Por: André | 11 Outubro 2013
A observância da religião não é suficiente para o ato e a expressão da fé; de sorte que um dos dez leprosos não seguiu a ordem, a prescrição da Lei do Levítico, porque voltou atrás. [...]E por quê? Simplesmente porque a fé cristã não está fundada sobre a Lei, mas sobre a fé na pessoa do Jesus ressuscitado.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 28º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C do Ano Litúrgico. A tradução é de André Langer.
Referências bíblicas:
Segunda leitura: 2 Tm 2,8-13
Evangelho: Lc 17,11-19
Eis o texto.
Começa, hoje, a terceira e última etapa da viagem para Jerusalém. Após ter cultivado seus discípulos sobre a Igreja e suas exigências, Jesus vai passar agora do visível ao invisível, ou seja, ao Reino. E, ao longo de três domingos, o veremos referindo-se àqueles que estão verdadeiramente no caminho do Reino. Hoje, é um samaritano, portanto, um estrangeiro, que é tomado como exemplo. Apenas ele volta para agradecer, dar glória a Deus. Apenas ele adere à fé cristã. Apenas ele se deixa salvar e ressuscita: “E disse a ele: ‘Levanta-te e vai; a tua fé te salvou’” (Lc 17,19). Os verdadeiros crentes não são necessariamente aqueles que pensamos ser. Quais são as mensagens do Evangelho de hoje?
1. Solidariedade na exclusão
O evangelho nos diz que: “Caminhando para Jerusalém, aconteceu que Jesus passava entre a Samaria e a Galileia” (Lc 17,11). Lucas com certeza inverteu as duas regiões, porque se atravessa primeiro a Galileia (norte) antes de atravessar a Samaria (centro), quando se vai para a Judeia (sul). Mas pouco importa, e o evangelista continua: “Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos foram ao encontro dele” (Lc 17,12a). Sobre os dez leprosos aprendemos depois que entre eles havia um que era samaritano. Sabemos pelo evangelho que os judeus e os samaritanos não se davam. Com a invasão assíria da Samaria, em 722 a.C., os habitantes da Samaria misturaram-se com os assírios e seus descendentes eram vistos como bastardos. É por isso que os judeus da Judeia não falam com os samaritanos; eles não tinham nenhuma relação entre si.
E, no entanto, no evangelho de hoje, os dez leprosos, os nove judeus e o samaritano, estão juntos, unidos pela exclusão, a lepra, uma doença contagiosa que excluía as pessoas acometidas por este mal; acreditava-se que se tratava de uma punição de Deus pelas faltas cometidas. E a exclusão era tal que os leprosos não podiam se aproximar de ninguém: “Pararam à distância” (Lc 17,12b) e eles carregavam sinos pendurados ao pescoço, para que ninguém se aproximasse deles, e, se por ventura viesse a acontecer que um leproso se aproximasse de alguém, devia gritar: Impuro! Para afastar o quanto antes a pessoa. Era verdadeiramente a exclusão total. Por outro lado, no evangelho de hoje, os dez leprosos estão juntos nesta exclusão e os dez dirigem-se ao Senhor: “Eles gritaram: ‘Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!’” (Lc 17,13).
2. Primeiro degrau da fé: a confiança
Os dez leprosos dirigem-se a Jesus como a um mestre, portanto, como discípulos que reconhecem sua missão de salvador, isto é, aquele que dá, não somente a saúde, mas também a salvação. Apelando a Jesus – mestre – os dez excluídos apelam àquele cujo nome tem poder sobre as potências do mal e da morte. E a confiança deles é tão grande que à ordem do mestre: “Vão apresentar-se aos sacerdotes” (Lc 17,14a) – ordem que é, de fato, a prescrição legal normal para reintegrar à comunidade ou formar comunidade (era preciso dez pessoas para formar uma assembleia na sinagoga) – os dez leprosos vão executá-la, e, no caminho, são purificados, curados (Lc 17,14b). A observância da religião permite, portanto, aos leprosos serem reintegrados à comunidade. Para isso é preciso Confiança.
3. Segundo degrau da fé: voltar atrás
“Um deles, ao perceber que estava curado, voltou atrás glorificando a Deus em alta voz” (Lc 17,15). Isso significa que a observância da religião não é suficiente para o ato e a expressão da fé; de sorte que um dos dez leprosos não seguiu a ordem, a prescrição da Lei do Levítico, porque voltou atrás. O evangelista Lucas nos diz bem mais: “Jogou-se no chão, aos pés de Jesus, e lhe agradeceu” (Lc 17,16a), e Lucas precisa: “E este era um samaritano” (Lc 17,16b). O que isto que dizer? Nós nos encontramos na Igreja de Lucas, no final do século I, e a fé cristã se espalha mais facilmente entre os estrangeiros do que entre os judeus. E por quê? Simplesmente porque a fé cristã não está fundada sobre a Lei, mas sobre a fé na pessoa do Jesus ressuscitado. E era mais fácil para um samaritano, um estrangeiro, dar esse segundo passo da fé, porque não estava preso à religião estabelecida, que se tornou um obstáculo para o caminho da fé.
A religião, seja a cristã, judaica ou a muçulmana, quando absolutiza seus dogmas, seus ritos e suas regras, corre o risco de tornar-se um obstáculo para a fé. É preciso, às vezes, dar meia volta, voltar atrás, para reconhecer quem encontramos e quem nos colocou no caminho. Talvez, nesse momento, tivéssemos que tomar outro caminho, um caminho não traçado previamente, mas um caminho que nos permitirá atingir o objetivo: o Reino. O Reino não é um lugar; é uma realidade a ser feita, a ser construída. E é feito de justiça, de igualdade, de dignidade, de unidade na diversidade, de harmonia na pluralidade. Há incertezas, sofrimentos, incompreensões, inclusive rejeições, quando passamos para o segundo degrau da fé.
Não será por isso que o autor da segunda carta a Timóteo nos diz hoje? “Lembre-se de Jesus Cristo, descendente de Davi, ressuscitou dos mortos. Esse é o meu Evangelho, por causa do qual eu sofro, a ponto de estar acorrentado como um malfeitor” (2 Tm 1,8-9a). Mas é a passagem obrigatória para renascer para a vida, para ressuscitar: “Levanta-te e vai; a tua fé te salvou” (Lc 17,19). A Palavra de Deus não pode ser acorrentada (2 Tm 2,9a). É uma Palavra que surgiu da história e que se expressa através dos acontecimentos da história. Nenhuma religião pode prendê-la nem possuí-la; nenhuma Igreja pode censurá-la. É uma Palavra certa (2 Tm 2,11a) que se no Cristo ressuscitado e que liberta todas aqueles e todos aqueles que a ouvem e a colocam em prática. Outro evangelista nos lembra isso: “Nem todo aquele que diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu” (Mt 7,21).
Para terminar, eu gostaria de partilhar com vocês esta curta oração do francês Éric Julien, que apareceu em Signes d’aujourd’hui #102, 1992: “Nós éramos dez leprosos a nos crer salvos, a correr de alegria pelo povoado. Mas nós éramos salvos apenas exteriormente. Então, eu voltei atrás. Compreendi que aquilo que poderia curar a minha pele podia fazer ainda melhor: curar a minha alma e me entregar ao amor de Deus. Quando ele me disse: tua fé te salvou, eu compreendi que esse não era um curandeiro. Era Deus em pessoa que eu via face a face”.
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A fé que ressuscita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU