29 Outubro 2019
Ganhou notoriedade, na primeira década do século XXI, como o prodígio de vinte anos das letras estadunidenses. Faz uma década que Jonathan Safran Foer (Washington, 1977) milita no vegetarianismo como uma forma de luta ambiental. Registrou isso em Comer Animais (Rocco), um ensaio que se tornou um documentário coproduzido e narrado com Natalie Portman, com quem teve uma longa e em certas ocasiões intensa correspondência, publicada por TMagazine. Agora, retorna com Podemos salvar el mundo antes de cenar (Editora Seix Barral), no qual adverte que se escolhermos uma dieta com menos carne, teremos uma possibilidade de reverter as mudanças climáticas, uma vez que a pecuária intensiva, hoje, é diretamente responsável pelo aquecimento global.
A entrevista é de Elena Hevia, publicada por El Periódico, 22-10-2019. A tradução é do Cepat.
Este é um livro estranho que vincula reflexão íntima e erudição frente a essa ideia universal que todos aceitamos, em maior ou menor grau, de que o planeta está em perigo.
É que a crise climática também é muito estranha, porque é um problema global e individual. Não acredito que viveremos logo em um mundo no qual os governos começarão a regular os comportamentos de uma maneira que obrigue todos a fazer a coisa certa.
Então, a responsabilidade deve recair sobre o cidadão?
Temo que, nesse momento, sim. Mas, é bom que pensemos nisso e descubramos nossas capacidades e limitações.
O que se ganha reduzindo o consumo de carne?
Segundo a Organização das Nações Unidas, a pecuária é a principal causa da poluição do ar e da água, do desmatamento, da perda de biodiversidade, da erosão e a desertificação do solo. É a causa número dois da emissão de gases do efeito estufa, portanto, um cientista diria que quanto menos carne consumirmos, menos essas coisas acontecerão.
Parece uma medida aceitável. Que outras propostas podem ser seguidas?
Sabemos que, diante da crise climática, há quatro coisas que realmente importam: voar menos, dirigir menos, ter menos filhos e comer menos carne. Na minha vida, comer menos carne é o mais fácil. E há também razões para suspeitar que é a coisa mais urgente, porque é a única que consegue reduzir o metano e o óxido nítrico, que são os gases do efeito estufa mais potentes. E devemos agir rapidamente, porque chegará um momento em que os efeitos não poderão ser revertidos. Há pequenos gestos que podemos assumir, como comprar um carro elétrico ou não voar em nossas próximas férias. Mas, devemos admitir que não podemos fazer tudo. Às vezes, o medo da incoerência nos impede de tentar.
Suponho que em algum momento haverá trapaças e meterá os dentes em um hambúrguer. Todos nós infringimos as regras sabendo que não estamos agindo bem.
Eu não sou 100% coerente, mas prefiro não pensar nisso em termos de trapaças. Ou seja, digamos que se você é vegetariano e, uma vez por semana, come um pouco de carne. Você pode pensar em si mesmo como alguém hipócrita ou como alguém que faz as coisas bem em 20 de cada 21 refeições.
Não é um pouco paradoxal que metade do mundo se preocupe com dietas e alimentos saudáveis e a outra morra de fome?
Temos 1 bilhão de pessoas com fome no mundo e um número semelhante de pessoas obesas. Não há nenhuma igualdade na forma como consumimos. É extremamente ineficiente produzir carne. É necessário introduzir de 6 a 26 calorias em um animal para obter uma caloria em troca. Sendo assim, objetivamente estamos jogando muita comida e isso é injusto.
Então, a mudança climática tem a ver com a justiça social?
Absolutamente, porque os ricos dos países ricos estão provocando danos aos pobres dos países pobres. Fumar nos Estados Unidos pode produzir câncer em Bangladesh.
Sua percepção de tudo isso mudou ao ter filhos? Pensou no mundo que herdariam?
É a história típica que costumamos contar a nós mesmos, e eu a conto algumas vezes. Mas, para ser honesto, não sei se é exatamente assim. Os ambientalistas mais ativos que conheço não têm filhos.
Em todo caso, os mais jovens são os que estão mais angustiados e os que enfrentam o problema da maneira mais direta.
Isso é totalmente certo. Contudo, nós, mais velhos, não devemos olhar para os jovens e exclamar que são maravilhosos ou inspiradores. Em primeiro lugar, porque é condescendente e, em segundo lugar, porque conheço muitos adultos que simplesmente observando a paixão em seus filhos, acreditam que já estão participando. O planeta não se importa se você vê um vídeo de Greta Thunberg e começa a chorar. O planeta se importa se você assiste ao vídeo e se propõe mudar de vida.
Greta Thunberg lhe emociona?
É alguém incrível. Sou amigo de vários ambientalistas que viajaram com ela nos Estados Unidos e me disseram que ela é assim, incapaz de reprimir sua própria verdade. Muitos me perguntam sobre ela, como se houvesse algo obscuro, mas acho que ninguém pode sentir outra coisa a não ser gratidão extrema por ela, porque possivelmente é a pessoa mais importante que já existiu em relação à emergência climática.
Há pessoas que a acusam de simplificar a mensagem e de estimular em excesso o fator emocional.
Concordo que Greta não pode ser a única mensageira da luta ambiental. Ela é muito boa se comunicando, acendendo as emoções das pessoas e essa é uma parte importante do processo em que estamos neste momento. Mas, precisamos de outros mensageiros, cientistas, artistas, escritores, jornalistas...
Se Trump revalidar seu mandato na Casa Branca, será outro revés grave para a causa.
Seria terrível por qualquer causa. E é possível que isso aconteça. No entanto, odiar Trump, sentir raiva do que ele diz e faz, leva-nos a se sentir bem e, no fundo, é como chorar quando assistimos a um vídeo de Greta Thunberg. É uma emoção que podemos confundir com uma ação. Trabalhei na campanha de Hillary Clinton e se ela tivesse chegado a ser presidente dos Estados Unidos, continuaria fazendo parte do Acordo de Paris, mas com toda certeza não teria cumprido os objetivos da cúpula, da mesma forma que a Espanha e nenhum outro país europeu cumprirão. Acredito que Trump nos mostrou o reflexo horrível do que somos. É possível dizer que, em certo sentido, foi motivador. Agora, evidentemente, não quero que vença.
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“A crise climática é um problema global e individual”. Entrevista com Jonathan Safran Foer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU