01 Novembro 2019
Alguns cientistas britânicos reivindicaram, por meio de uma carta, apoio psicológico para enfrentar a realidade de suas próprias pesquisas. A crise climática, um problema multidimensional, também pode ter sérias consequências negativas para a saúde mental: ansiedade, depressão e até suicídios.
A reportagem é de Alejandro Tena, publicada por Público, 30-10-2019. A tradução é do Cepat.
A crise climática está derretendo os polos, extinguindo espécies, colapsando ecossistemas, turvando o ar de gases poluentes, causando conflitos humanitários e dando origem a lutas pelo controle de recursos cada vez mais escassos. A situação de emergência é total. Os efeitos do aquecimento global se espalham como um câncer, sem deixar sequer um ponto da natureza imaculada. Mas, as consequências do Antropoceno - uma era geológica marcada pelos impactos do ser humano sobre a natureza - também atingem as mentes, encurraladas por um tipo de ansiedade que surge da mistura de medos e frustrações frente ao colapso da vida anunciado pela ciência.
O conhecimento da encruzilhada climática e o estudo intensivo pode ser, se não houver tratamento emocional oportuno, um problema para a saúde mental das pessoas que têm um certo apego à natureza e aos ambientes. Tanto que, em setembro passado, os cientistas britânicos Timothy A. C. Gordon, Andrew N. Radford e Stephen D. Simpson publicaram uma carta na revista Science reivindicando apoio psicológico para digerir os resultados negativos de algumas de suas pesquisas.
“A ilusão generalizada de que os cientistas devem ser observadores desapaixonados é perigosamente equivocada. Pelo contrário, a dor e a recuperação pós-traumática podem fortalecer a resolução e inspirar a criatividade científica. Para entender e encontrar soluções para nossos ecossistemas naturais cada vez mais danificados, os cientistas ambientais devem poder chorar e receber apoio à medida que avançam”, escreveram os especialistas.
Essa situação, no entanto, não se restringe apenas às pessoas ligadas à ciência e ao estudo acadêmico das mudanças climáticas. A crescente onda ambientalista fez com que a ecoansiedade também afetasse a saúde mental de algumas pessoas conscientes do futuro do planeta. “Você se sente muito pequeno, sem capacidade de fazer nada”, diz Paula Mancebo, uma jovem de 20 anos que se vê sobrecarregada por um sentimento depressivo, fruto da situação ambiental do momento. “Tenho momentos em que não consigo dormir e tenho pesadelos sobre o assunto”, acrescenta.
Até certo ponto, essa inquietação emocional está ligada a um sentimento de frustração devido ao escasso poder das ações individuais. “No meu caso, isso está associado a um forte sentimento de culpa, especialmente quando há notícias de uma catástrofe natural e aprendo algo novo sobre o assunto”, explica essa estudante, que viu na crescente mobilização social climática uma boa válvula de escape.
“A ecoansiedade é o medo crônico da destruição ambiental. É causada pelo alto nível de estresse gerado pela perda da biodiversidade, pela perda de espécies e recursos como resultado da poluição ambiental. Essas pessoas desenvolvem uma visão empática sobre as repercussões que suas ações terão na vida das gerações seguintes”, explica Juan Cruz, psicólogo clínico do Colégio Oficial de Psicólogos de Madri.
Alejandro Martínez, um dos porta-vozes do Fridays For Future (FFF), também reconhece sofrer um desgosto emocional devido à atual incerteza climática do momento. “Os maiores picos de ansiedade ocorrem naquele momento quando eu leio algum relatório ou alguma reportagem e contrasto com a falta de vontade política de procurar soluções”, argumenta, para descrever a aflição como “uma espécie de opressão” que diz sentir “de uma forma muito contínua”.
A ação em nível individual pode se tornar um bom remédio contra esta espécie de estresse constante. “Transformar a ansiedade em pequenas ações que permitem mudar o cotidiano pode ser algo útil”, pontua Cruz.
As ações do ser humano sobre a Terra, sujeitas ao uso constante de combustíveis fósseis, estão causando um aumento nas temperaturas da Terra. No entanto, o aumento dos termômetros globais não está apenas começando a revelar repercussões materiais e físicas, mas também começa a causar estragos na saúde mental.
Isso se reflete em uma pesquisa científica publicada pela revista Nature que reflete como o aumento da temperatura está relacionado a um aumento na taxa de suicídio (0,7% nos condados dos Estados Unidos, analisados, e 2,1% nas regiões mexicanas estudadas).
Embora esses números sejam difíceis de relacionar, as análises dessa pesquisa também refletem como, durante os meses em que o calor aumenta os comportamentos sociais, estudados por meio de comentários nas redes, se tornam mais pessimistas. “As análises da linguagem depressiva em mais de 600 milhões de atualizações de redes sociais sugerem que o bem-estar mental se deteriora durante os períodos mais quentes”, defende o estudo.
As depressões e picos de estresse podem se tornar um problema social cada vez mais comum como resultado do aumento de catástrofes naturais que virão com as mudanças climáticas. Embora os suicídios devido ao aumento da temperatura sejam uma das consequências mais estudadas pelos especialistas, a lista de elementos traumáticos é bastante grande. Entre elas, a psicóloga Susan Clayton cita em artigo recente os efeitos que a migração forçada pode ter na mente, além de conflitos emocionais relacionados à falta de acesso aos recursos naturais.
Essa é uma realidade importante, levando em consideração o último relatório da ONU que estimou que as mudanças climáticas e o aumento do nível do mar poderiam forçar cerca de 1,5 bilhão de pessoas a serem deslocadas de seus territórios.
A realidade da catástrofe é difícil de enfrentar e, às vezes, os cidadãos recorrem ao zapping quando os furacões desolam as cidades costeiras e se dedica a passar com desinteresse as páginas que reúnem os últimos relatórios científicos. Até certo ponto, esse desvio da realidade climática levou as sociedades a entender os fenômenos meteorológicos como problemas isolados e dissociados das ações globais dos seres humanos, como denunciou Naomi Klein em “A doutrina do Choque”.
Essa outra prática, a do negacionismo, está associada a um mecanismo de “indefensabilidade aprendida”, explica Miguel López-Cabanas, doutor em psicologia. “Há um fechamento perceptivo do risco, que foi o que aconteceu com o tabaco há muitos anos”, diz o especialista. “Pode ocorrer o fenômeno da ansiedade se esse risco é visto como muito alto e nada for possível ser feito para evitá-lo”, acrescenta.
Nesse sentido, deve ser traçado um eixo de ação que evite que a pessoa caia no negacionismo, mas que também seja capaz de que os indivíduos não se sintam sobrecarregados por um problema tão multidimensional como a mudança climática. Assim entende o especialista em psicologia social, que enfatiza a necessidade de desenvolver resiliência para amortecer o impacto emocional que podem gerar as mudanças causadas por uma crise climática cada vez mais irreversível.
“É preciso que se forneça todos os dados reais e as projeções, mas também é preciso oferecer alternativas para promover comportamentos de enfrentamento. Isso se desenvolve informando, formando e empoderando a população”, comenta.
“É preciso ter o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade”, afirma, citando Gramsci.
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Ecoansiedade: quando o colapso climático produz depressão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU