04 Outubro 2019
“A solostalgia leva a um mal-estar generalizado, um sentimento de perda e dor que provoca problemas de saúde mais graves, como abuso de drogas, doenças físicas e doenças mentais. Esse novo conceito ajuda a compreender um impacto pouco estudado até agora da crise climática: o psicológico e como processos que estão ocorrendo em todo o mundo colocam novos desafios para o campo da saúde, os planos de vigilância e os fenômenos de adaptação à mudança climática”, escrevem Cristina Linares e Julio Díaz, membros do Departamento de Epidemiologia e Bioestatística da Escola Nacional de Saúde, no Instituto de Saúde Carlos III, Espanha, em artigo publicado por Ctxt, 02-10-2019. A tradução é do Cepat.
A crise climática é o maior desafio global que a humanidade enfrenta. Embora são muitos os aspectos que abarca e os setores afetados, de ecológicos a econômicos, não menos importante são seus efeitos na saúde das pessoas. Em 2015, Chris Dye, diretor de estratégia da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse: “As mudanças climáticas não causam doenças, mas ampliam os efeitos de muitas delas”.
A OMS calcula que a mudança climática causará 250.000 mortes adicionais por ano, em todo o mundo, entre 2030 e 2050, como consequência de modificações nas características das doenças, muitas delas muito sensíveis às mudanças de temperatura e pluviosidade. Em termos de saúde, os efeitos das mudanças climáticas são notáveis em diferentes âmbitos e são conhecidos e combatidos, especialmente nos países mais desenvolvidos economicamente.
Os maiores impactos, no entanto, são sofridos pelos países mais pobres. Entre as ameaças à saúde estão: os efeitos dos extremos térmicos (ondas de calor e frio) cada vez mais intensos e frequentes ao longo do tempo, o aumento de doenças tropicais transmitidas por vetores (por exemplo, malária e dengue), já que devido ao aquecimento global esses vetores de transmissão atingiram áreas de alta densidade populacional que historicamente estavam livres deles, o aumento da mortalidade associada à má qualidade do ar que se respira, principalmente nas zonas urbanas. O aumento de poluentes químicos se intensifica devido às piores condições atmosféricas promovidas por situações de maior insolação e estabilidade.
Outras grandes causas da mortalidade atribuíveis às mudanças climáticas são a desnutrição e a diarreia, devido a uma maior frequência e intensidade dos fenômenos meteorológicos extremos, como furacões, ciclones, tempestades, inundações e secas, que conduzem à escassez de alimentos, má qualidade da água, alimentos contaminados e, finalmente, deslocamentos populacionais, principalmente nas áreas geográficas onde todos esses impactos se juntam.
No momento, um dos campos com maior interesse científico é o da influência dos efeitos das mudanças climáticas sobre a saúde mental das populações afetadas, constituindo uma parte importante da carga de doenças a elas associadas. A percepção de um estado de saúde mental ótimo deve ser entendida não apenas como padecer ou não de uma doença mental diagnosticada, mas a partir de um estado ótimo de saúde física e emocional. É necessário distinguir duas escalas de incidência:
A provocada por um maior número de frequências e intensidade de fenômenos meteorológicos extremos, como inundações, secas, furacões, tornados, elevação do nível do mar, aumento de incêndios florestais etc. Todos esses eventos extremos produzem um importante impacto na população: mudanças no uso do solo, na produtividade agrícola e pesqueira, na disponibilidade e qualidade da água, e no pior dos casos, perdas de infraestrutura e lares, aumento das desigualdades socioeconômicas e, portanto, na saúde, além da diminuição da segurança alimentar e fome, também uma situação de maior pobreza, e até conflitos armados. Essas situações geram migrações populacionais massivas conhecidas com o termo de refugiados climáticos. Nos primeiros seis meses de 2019, estes somaram sete milhões de pessoas, superando os deslocados por conflitos bélicos.
Nesta primeira escala de impacto, é onde a saúde mental desempenha um papel importante. Além do aumento de lesões e traumatismos causadas por eventos extremos, essas situações de estresse muito intenso e ansiedade geram na população afetada - especialmente entre os mais vulneráveis por idade ou gênero - um gatilho importante de várias doenças mentais em diferentes faixas de gravidade. O acompanhamento e a quantificação desse tipo de risco são complicados, pois até agora não havia sido considerado em toda a sua magnitude, ignorando aspectos importantes como, por exemplo, o abandono de tratamentos médicos causados por essas situações graves específicas.
A geração de registros confiáveis monitorados nessas circunstâncias é importante para dimensionar o plano de ação, a vigilância e o monitoramento de situações de emergência do ponto de vista da saúde. Portanto, as mudanças climáticas podem afetar diretamente a saúde mental pela exposição a traumas psicológicos e situações estressantes da vida, como as vivenciadas em desastres climáticos cada vez mais frequentes, com lesões, traumatismos, perda de vida de pessoas e propriedades, além de deslocamentos involuntários. Afetam a percepção de saúde e segurança das pessoas, constituindo fator de risco para estados de ansiedade, estresse pós-traumático, depressão e suicídio.
Dentre o resto dos fatores de risco para a saúde mental investigados, a próxima escala de incidência seria o impacto indireto. Por exemplo, devido ao aumento da poluição atmosférica ou devido a um acontecimento que não gera uma situação de emergência, como as mencionadas acima. As evidências científicas estão se acumulando em torno de trabalhos que encontram associações robustas entre episódios de ondas de calor e aumento de distúrbios emocionais e comportamentais (aumento da violência e abuso de substâncias tóxicas: álcool, medicamentos, drogas), bem como um aumento na taxa de suicídios durante episódios de temperaturas extremas e secas.
Os grupos populacionais altamente vulneráveis seriam, acima de tudo, pessoas que já sofrem de uma doença mental e, principalmente, a população idosa que fisiologicamente já sofre de uma pior termorregulação e também se encontra polimedicada na maioria dos casos ao padecer de doenças associadas (diabetes, hipertensão). Condições individuais que, por sua vez, são agravadas por viver em piores condições de vida e suportar piores situações socioeconômicas.
Nesse ponto, entra em jogo o conceito de pobreza energética (Boardman 1991) e suas implicações sobre a saúde mental das pessoas. A pobreza energética é a incapacidade econômica de manter uma temperatura adequada à habitação, tanto no verão (refrigerada) quanto no inverno (aquecida), de modo que as ondas de calor e frio (cada vez mais frequentes e intensas) são o fator precipitante de um agravamento e o desencadeamento de diversas condições mentais (incluindo suicídio).
Nesse âmbito são especialmente importantes as diferenças de gênero. A feminização da pobreza energética é objeto de pesquisas recentes, uma vez que as mulheres são, em muitos casos, as sustentadoras econômicas dos lares, seja por idade (aposentadas) ou por ser a única pessoa com capacidade de contribuir economicamente com o lar.
Outra questão é como a qualidade do ar afeta a saúde mental, especialmente em cidades que excedem constantemente os valores de referência de proteção à saúde da OMS. Na última década, surgiram vários estudos que relacionam distúrbios psiquiátricos à poluição atmosférica [1]. Em geral, o mecanismo biológico capaz de relacionar a associação entre esses fatores ambientais e os suicídios é que 90% das pessoas que cometem suicídio têm histórico prévio de distúrbios psiquiátricos, como ansiedade, depressão e transtornos de personalidade, e sabe-se que existe uma associação entre níveis de poluição atmosférica e aumento de casos de episódios depressivos e doenças neuropsiquiátricas.
A poluição atmosférica afeta o organismo através de um mecanismo de estresse oxidativo (muitos poluentes contêm substâncias tóxicas como metais pesados) e isso leva à neuroinflamação. A exposição constante e contínua a altos níveis de contaminação pode ser o estressor neuropsicológico que leva ao agravamento dos sintomas. Em um estudo publicado recentemente para a cidade de Barcelona [2], é estatisticamente significativo que o aumento da exposição a longo prazo à poluição atmosférica pode aumentar as probabilidades de depressão e o uso de antidepressivos e benzodiazepínicos.
Por último, dentro do conceito de saúde global, entendido como um estado ótimo, tanto físico, como mental, o termo solastalgia foi cunhado (Albrecht, 2005) para descrever uma nova classe de angústia psíquica e estresse existencial provocada pela presença de ambientes degradados e deteriorados, particularmente no entorno mais próximo e agravado pelo sentimento de incapacidade e impotência para solucioná-lo. A solostalgia leva a um mal-estar generalizado, um sentimento de perda e dor que provoca problemas de saúde mais graves, como abuso de drogas, doenças físicas e doenças mentais. Esse novo conceito ajuda a compreender um impacto pouco estudado até agora da crise climática: o psicológico e como processos que estão ocorrendo em todo o mundo colocam novos desafios para o campo da saúde, os planos de vigilância e os fenômenos de adaptação à mudança climática.
[1] Kim Y, Ng CFS, Chung Y, Kim H, Honda Y, Guo YL, Lim YH, Chen BY, Page LA, Hashizume M1. Air Pollution and Suicide in 10 Cities in Northeast Asia: A Time-Stratified Case-Crossover Analysis. Environ Health Perspect. 2018 Mar 6;126(3):037002.
[2] Verta C, Sánchez-Benavides G, Martínez D, Gotsensd X, Gramuntd N, Ciracha M, Molinuevod JE, Sunyer Jm et al. Effect of long-term exposure to air pollution on anxiety and depression in adults: A cross-sectional study. International Journal of Hygiene and Environmental Health 220 (2017) 1074–1080.
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A mudança climática piora a saúde mental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU