10 Outubro 2019
“O capitalismo é parte da solução e parte do que precisamos fazer”, afirmou Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra, em uma entrevista à televisão neste verão, segundo o jornal The Guardian. Referia-se às mudanças climáticas. “As empresas que não se adaptarem, inclusive as financeiras, irão à falência, sem dúvida alguma. [Mas] haverá grandes fortunas que serão feitas, ao longo desse caminho, alinhadas com o que a sociedade deseja”. Desse modo, Carney estava fazendo uma definição perfeita do que é conhecido como capitalismo verde, um conceito muito criticado pelos setores que denunciam que um sistema capitalista baseado no crescimento eterno é o grande problema. Além disso, colocava sobre a mesa outro debate: o das fortunas que serão acumuladas graças ao aquecimento global e os negócios que prosperarão no auge da tragédia.
A reportagem é de Dani Dominguez, publicada por La Marea, 07-10-2019. A tradução é do Cepat.
Há algumas semanas, Carney participou da Cúpula sobre a Ação Climática da ONU. Entre representantes do setor privado e líderes políticos, também tiveram seu lugar responsáveis de organizações financeiros. Carney reconheceu que “o novo financiamento sustentável não está sendo rápido o suficiente para que o mundo chegue a zero emissões” e aproveitou a oportunidade para destacar as políticas que o Banco da Inglaterra estava adotando em sua luta contra a mudança climática e sua adaptação às possíveis consequências do aquecimento global: “O Banco da Inglaterra será o primeiro regulador a submeter à prova seu sistema financeiro contra diferentes vias climáticas, incluindo o negócio catastrófico como cenário habitual”. Não falou do capitalismo, que considera um aliado.
No entanto, como costuma acontecer nesses casos, entre o que se diz e se faz há um longo caminho. Na Positive Money, criticaram o fato do banco central inglês não ser mais contundente em sua luta contra o financiamento da extração de combustíveis fósseis. De acordo com o último Relatório de Estabilidade Financeira apresentado pela entidade, a organização garante que o Banco da Inglaterra assumiu uma posição de “ver e esperar”, em vez de agir: “Não precisamos esperar pelos resultados das provas de estresse para saber que os bancos continuam despejando bilhões em combustíveis fósseis que aumentam o risco climático”.
Diante disso, a Positive Money reivindica mais rapidez: “Como reconhece o último Relatório de Estabilidade Financeira, a janela para uma transição ordenada para uma economia neutra em carbono é finita e fechada. Quanto mais tempo o banco central permitir que os bancos injetem dinheiro em bolhas de carbono, mais difícil e desordenada será a transição para uma economia verde”. E fornecem um dado: “Desde o Acordo de Paris, em novembro de 2015, os bancos investiram 1,9 trilhão de dólares em novos projetos de combustíveis fósseis em todo o mundo, e os credores do Reino Unido estão entre os piores culpados”.
As grandes entidades supranacionais, algumas das quais também participaram da Cúpula, não fogem dessa dinâmica. De acordo com o relatório “Subsídios aos Combustíveis Fósseis”, elaborado em 2017 pela Direção Geral de Políticas Internas do Parlamento Europeu, o Banco Europeu de Investimento (BEI) reconhecia continuar financiando projetos “que contribuem para garantir a segurança do fornecimento de petróleo e gás”. “A análise do CEE Bankwatch Network revela que o BEI contribuiu com até 7 bilhões de euros para o financiamento de combustíveis fósseis, entre 2013 e 2015, o que representa quase 30% do total de empréstimos no setor de energia”, explica o relatório.
Além disso, ainda que os empréstimos destinados ao financiamento de energias renováveis tenham superado os empréstimos para infraestruturas de combustíveis fósseis, durante esse período, “estes últimos aumentaram aproximadamente 25%, passando de 2 bilhões de euros, em 2013, para cerca de 2,5 bilhões de euros, em 2015, frente a uma redução de 21% dos empréstimos para energia renovável”. O BEI financiou, mediante títulos no valor de 1,4 bilhão de euros, o armazém de gás Castor, um projeto falido que a agência reconheceu não ter avaliado os riscos.
Os Ecologistas em Ação também criticam essa entidade. “O BEI não parou de financiar infraestruturas que não são limpas. Fizeram uma aposta nos gasodutos e tentam vendê-los como energia de transição, quando é claramente energia fóssil que contribui para a mudança climática. Nossa posição em relação ao BEI é muito crítica porque, apesar do discurso sobre o avanço em sustentabilidade, continuam financiando infraestruturas insustentáveis”, explicou Yago Álvarez, porta-voz da organização.
O Banco Mundial, cujo presidente também esteve presente na Cúpula, foi acusado pela ONG alemã Urgewald de continuar potencializando os combustíveis fósseis com milhões de dólares. De acordo com o relatório World Bank Group Financial Flows Undermine the Paris Climate Agreement, publicado em março deste mesmo ano, a entidade teria destinado o triplo de recursos para projetos relacionados aos combustíveis fósseis, em comparação às energias renováveis: 21 bilhões de dólares para o carvão, o petróleo e o gás, frente a 7 bilhões para a energia solar ou eólica.
É verdade que neste mesmo ano o BEI anunciou que não financiará projetos relacionados à extração de combustíveis fósseis, nem à produção de energia a partir deste tipo de material: “Esses tipos de projetos não serão mais apresentados na reunião do Banco Europeu de Investimentos, após 2020 ”, afirma em um documento publicado em seu site. “É uma grande decepção descobrir que o Grupo do Banco Mundial continua fornecendo quantidades tão grandes de financiamento público a combustíveis fósseis”, disse Heike Mainhardt, especialista estadunidense e colaborador do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), autor do relatório acima mencionado.
Para o porta-voz de Ecologistas em Ação, a presença dessas organizações e de bancos privados nas cúpulas climáticas “é uma maneira de influenciar nas negociações, de fazer lobby para que não sejam adotadas medidas vinculantes que lhes obriguem a reduzir sua lucratividade”. Também destaca que, graças a esses eventos, podem fazer “greenwashing”: “Aproveitam esses momentos midiáticos para fazer declarações sobre compromissos de redução de investimentos, mas no fundo são compromissos vazios, pura retórica, porque podem se comprometer com o que quiserem e isso não lhes obriga a nada. Podem dizer que vão se reger por princípios alinhados à Cúpula de Paris, mas se não cumprem, não é possível exigir nada deles, não há consequências reais. Parece que estão aí para fazer lobby e para limparem sua imagem”, finaliza Álvarez.
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Bancos e financiamento de combustíveis fósseis. O que as empresas não disseram na Cúpula sobre a Ação Climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU