Chile. Carta do padre Mariano Puga: os protestos, a Igreja em Saída e a Eucaristia

Mariano Puga. Foto: Agencia Uno

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06 Março 2020

"Na última terça-feira, às 10h30min no pátio do Centro de Justiça de Santiago, celebramos a Ceia do Senhor Jesus entre centenas de pessoas que sonhamos com um Chile diferente. Ao conhecer a realidade sociopolítica dos familiares das vítimas notei que muito poucos deles se sentiam em comunhão na Igreja, ainda que muitos admirem Jesus e sua mensagem", escreve o padre Mariano Puga, padre operário chileno, em carta publicada por Il Sismógrafo, 04-03-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Mariano Puga está em delicado estado de saúde devido a um câncer linfático. Sua carta foi escrita em seu leito no Hospital Clínico da Universidade Católica, de Santiago, Chile, onde esteve internado até sexta-feira. A Comunidade La Minga, na qual vive, comunicou que o padre já está em casa, com a saúde ainda frágil. 

 

Eis a carta.

Irmãos padres,

Na última terça-feira, às 10h30min, no pátio do Centro de Justiça de Santiago, celebramos a Ceia do Senhor Jesus entre centenas de pessoas que sonhamos com um Chile diferente. Em especial com os familiares dos assassinados, presos políticos, cegos, calados e encarcerados pelos protestos sociais desde 18 de outubro até agora. Fizemos também memória dos carabineros feridos, comerciantes e pessoas dos arredores que foram atropeladas em seus direitos, dos que foram atentados e violentados. “Tudo o que fizeste ao menor dos teus irmãos, a mim o fizeste” (Mt 25). Ao conhecer a realidade sociopolítica dos familiares das vítimas, notei que muito poucos deles se sentiam em comunhão na Igreja, ainda que muitos admirem Jesus e sua mensagem. Essa é a primeira impressão que tive. Nunca havia me tocado a experiência de uma “Igreja em saída” que exigia uma improvisada catequese da Eucaristia para este mundo.

O papa Francisco nos disse: “a Eucaristia não é um prêmio para os bons, mas sim a força para os fracos”, e assim repeti com todas minhas forças. A segunda impressão que tive foi ver a quantidade de pessoas que comungaram o corpo e o sangue do justo, de Jesus de Nazaré.

Durante esses meses, tratamos de comungar o corpo de Cristo, ferido, machucado, mutilado, assassinado... Não era consequente comungar com o corpo de Cristo? “Quem come o Corpo de Cristo indignamente, come sua própria condenação” (1 Cor 11, 27).

Com dor percebi que éramos somente dois padres compartilhando a Ceia do Senhor com essa massa de gente. O que é isso? É essa a Igreja em saída que nos pede o querido papa Francisco? Depois de tanta solidariedade compartilhada, com esses irmãos crucificados... Justifica-se que somente dois presbíteros tenham acompanhado esse povo no dia em que denunciávamos sua dor? Do que vale a fé se não tem obras? (Tiago 2, 14), com que Cristo comungamos?

Fraternalmente,

Mariano Puga, cura obrero
Hospital UC, 03 de Março de 2020

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