05 Março 2020
A Igreja deve dizer como pôde elogiar “um homem de cujas tendências predatórias ela estava ciente”.
A reportagem é publicada por The Irish Times, 04-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A ex-presidente irlandesa Mary McAleese escreveu ao Papa Francisco dizendo que abandonará a Igreja Católica “se transparecer que a Santa Sé falhou em agir para proteger os membros da Comunidade L’Arche”.
Ela disse que as pessoas deveriam ter sido alertadas sobre “as atividades predatórias conhecidas” do fundador da comunidade, Jean Vanier, e de seu mentor, o padre dominicano Thomas Philippe.
“Devo dizer que esta será a minha última tentativa. Eu não poderia, em sã consciência, continuar apoiando uma instituição capaz de tanta negligência grosseira”, afirmou McAleese na carta.
Vanier fundou a L’Arche International em 1964 para ajudar pessoas com deficiências intelectuais. Ela atende 10.000 pessoas em 39 países e possui quatro comunidades na Irlanda, em Dublin, Belfast, Cork e Kilkenny, onde são atendidas até 60 pessoas, e cerca de 100 outras recebem serviços diários.
A L’Arche International anunciou no dia 22 de fevereiro que um inquérito que ela encomendou em junho passado sobre acusações de abuso sexual por Vanier havia “recebido testemunhos confiáveis e consistentes de seis mulheres sem deficiências, abrangendo o período de 1970 a 2005”. Vanier faleceu em maio passado.
Uma investigação da Igreja Católica em 2015 descobriu que o Pe. Philippe, que morreu em 1993, abusou sexualmente de 14 mulheres, muitas delas associadas à Comunidade L’Arche, em incidentes que remontam aos anos 1970. Subentende-se que nenhuma pessoa com deficiência foi abusada por ele.
Em 1956, o Pe. Philippe foi removido do ministério pelo Vaticano, por causa do seu abuso de mulheres. O relatório da L’Arche do mês passado também constatou que, em 1956, “não havia mais nenhuma dúvida de que Jean Vanier havia sido informado das razões da condenação” do Pe. Philippe.
Ele também constatou que, contra o conselho da Igreja, entre 1952 e 1964, o Pe. Philippe e Vanier mantiveram um profundo vínculo, e Vanier “compartilhava práticas sexuais semelhantes às do Pe. Thomas Philippe com várias mulheres, nenhuma das quais parece ter se declarado como vítima”.
Em sua carta ao Papa Francisco, McAleese disse que “é essencial que a Santa Sé explique agora como chegou a elogiar publicamente um homem de cujas inclinações predatórias ela estava ciente”.
Ela disse que “Vanier foi constantemente elogiado pela Igreja no mais alto nível, sem a mais remota sugestão de que havia algo preocupante em seu caráter”.
Ela perguntou “que passos a Santa Sé deu para interromper o crescimento do culto poderoso de Vanier, alertando os muitos homens e mulheres que confiavam nele de boa-fé que ele tinha um passado alarmante”.
“Eu sou uma daquelas que consideravam Vanier como alguém inspirador durante décadas”, disse ela. “Ouvir na semana passada a terrível história da sua conduta sexual e espiritualmente abusiva foi devastador. Pior ainda foi saber que, desde os anos 1950, a Santa Sé sabia das suas tendências malévolas e das do seu colega Père Thomas Phillippe”.
McAleese disse que estava confiante de que o grande trabalho realizado pela L’Arche permitirá a sua recuperação, mas que “não tinha tanta certeza se a confiança na Santa Sé se recuperará tão facilmente”.
“Muitas vezes, nos últimos anos, eu tive motivos para me desesperar com as falhas nos níveis papal, episcopal e curial em relação à proteção de crianças vulneráveis e à reivindicação das vítimas”, disse ela.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos
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Ex-presidente irlandesa ameaça abandonar Igreja Católica se caso Vanier não for explicado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU