29 Outubro 2019
“Nasceu a coalização” intitulou o diário El Observador nesta segunda-feira de ressaca eleitoral em referência a união das direitas com a ultradireita frente ao segundo turno, em 24 de novembro.
Segundo o escrutínio oficial, Daniel Martínez, da coalização centro-esquerdista Frente Amplio (FA), obteve 39,2% e deverá enfrentar Luis Lacalle Pou, que conseguiu 28,6% dos votos.
O candidato do Partido Nacional (Blanco) parte com vantagem, respaldado pelo colorado neoliberal Ernesto Talvi (que fez 12,3%) e o militar reformado Guido Manini Ríos, que fez 10,9% dos votos. Porém a aliança de Lacalle Pou com o líder do Cabildo Abierto é visivelmente repudiável. Seria como imaginar Sarkozy formando coalizão com Le Pen.
A primeira incógnita que surge: quão dispostos estarão os votantes blancos e colorados a darem seu apoio a essa coalizão? As campanhas de ambos partidos disputarão o centro.
A reportagem é de Mercedes López San Miguel, publicada por Página/12, 29-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O diretor da consultora Factum, Eduardo Botinelli, aponta ao Página/12 que “o primeiro desafio de Lacalle Pou e Talvi será convencer de que a aliança com uma direita militar e autoritária não é tão má. Ademais, estará por ver como se amalgamam duas visões do papel do Estado, uma pragmática e liberal, com outra de um Estado mais presente”.
O ex-comandante chefe do Exército, Manini Ríos, foi destituído em março por Tabaré Vázquez por não ter denunciado a confissão do repressor Nino Gavazzo de que jogou ao rio Negro o corpo do tupamaro Roberto Gomensoro, em 1973. E já disse que se amparará nos foros parlamentários para não se sentar no banco dos réus.
Mais ainda, seu companheiro de chapa Guillermo Domenech se pôs por cima da lei ao afirmar que “os cabildantes impedirão que Manini Ríos seja enviado a prisão”. Uma espécie calafrios geram as palavras messiânicas de Domenech: “Deus nos mandou Manini Ríos e temos um novo general para nos guiar”.
Cabildo Abierto conseguiu 11 cadeiras de Deputado (de um total de 99) e 3 no Senado (de 30) que incluem Manini Ríos e a sua mulher, Irene Moreira. Seu espaço põe em questão a agenda de direitos que aprovou a Frente Amplio nos 15 anos de governo, entre elas, as leis de legalização do aborto, matrimônio igualitário e regulação da cannabis.
A polêmica com Manini Ríos inclui um capítulo anterior: havia enfrentado o governo de Tabaré por causa da Reforma do Sistema de Aposentadoria e Pensões das Forças Armadas, aprovada em 2018, que lhe custou 30 dias de prisão, a máxima sanção.
Por que o FA nomeou Manini Ríos como comandante chefe do Exército? Foi o ex-tupamaro e ex-ministro da Defesa Eleuterio Fernández Huidobro, hoje falecido, que o designou em 2015. Até então o militar não dava sinais de querer participar na política.
O resultado das eleições dominicais é uma virada para a direita, após 15 anos de hegemonia da Frente Amplio com maioria absoluta. A partir do novo Congresso, a FA está longe da maioria: 42 deputados e 13 senadores, incluindo José "Pepe" Mujica e sua esposa e atual vice-presidente, Lucia Topolansky. Por outro lado, o Partido Colorado obteve 13 cadeiras nos deputados e 4 na Câmara Alta.
Segundo Botinelli, não há autocrítica na coalizão governista. “O slogan da FA, 'não perder o bem, fazer melhor' não agradou o cidadão que sentiu algum desconforto, especialmente no último período do governo. Se no passado o crescimento era de 5,6%, hoje é de 0,1%. A percepção é outra ”.
O analista acrescenta outro aspecto que tem a ver com a renovação da liderança. “Daniel Martínez provoca baixa rejeição, mas não desperta grandes paixões, como Mujica. A FA embarcou em um processo de renovação com um custo, já que figuras emblemáticas como Tabaré, Mujica, Astori não apareceram nesta campanha ”.
No entanto, a coalizão de centro-esquerda terá que procurar seduzir os eleitores desencantados. Botinelli diz que "dois em cada dez Colorados preferem Martinez". E que há setores baixos que votaram no Cabildo Abierto pela questão de segurança. "Três pontos em quase 11 são do setor Mujica".
O analista Jorge Lanzaro discorda desse ponto. "Os eleitores populares de Manini serão mais difíceis de recuperar", disse ele a este jornal. O professor de ciência política da Universidade da República sustenta que, com um governo de direita, haverá revisões de políticas. "Na maneira como os gastos públicos são ajustados, no tratamento da negociação coletiva de salários, em sensibilidade aos direitos das minorias. A FA tendia a favorecer trabalhadores e sindicatos. Muitos dos avanços feitos pela Frente são apoiados pela trajetória histórica do Uruguai como um estado de bem-estar social".
Falta menos de um mês para que as estratégias do partido sejam implantadas e as incógnitas reveladas.
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Uruguai. A direita se une contra a Frente Ampla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU