20 Janeiro 2020
"O cardeal Sarah certamente puxou pela batina Bento XVI, trazendo ao palco midiático a oposição a qualquer tipo de renúncia ao celibato que ele próprio, como padre sinodal, havia feito na sala de plenária durante a assembleia. Tendo resultado sua posição perdedora, ele não ficou desanimado e tentou a cartada editorial", escreve Francesco Antonio Grana, vaticanista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 17-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
No caso do Vaticano sobre o livro do cardeal Robert Sarah e Bento XVI sobre o celibato sacerdotal, existem alguns pontos claros. Primeiro, lendo o livro, parece bastante evidente que os autores são dois: o cardeal africano prefeito da Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos e o Papa emérito. Impossível acreditar que a boa fé de Ratzinger tenha sido amealhada sorrateiramente pelo cardeal Sarah.
O livro é claro e, antes dele, são extremamente eloquentes as três cartas de Bento XVI ao cardeal. Além disso, a colaboração editorial entre os dois é bem conhecida e dura há bastante tempo. Uma colaboração, pode-se objetar, não em termos paritários, ou seja, de um texto escrito a quatro mãos como coautores. Se isso for verdade, no entanto, é necessário admitir a existência dos livros de Sarah com contribuições e prefácio do Papa emérito. Livros, sempre em respeito à verdade, definitivamente muito mais afins ao magistério de Ratzinger do que ao de Bergoglio.
Então o que aconteceu? Por que o secretário de Bento XVI e o prefeito da Casa Pontifícia, D. Georg Gänswein, correu aos reparos, já esgotado o prazo, pois o livro já havia sido impresso e estava na porta das livrarias, pedindo para retirar a assinatura do papa emérito como coautor? É provável que o cardeal Sarah não tenha submetido a prova da capa do livro a Ratzinger, no qual os dois aparecem como autores do texto, com suas duas fotos lado a lado. É provável, mas não é certo.
D. Gänswein defende isso, enquanto o cardeal Sarah diz que mandou para revisão todos, realmente todos os rascunhos do livro ao papa emérito. E diz ter compartilhado com ele a escolha do momento da publicação. Ou seja, ter decidido de comum acordo distribuir o texto nas livrarias antes de Francisco mandar imprimir sua exortação apostólica sobre as conclusões do recente Sínodo de bispos sobre a Amazônia, na qual ele comunicará também sua decisão sobre a abertura aos padres casados naquela região do mundo.
Quem está certo e quem está errado? Como sempre, a verdade está no meio. O cardeal Sarah certamente puxou pela batina Bento XVI, trazendo ao palco midiático a oposição a qualquer tipo de renúncia ao celibato que ele próprio, como padre sinodal, havia feito na sala de plenária durante a assembleia. Tendo resultado sua posição perdedora, ele não ficou desanimado e tentou a cartada editorial.
Para dar mais força à sua opinião, que resultou decididamente minoritária no Sínodo, incomodou o ilustre inquilino do mosteiro Mater Ecclesiae. Além disso, já se sabe há muito tempo que Ratzinger é contrário a qualquer renúncia ao celibato sacerdotal. Dado como certo que um texto do Papa emérito sobre esse tema não poderia ter outra posição senão aquela mesma defendida por Sarah. É uma pena que o próprio Bento XVI, em 2009, tenha aberto as portas da Igreja católica aos padres anglicanos casados. A mesma decisão que agora o Sínodo tomou para os diáconos permanentes na Amazônia e que Bergoglio deverá quase certamente ratificar.
Isso não afeta o celibato sacerdotal que Francisco já assegurou repetidamente que quer proteger exatamente como Ratzinger. Mas a Sarah esse raciocínio não agrada. Ou pelo menos está convencido de que, ao abrir mesmo a menor possibilidade para os padres casados na Amazônia, esta poderá se espalhar para outras realidades do planeta. Mas justamente Bento XVI demonstrou a ele que não foi isso que aconteceu uma década após a abertura aos padres anglicanos com esposas e filhos. Por que então Ratzinger recuou?
Muito provavelmente, o Papa emérito não esperava tal clamor midiático sobre sua contribuição para o livro do cardeal africano. E, acima de tudo, não imaginava que apareceria em total contraposição ao seu sucessor sobre um tema tão importante no governo e no ministério de Francisco. Há também uma outra pergunta: alguém avisou Bergoglio? Foram enviados a ele previamente os rascunhos do livro? Foi pedida permissão para publicá-lo? Provavelmente não, e isso não é pouca coisa. E finalmente: alguém pagará por todo esse absurdo episódio?
Leia mais
- Celibato, obrigação ou escolha?
- “Do fundo do nosso coração” é um “de profundis”. Ou seja, o Concílio Vaticano II não é opcional
- Os “órfãos” de Bento XVI
- A frágil ontologia do celibato. Perplexidade na mente e escândalo no coração
- Livro de Bento XVI e do cardeal Sarah: dois papas, uma Igreja?
- Opinião teológica de Jean-Miguel Garrigues, frade dominicano, sobre o livro sobre o celibato assinado por Bento XVI e o cardeal Sarah
- É certo que o Papa abrirá a possibilidade de “ordenar sacerdotes homens idôneos e reconhecidos pela comunidade” nas dioceses da Amazônia
- Celibato dos padres, Papa Francisco: com Ratzinger o caso está encerrado. Eugenio Scalfari relata seu encontro com o Papa Francisco
- Ratzinger compartilhava o livro do cardeal Sarah. E em menos de 48 horas a tese do mal-entendido foi desmontada
- As consequências incontroláveis de uma promessa quebrada. Como Bento XVI se viu envolvido na polêmica do livro sobre o celibato
- Na tempestade de Bento XVI e o livro sobre celibato, ‘É como foi’
- Francisco sai mais forte do “livrogate” do Vaticano
- Nicolas Diat, o homem por trás do cardeal Sarah
- Robert Sarah, um cardeal pega em armas
- Os dois papas, como um filme
- Ratzinger usado pelos anti-Francisco e o papel de Georg
- Dois homens de branco: saga de livro mostra a necessidade de repensar normas para papas eméritos
- Bento XVI tira seu nome de livro sobre celibato após disputa quanto à coautoria
- O mito da instituição autorreguladora do ‘Papa Emérito’. Artigo de Massimo Faggioli
- “Ratzinger e Sarah, uma obediência filial assombrosa” Entrevista com Andrea Grillo
- “Não sou co-autor do livro do cardeal Sarah”
- Cardeal Müller também recua: “Não temos dois papas, existe apenas um, que é Francisco”
- O livro a quatro mãos sobre o celibato sacerdotal. Qual é a verdade?
- Papa Francisco, o cardeal africano Sarah e os bastidores sensacionais da França: “Como remam contra ele”
- Quando Ratzinger sonhava uma Igreja com padres casados
- O livro sobre sacerdócio e celibato se torna uma ficção inquietante e perigosa. Quem mente e por quê? O que há por trás disso? Eis as três cartas de Ratzinger para Sarah
- A igreja arrisca tudo no celibato
- O ataque de Ratzinger e a armadilha da linguagem
- Dois papas é demais
- "Dificultar ou corrigir o Papa reinante é irreal"
- Bento XVI contra Francisco. “Nós somos Igreja” comenta o livro de Ratzinger e do cardeal Sarah
- Celibato indispensável como dispositivo de bloqueio: para não exagerar
- O livro sobre o celibato a quatro mãos e algumas perguntas aguardando respostas...
- Ratzinger entra em guerra contra Bergoglio. Um confronto que cheira a chantagem
- “É incompreensível que quem destituiu teólogos por não se submeterem ao magistério papal, seja agora quem se opõe ao Papa”, afirma José María Castillo
- Uma contribuição sobre o celibato sacerdotal em filial obediência ao Papa
- Bento XVI nunca viu nem aprovou o livro que o cardeal Sarah apresenta como de ambos
- Um livro bomba. Ratzinger e Sarah pedem a Francisco para não dar abertura a padres casados
- Ratzinger e o cardeal Sarah escrevem livro contra os padres casados
- Em novo livro, papa emérito Bento XVI quebra o silêncio para falar sobre o celibato sacerdotal
- Dois papas? As críticas de Bento 16 à flexibilização do celibato proposta a Francisco
- O que pensam religiosos da Amazônia sobre celibato de padres
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ratzinger e o caso do livro sobre o celibato, a verdade está no meio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU