11 Outubro 2019
"A fé cristã e a fé da gratuidade. Não é uma fé do comércio com Deus. Deus não é mercantilista, Deus não vende sua sua graça, Deus não aceita negociação. A relação com Deus é totalmente gratuita.
"Deus não se deixa comprar nem impressionar pelo cumprimento de preceitos e nem por gestos de piedade. Deus vê o íntimo do coração. Ele não é mercantilista, nem interesseiro. Ele é pura gratuidade e amor. Deus é um Deus que ama gratuitamente. E por que ele ama gratuitamente nós também temos que entrar nessa relação da gratuidade e não na relação da obrigação."
A reflexão é de Solange Maria do Carmo, teóloga leiga. Ela possui graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE/BH e graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-Minas. É mestre em teologia bíblica e doutora em Catequese pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE/BH. É co-autora da Coleção Catequese Permanente, pela Editora Paulus. Atualmente é professora no Instituto de Filosofia e Teologia Dom João Resende Costa da PUC-Minas e no Instituto Santo Tomás de Aquino - ISTA.
1ª Leitura - 2Rs 5,14-17
Salmo - Sl 97,1.2-3ab.3cd-4 (R.cf 2b
2ª Leitura - 2Tm 2,8-13
Evangelho - Lc 17,11-19
Irmãs e irmãos, a liturgia desse domingo nos oferece um precioso texto para nossa reflexão. Trata-se da narrativa de Lucas 17,11-19.
Lucas está relatando a grande viagem de Jesus da Galileia a Jerusalém. No caminho, o Mestre de Nazaré vai ensinando aos seus seguidores tudo que é importante para o discipulado, para a jornada da fé cristã. Jesus já lhes ensinou sobre a importância da partilha e o risco da avareza, já lhes falou sobre o cuidado e o zelo pelos pequeninos do Reino, já insistiu com eles que a maior dádiva da oração não é uma graça recebida, mas sim a graça da comunhão com Deus gerada naquele que ora de coração sincero. Dentre os ensinamentos preciosos do Mestre, encontra lugar privilegiado a gratuidade e sua correspondente, a gratidão.
A fé cristã e a fé da gratuidade. Não é uma fé do comércio com Deus. Deus não é mercantilista, Deus não vende sua sua graça, Deus não aceita negociação. A relação com Deus é totalmente gratuita.
Lucas conta que dez leprosos encontram Jesus às portas de um povoado e lhe pedem socorro: “Mestre, tem compaixão de nós!”. Jesus simplesmente lhes diz: “Vão se mostrar ao sacerdote”. O sacerdote funcionava como um sanitarista. Ele reconhecia os perigos de contaminação por uma doença e a ele cabia a tarefa de reintegrar o doente ao convívio social, especialmente o leproso, cuja doença era temida por todos, levando seu portador a viver excluído em vilas e vales, sem poder entrar nas cidades. A ordem de mostrar-se ao sacerdote significa o cumprimento da prescrição deixada por Moisés na Torah. Um homem com lepra estava impedido do culto, não participava da liturgia, não estava em condições de viver harmoniosamente no ambiente religioso.
A narrativa segue dizendo que eles foram pelo caminho rumo ao sacerdote que faria a verificação de seu estado de saúde. No percurso, porém, um deles se vê limpo da letra. O texto faz crer que todos estão na mesma condição (“Não foram dez os curados?”, diz Jesus), mas nove seguem decididos em busca do cumprimento da prescrição religiosa. Um, porém, não se conformou de cumprir a ordem dada e voltou para agradecer. Vem pelo caminho louvando e glorificando a Deus, até alcançar Jesus e poder lhe demonstrar toda sua gratidão. E justamente esse era um samaritano.
O samaritano era um irmão torto dos judeus, uma pessoa considerada estrangeira e idólatra por causa de seu sincretismo religioso. Justamente ele – tão discriminado – mereceu elogios. Não é a primeira vez que Lucas coloca um samaritano como o “bom moço” da parábola. Basta lembrar a parábola desconcertante do Bom samaritano. Além dele, Lucas sempre escolhe personagens não muito ortodoxos ou certinhos segundo a prescrição religiosa para simbolizar as pessoas mais sinceras e mais dignas de elogio da parte de Jesus. É o caso da mulher pecadora que ungiu Jesus; de Zaqueu, que era um publicano; de um ladrão crucificado ao lado de Jesus.
Lucas está insistindo em nos ensinar que os mais certinhos na religião nem sempre são os mais próximos de Deus. Ao contrário, uma pessoa cuja fé nãos e encaixa nos padrões contratuais da religião pode nos surpreender com uma fé muito mais autêntica e bonita que a fé rigorosa e meticulosa de alguns que se acham muito cristãos.
Isso acontece porque um dos princípios fundamentais da fé cristã é a gratuidade, cuja atitude correspondente é a gratidão. A gente pode fazer tudo, seguir os dogmas, não cometer heresias, frequentar direitinho o tempo, cumprir os preceitos estabelecidos pela religião e não viver na presença de Deus.
Deus não se deixa comprar nem impressionar pelo cumprimento de preceitos e nem por gestos de piedade. Deus vê o íntimo do coração. Ele não é mercantilista, nem interesseiro. Ele é pura gratuidade e amor. Deus é um Deus que ama gratuitamente. E por que ele ama gratuitamente nós também temos que entrar nessa relação da gratuidade e não na relação da obrigação.
Por isso, na relação com Deus, conta mais a gratidão do coração de se saber não merecedor de sua graça do que a meritocracia de alguns que pensam comprar Deus com sua vida reta. Deus é gratuidade, não ama por obrigação. Não se deixa convencer por rituais cumpridos, nem por prescrições obedecidas. Em tempos de pós-modernidade, em que a teologia da retribuição está em voga, Lucas nos ensina que Deus não premia bons nem pune os maus. Deus é gratuidade pura, e a relação com ele se dá no âmbito da gratidão e não do merecimento, afinal Deus é amor.
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28º domingo do tempo comum - Ano C - Deus é pura gratuidade e compaixão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU