desde agora para reagir prontamente, para encontrar modos criativos de responder à crise, tentar olhar para o futuro com uma esperança razoável e bem fundamentada. Isso é possível desde que reconheçamos uma das evidências mais claras que o momento histórico atual nos oferece: a extrema fragilidade de nosso modelo econômico e de nossa sociedade liberal ocidental.
A crise nos joga mais uma vez na cara a desigualdade social e econômica que está na base do nosso sistema, na qual um top manager de empresa ou um jogador de futebol recebem até mil vezes mais do que o que ganha um professor precário, em que a precariedade do trabalho e a erosão de décadas dos gastos públicos afetaram as categorias mais vulneráveis da população, expondo-as ao alto risco de se encontrar a pagar o preço mais alto pela crise. Uma sociedade com essas desigualdades não tem futuro, mas a partir dessa conscientização, pode-se recomeçar para reconstruir melhor, para todos, finalmente tentando derrubar paradigmas injustos.
Pois bem, agora é o momento da solidariedade e não mais da competição, é o tempo para encontrar forças para emergir não com o desespero de todos contra todos, mas com uma renovada solidariedade e com a reconstrução de um senso de comunidade que negligenciamos por muito tempo. Para responder a essa emergência, podemos restaurar relevância para a economia local sem cair em soberanismos fora do tempo e da lógica. Podemos sair do túnel cultivando os bens relacionais, acelerando um processo de transformação que caminhe na direção da luta sem trégua aos desperdícios, na busca de novas energias que não impactam o meio ambiente, na limitação dos consumos não necessários. Podemos ajudar uns aos outros, podemos nos compactar, podemos desmonetizar algum aspecto de nossa vida para economizar um pouco mais e apoiar as atividades de proximidade que enfrentam dificuldades.
Podemos fazer isso não porque o coronavírus o impõe, mas porque é a lógica que nos leva a procurar um futuro diferente e sustentável para todos. No entanto, devemos começar regulando cada um de nós. Retornar a praticar a escuta e a generosidade, a conversa e a inteligência afetiva, o diálogo e a reciprocidade. Somente mudando nossa atitude e nossa abordagem para o outro podemos realmente realizar uma mudança.
Empatia e gentileza são a base de uma nova política que pode nos levar para fora dos momentos de desânimo da crise econômica, bem como dos pântanos da luta sem trégua que vemos com muita frequência hoje nas instituições democráticas. Uma temporada cheia de obstáculos e incertezas nos espera, mas podemos jogar a partida com consciência e determinação: solidariedade, comunidade e cooperação são as chaves para recomeçar.
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A crise mostra a fragilidade do liberalismo. É hora de recomeçar pela solidariedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU