Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 23 Novembro 2019
Em 2005, o que era uma "terceira força" se consolidou na política uruguaia como a protagonista. Assumiu o posto que pertencia aos dois partidos mais antigos do continente, que polarizaram a disputa do poder no país por dois séculos. Tabaré Vázquez, em sua terceira candidatura, foi eleito presidente sem precisar de um segundo turno, por uma ampla coalizão de partidos e movimentos de esquerda e centro-esquerda. Neste domingo, 24-11-2019, aqueles que eram antigos rivais estarão unidos: Blancos, Colorados, populistas e saudosistas da ditadura militar, para evitar que a Frente Ampla conquiste sua quarta eleição seguida.
A predominância de Blancos e Colorados na política uruguaia vem desde a Independência do país. O Partido Nacional, Blanco, desde sua fundação, em 1836, governou 8 mandatos, sendo o último com Luis Alberto Lacalle, entre 1990 a 1995. O partido Colorado, que chegou a permanecer 93 anos seguidos na presidência, chefiou o executivo em 53 governos, com destaque para a família Batlle, que presidiu o país em cinco mandatos: o primeiro, Lorenzo Batlle, em 1868 e o último, Jorge Batlle, nos anos 2000, quem entregou o cargo à Frente Ampla.
Último comício de Daníel Martínez e Graciela Villar, candidatos a presidente e vice-presidente do Uruguai, respectivamente, pela Frente Ampla. Foto: Frente Ampla
Nas últimas eleições, o enfrentamento da Frente Ampla aos polos dominantes assegurou uma unidade até então inesperada. No entanto, como em 2004 Tabaré venceu em primeiro turno, nos pleitos de 2009, com Mujica, e 2015, novamente com Tabaré, os tradicionais grupos, que hoje já estão com 183 anos, não conseguiram superar o partido que emergiu após os períodos de repressão militar com a unidade de diversos grupos de esquerda.
Ato final de campanha de Lacalle Pou (na ponta direita) junto com, da ponta esquerda à direita, Irene Moreira, senadora eleita pelo Cabildo Abierto, e os ex-candidatos à presidência Edgardo Novick, Ernesto Talvi e Pablo Mieres. Foto: Partido Nacional
No segundo turno de 2019, a Frente Ampla enfrentará uma coalizão ainda maior. O candidato Daniel Martínez, ex-prefeito de Montevidéu, venceu o primeiro turno com 40% dos votos. Martínez alcançou 11% a mais que o segundo colocado Luis Lacalle Pou, filho do último presidente blanco. No entanto, Lacalle Pou conta com o apoio de Ernesto Talvi, candidato colorado, Pablo Mieres, do Partido Independiente,Edgardo Novick, empresário que fundou o “Partido de la Gente” neste ano, e tem inspiração em Jair Bolsonaro, e Guido Manini Ríos, do Cabildo Abierto, um militar reformado, ex-comandante-chefe do Exército e saudosista da ditadura militar.
Todas as últimas pesquisas eleitorais apontam resultados favoráveis à centro-direita. Os institutos Factum, Radar, Cifra, Opción e Equipo Consultores divulgaram na última semana que Lacalle Pou vence as eleições com pelo menos 6 pontos percentuais de vantagem. O discurso de Pou é de confirmar um governo de coalizão, inclusive com convite para Ernesto Talvi assumir como chanceler.
Um peso grande no debate eleitoral se deu em torno da segurança. O surgimento de figuras como Manini Ríos e Novick são parte da retórica de luta contra a violência. As taxas de criminalidade registram números históricos, com o crescimento dos homicídios em 46% no último ano. No último comício do partido Nacional, em Montevidéu, todos os candidatos do primeiro turno estiveram reunidos – com exceção de Manini, que afirmou estar fazendo campanha pelo interior. Já o comício frenteamplista foi em tom de esperança de conquistar “voto a voto” nas ruas. Nas redes sociais, foi criada uma campanha de apoio ao transporte de eleitores da FA, prática permitida no Uruguai, tanto do país quanto para aqueles que estão fora. Uma página para pedir ou oferecer caronas está disponível no site do partido, assim como uma "vaquinha online" foi criada para contribuir com passagens de pessoas que estão fora do país.
A perspectiva de vitória da centro-esquerda é pequena. O ex-presidente Mujica declarou essa semana que “se for oposição, não será com pedras nas mãos” e que “está disposto a ser uma oposição construtora”. A FA ainda será o partido com maior bancada no Congresso, mas caso haja uma frente parlamentar unificada entre os partidos blancos, colorados e militar, Lacalle Pou terá uma fácil governabilidade pela frente.
Apesar de o ciclo de vitórias presidenciais da Frente Ampla estar próximo do fim, o partido chega no segundo turno ainda com força, consolidado como o partido com mais votos no país, superando os tradicionais. O fator obscuro, e que será compreendido apenas nos próximos anos, se dá com o surgimento de figuras como Guido Manini e Novick, escondidos no cenário político, mas que demonstraram, sobretudo o primeiro, respaldo da sociedade.
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Uruguai. A Frente Ampla disputa o segundo turno ‘contra todos’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU